Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

Fenômeno que contribuiu para a vitória de Bolsonaro em 2018 deve ajudar Lula em 2022

Não estou argumentando em favor da tese de que temos uma eleição definida

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Fotos: Ricardo Stuckert e Evaristo Sá/AFP
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Prometi que voltaria ao tema da última coluna e cá estou. Creio, inclusive, que voltar a esse tema se faz ainda mais necessário depois da última pesquisa Datafolha. A “recuperação silenciosa” de Jair Bolsonaro, conforme análise do próprio jornal, se tornou “Jair Bolsonaro ganha fôlego.”

Ganha mesmo? Lhes convido a examinar, tão friamente quanto possível, os dados de que dispomos.

Os institutos Ipespe, Quaest e Datafolha apresentam cenários praticamente idênticos, então, transitarei por eles para mostrar como o cenário para a disputa presidencial de 2022 está apontando muito mais para uma consolidação do que para mudanças ou oscilações substantivas.

Cerca de 43% indicam voto em Lula e 28% em Jair Bolsonaro na modalidade estimulada. Ciro Gomes possui 8% e Sergio Moro outros 8%. De Doria para baixo, temos 6%, mas considerando que Doria possui 3% e o resto 1%, talvez haja ainda menos estoque de votos nessa faixa inferior. Branco e nulo, 7%. Indecisos são 2%.

De onde Jair Bolsonaro pode tirar votos o suficiente que justifique o vislumbre de uma “recuperação silenciosa” ou “ganho de fôlego”? A resposta óbvia é: de Sérgio Moro. E eu concordo, afinal, o morismo é só uma versão cínica do bolsonarismo. A tendência é a de que esses eleitores voltem para seu habitat político natural. Mas é só tendência. É muito pouco provável que todos esses votos migrem para Jair Bolsonaro, mas calculemos fazendo essa espécie de reductio ad absurdum dos dados. Vamos supor que Bolsonaro leve todos esses votos. Vai a 36%.

Contudo, se apostamos nesse tipo de migração natural de votos, temos que usar a mesma premissa como régua quando se trata de Lula. Com a proximidade das eleições e o resultado se cristalizando melhor, eleitores de Ciro Gomes tenderiam a migrar, naturalmente, para Lula, assim como o eleitorado de Moro migraria para Jair Bolsonaro. Moro e Ciro estão empatados, ou seja, nessa dança das cadeiras eleitorais, o resultado é um jogo de soma zero. Virtualmente, Jair Bolsonaro sobe o mesmo tanto que Lula. A diferença fica como está.

Mesmo se quisermos apostar em um outro cenário improvável em que Jair Bolsonaro conquiste para si todos os hipotéticos 6% restantes e alocados nos outros candidatos, ele subiria 6%. Nesse cenário, a distância entre ele e Lula ficaria na casa dos 10%. Percebam que estou fazendo contas sempre considerando cenários-limite e, portanto, improváveis. Ainda assim, a diferença entre os dois tende a ficar na casa dos dois dígitos.

A coisa fica ainda mais complicada para Jair Bolsonaro quando verificamos a performance dele na pesquisa espontânea, a que melhor representa os votos de convicção. Bolsonaro tem 26%. Lula, 36%. Temos incríveis 62% do eleitorado já decididos a votar em um dos dois. 44% dizem que votam com certeza em Lula e 12% afirmam que poderiam votar. A rejeição a Lula é de 42%. Apenas 28% dizem votar com certeza em Jair Bolsonaro. E esse número é bastante representativo de sua base eleitoral: algo que varia entre 30% e 35%. Apenas 8% afirmam que poderiam votar e 61% o rejeitam.

Para reforçar a conclusão de como esse cenário parece cada vez mais cristalizado, a Quaest mostra que 70% dos eleitores de Jair Bolsonaro consideram sua decisão pelo voto definitiva. 73% dos eleitores de Lula dizem o mesmo. Como já comentei na coluna anterior, se considerarmos o peso que o eleitorado está dando às questões que se abrigam embaixo do conceito-guarda-chuva de “economia”, concluiremos com facilidade que há outra forte variável que desfavorece Jair Bolsonaro em favor de Lula.

Outro dado interessante, do Ipespe, reforça constatação que apresento: 58% do eleitorado diz acreditar que Lula sairá vitorioso. Ou seja, há mais pessoas apostando na vitória de Lula do que declarando voto nele. Mais precisamente, 15% a mais. Apenas 29% acreditam na vitória de Jair Bolsonaro.

Para quem não tem familiaridade com o assunto, trata-se de uma variável importante para resultados eleitorais e que está no cerne da elaboração teórica da espiral do silêncio, concebida pela cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann. A percepção de que alguém saia vitorioso é a percepção de que há uma opinião majoritária sobre um tema ou sujeito, mesmo que não o seja empiricamente. No entanto, quando isso acontece, a tendência é a de que a mobilização dos que se percebem como maioria se dê com mais vigor, ampliando sua base, promovendo suas ideias e candidaturas de preferência, enquanto aqueles que se percebem como minoria diante do tema ou do sujeito tendem a recuar ou a se isolar. Quanto mais pessoas acreditam na vitória de um candidato ou partido, maior é a sua tendência de se eleger. Ironicamente, esse fenômeno ajudou Jair Bolsonaro em 2018. Contudo, a coisa está invertida com Lula no páreo para 2022.

Encerro aqui afirmando o óbvio: não estou argumentando em favor da tese de que temos uma eleição definida. Jamais. Não há “já ganhou”. Jair Bolsonaro ainda sobe mais um pouquinho e diminui, naturalmente, sua distância naturalmente, como argumentei na coluna anterior. Sua base está ali na casa dos 30% ou pouco mais que isso.

O que quero dizer é que temos, cada vez mais, uma consolidação de um cenário. No entanto, cenários não são dados naturais e irreversíveis. São contextuais e conjunturais. Se todos os dados indicam que temos uma consolidação cada vez maior, isso se dá por conta do que Jair Bolsonaro está fazendo ou deixando de fazer, do que Lula está fazendo ou deixando de fazer e o que acontece ou deixa de acontecer com o País e seu povo.

Ficando tudo como está é difícil que presenciemos alguma mudança substancial na disputa presidencial. Ou seja, Jair Bolsonaro ganhando fôlego ou silenciosamente se recuperando, diante dos dados que se apresentam, é só especulação vazia ou gancho jornalístico oportunista. Bem, pode ser desejo também. Nunca se sabe.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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