Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

Huck e a ressignificação do branco

Luciano Huck tem a chance de ouro de ressignificar o seu voto de 2018. Espero que, dessa vez, seja a favor da democracia e da decência

Foto: Reprodução/TV Globo
Apoie Siga-nos no

Na edição de Conversa com Bial que foi ao ar na noite de ontem 15, o jornalista lembrou aos espectadores de algumas declarações marcantes do apresentador Luciano Huck durante o segundo turno das eleições de 2018. Diante da escolha nada difícil entre Haddad e Bolsonaro, Huck cravou: “No PT jamais votei e nunca vou votar”.

Sobre Bolsonaro, considerou: “As pessoas têm chance de amadurecer” e “ele tem uma chance de ouro de ressignificar a política”. Mas o que mobilizou as reações na internet ao longo do dia foi uma outra revelação. Dois anos depois, Huck conta que não votou em Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Tampouco em Fernando Haddad. O mais novo apresentador do Domingão do Faustão disse ter votado em branco.

Pode até ser. Mas, se me permitem exercitar um pouco de ceticismo, soa bastante inverossímil. E não só porque o que Huck disse à época remete à total impossibilidade de votar no candidato do PT e à esperanças em Bolsonaro, mas porque ele vetou a publicação de um nota contra Bolsonaro e em favor do voto crítico em Haddad do Agora!, movimento de renovação política que ajudou a criar.

Huck pode até não ter votado, mas operou várias frentes para facilitar a caminhada de Jair Bolsonaro rumo ao Alvorada. Ou, ao menos, para não dificultar. Teria sido mais coerente ter apertado o 17.

Mas voltemos às questões concernentes a maturidades e ressignificações. 

 

Um presidenciável com mais de 60 anos que diz que minorias devem se curvar à maioria, que insinua exílio, fuzilamento e a Ponta da Praia a opositores “vermelhos”  o diz por falta de maturidade, como um adolescente bobo de colegial? A apologia à tortura e o culto à memória de Brilhante Ustra, um torturador que coordenou um órgão que fez mulheres, adolescentes e crianças vítimas dessa atrocidade é uma manifestação ingênua? 

Que ressignificação política poderia promover um candidato que, como parlamentar, não apenas dedicou seu voto pelo impeachment de uma torturada a seu torturador, como afirmou antes que gostaria de vê-la sair do cargo vítima de um infarto ou de câncer? Qual seria a política ressignificada de um candidato que levantou a mão para uma colega parlamentar e insinuou que ela feia demais para ser estuprada? 

Qual seria o novo sentido possível da política e da democracia dado por um candidato que disse que a ditadura militar matou poucos, que sempre defendeu o combate aos direitos humanos, que nunca escondeu suas posições sexistas, machistas, misóginas, homofóbicas, em favor do punitivismo e da violência policial, que sempre confraternizou com milicianos e sobre quem já pesava suspeitas claríssimas de desvio de verba pública por meio da contratação de funcionários fantasmas?

Em que pese todas as mais que legítimas diferenças e reservas ideológicas e programáticas, sob que argumento civilizacional, democrático e liberal decidir entre um cidadão com esse currículo e um professor com as qualidades de Fernando Haddad seria uma escolha difícil? Era facílima. 

Que me perdoe o mais novo substituto de Fausto Silva, mas o segundo turno de 2018 não foi uma disputa entre divergências naturais, mas uma escolha pela democracia e pela decência.  Escolha entre um sujeito indecente, perverso, preconceituoso, violento e antidemocrata e um outro decente, com um mínimo de compromisso com a democracia e o Estado de Direito. Quem optou pelo primeiro ou se absteve de decidir, no mínimo, não se incomodou com suas atrocidades ditas e feitas. E isso diz muito sobre muita gente. Sobre nosso País. 

Na mesma entrevista, Luciano Huck, ao contrário da interpretação de alguns tantos, não disse que em 2022 voltaria a votar em branco. Na minha interpretação, ao dizer que hoje “a disputa não se dá por A ou B”, mas sim “por quem está a favor ou contra a democracia”, Huck parece insinuar que resolveu defender a democracia de Jair Bolsonaro, ao contrário do que vez em 2018 — com todas as informações, demonstrações e evidências amplamente disponíveis em doses cavalares em qualquer repositória de informação com acesso público. 

Não cultivo a menor simpatia por um sujeito que fez grana e fama levando pessoas carentes a participar de gincanas de humilhação televisionadas em troca de ajuda. Mas, ao que tudo indica, Luciano Huck entrou no mesmo barco de Fernando Henrique Cardoso. E isso é bom. Qualquer um que ainda tenha lucidez sobre o tamanho do buraco em que estamos enfiados deve dar boas-vindas a todos que digam que “não se trata de A ou B”. E faço parte dos que, em 2018, teria votado em Luciano Huck ou em qualquer outro contra Jair Bolsonaro, ao contrário do apresentador. Farei do mesmo modo em 2022. 

Luciano Huck tem a oportunidade ressignificar o seu branco de 2018. Espero que, dessa vez, seja a favor da democracia e da decência. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo