Luiz Gonzaga Belluzzo

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Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

Luiz Gonzaga Belluzzo: O teto e a aritmética

A ‘Folha de S.Paulo’ e a turma da Faria Lima desconsideram a matemática simples ao analisar o comportamento da economia entre 2009 e 2016

Bolsonaro e Dilma
Jair Bolsonaro e Dilma Rousseff. Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil Jair Bolsonaro e Dilma Rousseff. Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil
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Foi intensa a repercussão do editorial da Folha de S.Paulo intitulado Jair Rousseff. Na peça opinativa, o jornal estabelece um paralelo entre as gastanças de Dilma e as tentações de prodigalidade nos gastos públicos que assaltam Jair Bolsonaro.

O ex-ministro Nelson Barbosa retrucou os argumentos da Folha. Vou reproduzir aqui tão somente as considerações de aritmética elementar, frequentemente desconsideradas pelos “especialistas” que frequentam ou frequentavam as páginas do jornal. Diz Barbosa: “A Folha exagera ao dizer que houve gasto sem limite durante o governo Dilma. Houve expansão fiscal? Sim, houve, sobretudo em 2012-2014, mas não muito diferente do ocorrido em outros governos. Quando se trata de uma razão, numerador e denominador importam. Traduzindo do economês, quando a economia desacelera, o gasto do governo pode crescer mais lentamente do que no período anterior e, ainda assim, subir em proporção do PIB. Foi assim na comparação entre o primeiro e o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Foi assim na comparação entre o segundo mandato de Lula e o primeiro mandato de Dilma. O gasto primário desacelerou sob Dilma”.

O ano de 2009 é apontado pela turma da Faria Lima como aquele da inauguração da suposta “nova matriz macroeconômica”, que teria elevado os gastos e conduzido à recessão e ao desequilíbrio fiscal. Curiosamente, a partir de 2009, as despesas primárias do governo central caem, aproximadamente, 0,5% do PIB. De 2014 a 2015, essas despesas sofrem elevação de quase 1% do PIB. Um exemplo claro das relações entre os movimentos do PIB e seus efeitos sobre as receitas e as despesas fiscais.

Ao negligenciar o crescimento de 7,6% da economia brasileira em 2010 e a queda de 3,8% do PIB em 2015, a lógica dos “tetudos” – os autoproclamados especialistas em contas públicas – troca as pernas como um briacco para explicar a contração das despesas primárias do governo central a partir de 2009 e a expansão de 2015, em relação ao PIB. É a singular dialética do “subiu, mas caiu” ou do “caiu, mas subiu”.

Barbosa faz uma competente autocrítica sobre o ajuste (desajuste?) fiscal que assolou o País em 2015 e 2016. Vitoriosa na eleição de 2014, Dilma sucumbiu ao terrorismo dos gestores e economistas acasalados na Faria Lima e permitiu que Joaquim Levy produzisse uma depressão econômica. O ajuste de Levy fez a economia brasileira desabar 3,8% em 2015 e 3,3% em 2016.

Em 2017, escrevi aqui com Gabriel Galípolo que, “após o crescimento de 0,5% em 2014, a economia do País descambou para dois anos de depressão. A trapalhada de 2014/2015 perpetrou a interação entre um choque de tarifas, a subida da taxa de juros, a desvalorização do real e o corte dos investimentos públicos.

Ao negligenciar o crescimento de 7,6% da economia brasileira em 2010 e a queda de 3,8% do PIB em 2015, a lógica dos “tetudos” troca as pernas como um briacco para explicar a contração das despesas primárias do governo central a partir de 2009 e a expansão de 2015, em relação ao PIB

Essa proeza determinou a elevação da inflação em simultâneo à contração do nível de atividade. O encolhimento do circuito de formação da renda levou, inexoravelmente, à derrocada da arrecadação pública. O déficit primário engordou dos 0,63% do PIB em 2014 – o primeiro em duas décadas – para 1,88% em 2015 e 2,47% em 2016.

O mergulho depressivo iniciado entre o crepúsculo de 2014 e a aurora de 2015 pode ser apresentado como um exemplo do fenômeno que as teorias da complexidade chamam de “realimentação positiva” ou, no popular, “quanto mais cai, mais afunda”. Para a economia como um todo, de nada valem as sabedorias da economia doméstica.

O processo de “realimentação positiva” decorre da interação sistêmica entre a queda no faturamento das empresas, bancos temerosos diante do risco de inadimplência e assalariados-consumidores ameaçados pelo desemprego. Endividadas, as empresas são constrangidas a ajustar seus balanços diante das perspectivas de queda da demanda e do salto do serviço da dívida. Para cada uma delas é racional dispensar trabalhadores, funcionários, assim como, diante da sobra de capacidade, procrastinar investimentos que geram demanda e empregos em outras empresas. Para cada banco, individualmente, diante da percepção do risco em alta, é recomendável subir o custo do crédito e racionar a oferta de novos empréstimos.

Os consumidores, bem, os consumidores reduzem os gastos. Uns estão desempregados e outros com medo do desemprego. Assim, o comércio capota, não vende e reduz as encomendas aos fornecedores, que acumulam estoques e cortam ainda mais a produção. As demissões disparam. A arrecadação míngua, sugada pelo redemoinho da atividade econômica em declínio. A relação dívida pública/PIB aumenta, impulsionada pela derrocada do denominador. Caiu, mas subiu.

*Este artigo retoma temas já tratados em CartaCapital.

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