Justiça

Impeachment é a urgente política de saúde contra o novo coronavírus

De crime de responsabilidade em crime de responsabilidade, milhares vão morrendo do novo coronavírus.

Presidente Bolsonaro. Foto: AFP Photos
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Em abril de 2019, Helio Schwartsman, colunista da Folha de S. Paulo, qualificou Jair Bolsonaro como o “presidente das pequenas coisas”. O espírito de vereador presente no ex-capitão se manifesta no interesse em miudezas como a extinção de lombadas eletrônicas e a comemoração da chegada da primeira carga de abacates brasileiros na Argentina, ocasião em que aproveitou para anunciar em suas redes que mais duas estavam a caminho. “Não se pode dizer que o presidente tenha traído o candidato”, reflete Thaís Oyama no livro “Tormenta – o governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”. “As soluções para os grandes problemas do Brasil nunca ocuparam lugar de honra em seus discursos de campanha”.

A obsessão com o uso da cloroquina – seguindo o roteiro das soluções simples para problemas complexos – é uma demonstração de como Bolsonaro se preocupa muito mais em dar combustível a uma militância que está disposta a bater em enfermeiras para defendê-lo. O recente protocolo do Ministério da Saúde que afrouxa sua utilização, reconhecendo que não há evidências científicas, soma-se à justificativa dada pelo próprio mandatário nas redes sociais: “ainda não existe comprovação científica (…) Contudo, estamos em Guerra”. Não há constrangimento em mostrar obstinação em tocar um projeto que só serve para trazer sobrecarga aos coveiros; tanto os de gente como os do PIB, já que não é possível gerar riqueza dentro de um caixão.

Com o Ministério da Saúde encabeçado por um general, o terraplanismo dá seguimento à implacável tendência de colonizar todos os ministérios, nem que para isso tenha que vestir verde-oliva.

Mesmo no caos há uma coerência que, do ponto de vista estratégico, vem se mostrando eficiente para manter a fidelidade do rebanho. Ao Nexo Jornal, o sociólogo Odilon Caldeira Neto avaliou que “essa busca por uma explicação simples à pandemia é também um combate ao sistema político, uma resposta a conspiração contra ele e o seu governo e é também um remédio simples e imediato com apelo religioso”. É o fetiche pelas pequenas coisas, via de regra atrelado a um tom salvacionista extremamente útil para manter a liga entre seus mais fundamentalistas seguidores.

Presidente Jair Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada. Foto: reprodução.

Em um encontro com evangélicos no Palácio do Planalto ainda no começo do governo, Paulo Guedes, ao ser perguntado se tinha convicções religiosas, respondeu que sim, mas que não as deixava interferir no seu trabalho. “A realidade econômica é como um peixe. As questões sobre onde viemos e para onde vamos são como o rabo e a cabeça do peixe. Eu jogo as duas partes fora e trabalho com o que interessa, que é o meio”. Guedes é considerado um perfil técnico, embora a teoria e a prática liberal sejam, por si só, pura idolatria religiosa.

Se o que há de mais cientificamente arrojado no governo Bolsonaro professa terraplanismos sem nenhuma vergonha, ingênuo é quem tem alguma expectativa de que haja a mais tímida fagulha de iluminismo entre os neo-mussolinistas que ocupam o Planalto – incluindo os apóstolos do ex-juiz Moro, outro que, assim como Guedes e o ex-ministro Osmar Terra, é um fervoroso adversário da esfericidade da Terra no seu campo de atuação. O estrago que esse pessoal vem fazendo vai atravessar calendários e mais calendários eleitorais até que a fera obscurantista seja enfim encoleirada.

2022 ainda está relativamente longe.

O próprio presidente, contudo, vem mostrando uma admirável disposição em criar sucessivos e potenciais atalhos para que cheguemos nele sem sua condução genocida. De crime de responsabilidade em crime de responsabilidade, milhares vão morrendo do novo coronavírus. Falem o que for, mas ninguém pode tirar de Bolsonaro a proeza de ter transformado o impeachment em política de saúde pública.

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