Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Negar absorventes a quem sofre com pobreza menstrual é um ato perverso e desumano

Sob justificativas inconsistentes e hipócritas para vetar avanços aprovados pelo Congresso, institui-se a banalização da perversidade

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Durante a minha infância e início da adolescência, menstruação era um assunto praticamente proibido. Não se falava sobre o tema abertamente. Muito pelo contrário. As conversas em torno das “regras” das mulheres eram permitidas somente entre as mais velhas, quase sempre aos cochichos.

Eu devia ter uns quatorze anos quando soube que mulheres próximas à minha família viviam o que conhecemos hoje como pobreza menstrual, que consiste na falta de recursos para compra de produtos de higiene necessários durante a menstruação. Ao visitar parentes no interior, descobri que, na falta de absorventes íntimos, vizinhas das minhas tias faziam uso de palhas de milho para conter os sangramentos mensais. Como não poderia deixar de ser, fiquei incrédula, impressionada. Pensei no incômodo, no sofrimento que isso poderia causar.

Esse sentimento de incredulidade tomou conta de mim recentemente, quando li uma matéria sobre a falta de absorventes em presídios, o que obrigava as detentas a fazerem uso de miolos de pão para não encharcar a roupa de sangue ao longo do ciclo menstrual.

Como professora da educação básica em regiões de alta vulnerabilidade social, a pobreza menstrual se apresentava à minha frente de maneira recorrente. Era bastante comum alunas se dirigirem a mim e a outras educadoras para solicitar Always, Sempre Livre, Íntimus Gel ou qualquer outro, já que os pais não tinham condições de comprar.

Ontem, a menstruação – esse tema ainda tabu – tomou conta do noticiário. Não sem motivo. Em mais um ato de desprezo pelos Direitos Humanos e pelas mulheres, o presidente Jair Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda matriculadas em escolas públicas, como também para mulheres em situação de rua e que cumprem pena em presídios. Como bem lembrou uma matéria publicada no jornal El País, o veto atinge ainda homens trans e pessoas não binárias, uma vez que a menstruação não se restringe somente às mulheres.

Ao adotar tal medida, Bolsonaro não levou em consideração que, segundo dados da Unicef, anualmente, uma em cada quatro meninas deixam de frequentar a escola em razão da falta de absorventes. Bolsonaro desconsiderou que o acesso a absorventes íntimos é uma medida que proporcionaria saúde e bem-estar a uma parcela grande da população.

A atitude do presidente mostra, outra vez, uma das faces mais marcantes do seu governo: o total descompromisso com a superação das desigualdades de gênero e com a garantia de direitos básicos aos brasileiros.

Assistimos, estarrecidos, à adoção de um conjunto de medidas políticas perversas que deixa um rastro de destruição, miséria e ignorância, com um prejuízo social que se refletirá ao longo das próximas décadas. Sempre sob justificativas inconsistentes e hipócritas para vetar avanços aprovados pelo Congresso, institui-se a banalização da perversidade.

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