Guilherme Boulos

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Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

Guilherme Boulos: Jornalistas de estimação, os sabujos a serviço de Bolsonaro

É hora de não esquecer da pergunta: presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu 89 mil reais de Fabrício Queiroz?

Bolsonaro
Foto: Sergio Lima/AFP Foto: Sergio Lima/AFP
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O episódio da pergunta dos 89 mil reais para Michelle expressou mais uma vez o modo autoritário como Jair Bolsonaro trata os profissionais da imprensa: Minha vontade é encher sua boca com uma porrada, tá? Seu safado”. Serviu também para desiludir precocemente aqueles que estavam gostando de acreditar num “Bolsonaro paz e amor”, que teria aderido à moderação.

 

A reação em particular no caso da pergunta pode até parecer um mero descontrole de Bolsonaro, mas esse é seu modus operandi de combater as denúncias. Toda vez que está prestes a sair alguma notícia escandalosa, eles criam uma cortina de fumaça para desviar do assunto, chamar a atenção de outra forma… Golden shower, pedofilia, esquerda, ditadura, tortura. Qualquer coisa para ele é melhor de falar do que do seu envolvimento com os milicianos e com a rachadinha de Fabrício Queiroz.

Dessa vez, não deu certo. Depois que Bolsonaro se recusou a responder ao repórter e ameaçou dar uma “porrada” nele, começou um mutirão de postagens em todas as redes sociais com a mesma pergunta. O pesquisador Fabio Malini calculou na noite daquele domingo cerca de um milhão de tuítes idênticos com a pergunta.

Os bolsonaristas sentiram o golpe. Divulgaram vídeos com uma legenda falsa e até com áudio falso que distorciam o original. Gente da laia de Rodrigo Constantino compartilhou o vídeo e foi retuitado pela família Bolsonaro.

Desde que assumiu o poder, os jornalistas têm sido um dos alvos prediletos de Bolsonaro. O “Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa – Ano 2019” mostrou que só no ano passado Bolsonaro atacou a imprensa e jornalistas 121 vezes. De cada dez ataques contra a imprensa feitos por políticos, oito partiram de Bolsonaro. Uma das agressões mais marcantes se deu contra a jornalista Patrícia Campos Mello, que revelou durante as eleições de 2018 o caixa 2 dos disparos em massa e ilegais do WhatsApp. Glenn Greenwald, que revelou a VazaJato, também foi vítima no tempo em que Bolsonaro e Sérgio Moro ainda eram bons amigos. O ex-capitão disse que Greenwald iria em cana e atacou a ele e a seu companheiro, xingando os dois de “malandros”.

Mas não são todos os jornalistas que Bolsonaro maltrata. Tem uns que ele inclusive trata muito bem. São os velhos sabujos de sempre… Constantino é um deles. Recentemente, para defender o clã Bolsonaro, fez o contorcionismo mais impressionante do ano: comparou a rachadinha com o trabalho informal sem carteira assinada. Ambos não passam de informalidade, concluiu genialmente. Recebeu biscoitos e retuítes como recompensa.

Mas não são todos os jornalistas que Bolsonaro maltrata. Tem uns que ele inclusive trata muito bem. São os velhos sabujos de sempre… 

Augusto Nunes é outro. Age como serviçal, passa pano para o presidente e se dedica a criar fake news sobre adversários. Foi dele a propagação da mentira de que eu e o MTST cobrávamos “aluguel” em ocupações. Foi condenado na Justiça por calúnia e obrigado em segunda instância a me pagar 20 mil reais de indenização, o que aliás até aqui não fez.

Mas na lista dos prediletos ninguém supera Alexandre Garcia, a personificação do Diário Oficial do Vivendas da Barra. Garcia tem história no ramo. Foi porta-voz do ditador João Baptista Figueiredo. Chegou a dizer certa vez que sua a mulher o mandou escolher: “Ou ela ou Figueiredo. E ele optou pelo Figueiredo”. No passado e no presente, está ao lado dos coturnos.

Dar uma porrada na boca… O que Bolsonaro queria fazer com o repórter no domingo a ditadura fez com jornalistas. Em 24 de outubro de 1975, Vladimir Herzog foi chamado para prestar “esclarecimentos” na sede do DOI-Codi. Apareceu morto no dia seguinte. A versão oficial da época, apresentada pelos militares, foi a de que Vlado teria se enforcado com um cinto, e divulgaram a foto do suposto enforcamento. O legista admitiu que assinou o laudo sem ter visto o corpo. Herzog havia sido torturado e assassinado.

Pela memória dos jornalistas corajosos que enfrentaram a ditadura e que seguem em busca da verdade e em solidariedade a todos os profissionais de imprensa que foram alvo da violência do bolsonarismo, é hora de não esquecer da pergunta: Bolsonaro, por que sua esposa, Michelle, recebeu 89 mil reais de Fabrício Queiroz?

P.S.: Nos próximos três meses vou estar licenciado em meu trabalho de colunista de CartaCapital. Estarei enfrentando o desafio, ao lado de Luiza Erundina, de derrotar Bolsonaro e Doria nas urnas da maior cidade do Brasil. Espero retornar em dezembro ao ofício desta coluna como prefeito eleito de São Paulo. Agradeço à equipe da revista e aos queridos leitores pela compreensão. Até breve.

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