Leonel Radde

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Policial Civil no Rio Grande do Sul e vereador em Porto Alegre

Opinião

O Brasil não precisa dos falsos policiais youtubers

O que une todos esses policiais é o desejo de ampliação de seu público nas redes sociais, cujos algoritmos lhes geram cifras astronômicas

Delegado Da Cunha ostenta armas e símbolos da Polícia nas operações transmitidas em seu canal do Youtube. Foto: Reprodução
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Nos últimos anos, com o avanço da relevância e abrangência das redes sociais, surgiu mais um fenômeno midiático que pode ser chamado vulgarmente de policial youtuber. Via de regra, são membros das forças de segurança que utilizam as redes sociais para “apresentar” para o grande público sua realidade profissional.

Muitos policiais se elegeram a partir da popularidade de seus perfis nas redes sociais. O sucesso do conteúdo policialesco demonstra o forte apelo que dessa pauta entre a população brasileira, acostumada com programas como Brasil Urgente, Balanço Geral, Alerta Nacional ou Polícia 24 Horas, formatos proibidos ou restritos na maioria dos países. São exemplos desse fenômeno Sargento Fahur, Gabriel Monteiro, Delegado da Cunha, Daniel Silveira entre outros de menor relevância. Eles possuem uma característica em comum, além da carreira policial: todos representam a extrema-direita.

Os policiais youtubers passam a gravar ações policiais cotidianas em primeira pessoa, se colocando como repórteres da miséria humana

É natural que policiais queiram mostrar em seus perfis privados sua rotina. As próprias instituições policiais possuem assessorias e divulgam suas operações junto à mídia tradicional, como forma de informar e trazer transparência ao seu trabalho. Existe, porém, uma linha tênue entre o razoável e a utilização do Estado em benefício próprio.

O que se vê nos canais de diversos policiais já eleitos, ou que possuem nitidamente esse propósito, é um show de arbitrariedades que poderiam ser facilmente enquadradas como abuso de autoridade e quebra dos códigos de ética e estatutos das instituições de segurança pública. Os policiais youtubers passam a gravar ações policiais cotidianas em primeira pessoa, se colocando como repórteres da miséria humana, como se estivessem sempre participando de um furo de reportagem. Muitas vezes, os casos registrados são nitidamente “pegadinhas” ou montagens para darem a impressão de que o policial é o herói, narrando em tempo real o suposto perigo a que está submetido, demonstra todo o seu desprezo em relação à criminalidade e toda a sua virilidade.

Eles já não gravam mais com as câmeras GoPro, acopladas aos coletes, e sim com uma verdadeira equipe de gravação, envolvendo câmeras, iluminadores, técnicos de som no melhor estilo “Hollywood”. Ocorre que um dos principais pressupostos da polícia é a impessoalidade e o sigilo, principalmente das operações. A compartimentação das informações é algo essencial e básico e, no momento em que esses agentes públicos passam a exibir seus supostos feitos nas redes sociais, convidando sistematicamente seus contratados a participar das operações, colocam em risco todos os seus colegas.

O que se vê nos canais de diversos policiais é um show de arbitrariedades que poderiam ser facilmente enquadradas como abuso de autoridade

A concentração e o foco durante uma operação não permitem o que vemos nos vídeos de figuras como Delegado Da Cunha e Gabriel Monteiro, sempre mais preocupados com o melhor ângulo da câmera do que em realmente cumprir os protocolos. O Sargento Fahur, nas suas entrevistas, sempre cometeu casos de abuso de autoridade e deu declarações totalmente absurdas. Em uma delas, afirmou ter cheirado cocaína e que a droga era realmente muito perigosa, cometendo uma transgressão grave junto à sua própria corporação, na medida em que teria admitido publicamente, utilizando um uniforme da Polícia Militar do Paraná, que havia acabado de consumir drogas ilícitas durante a jornada de trabalho.

O Delegado da Cunha, após inúmeros vídeos absurdos, em que parecia muitas vezes ser mais um repórter policial do que um policial de fato, postou uma foto sozinho e armado, na entrada da chamada “Cracolândia” em São Paulo, dizendo que estava iniciando sozinho uma operação no local, conhecido por ser um território de muita violência e intenso consumo de drogas. Por óbvio, uma terceira pessoa tirou a referida foto e a operação nunca ocorreu, mas a propaganda já estava registrada, levando ao delírio seus milhões de seguidores. Ao sofrer reprimenda por parte da Secretaria da Segurança Pública, alegou estar sendo perseguido por supostamente querer expor o sistema, ao melhor estilo Capitão Nascimento. Gabriel Monteiro chegou a ser expulso por deserção da Polícia Militar do Rio de Janeiro, uma vergonha para qualquer policial, após responder a mais de 70 processos disciplinares por faltas ao serviço.

O que une todos esses policiais é o desejo de ampliação de seu público nas redes sociais, cujos algoritmos lhes geram cifras astronômicas, muito maiores do que os seus salários. Além disso, se tornam pessoas conhecidas, catapultando suas carreiras políticas, pois são virtualmente eleitos frente à quantidade de seguidores que possuem em suas redes. Na verdade, se utilizam de recursos públicos, pagos pelos contribuintes através dos impostos, para favorecimento eminentemente pessoal. Se utilizam das fardas, dos cargos, das armas e da vida dos próprios colegas para um favorecimento pessoal.

A sociedade brasileira não precisa de falsos policiais que produzem vídeos populistas. Ela precisa de policiais que honrem a sua profissão e atuem dentro das normas técnicas e legais, trabalhando em prol do país e ombreando dia-após-dia com os seus colegas, sem protagonismos ou holofotes.

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