Felipe Milanez

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Professor de Humanidades na Universidade Federal da Bahia. Pesquisa e milita em ecologia política.

Opinião

Estudante do povo Anacé é a primeira indígena a se formar na UFRB

A estudante de antropologia Rute Moraes defendeu o seu trabalho de conclusão de curso e exalta resistência

Rute Moraes (ao centro, com trajes indígenas) fez história ao ser a primeira indígena a se formar na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (Foto: arquivo pessoal)
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* Por Flávia Xakriabá

Rute Moraes é a primeira indígena a se formar na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). A defesa de monografia aconteceu dia 29 de outubro, no auditório da Fundação Hansen, em Cachoeira. “Tabas, Roças e Lugares de Encantos: Construção e Reconstrução Anacé em Matões Caucaia – Ceará”, foi o tema escolhido pela estudante indígena, que trouxe consigo a rica história do seu povo, além de denunciar um caso de despejo de famílias indígenas do seu território de origem. Estiveram presentes na defesa o Coletivo de Estudantes Indígenas, o qual Rute faz parte, familiares e amigos da formanda, um momento emocionante e histórico para o povo Anacé e para a UFRB.

O processo seletivo específico para remanescente de quilombo e indígenas aldeados foi aberto em 2015, e a Universidade do Recôncavo sempre se caracterizou como uma universidade inclusiva. Apesar de estar localizada em outro estado, a indígena Anacé não se intimidou quando resolveu sair do seu território no estado do Ceará e ir cursar Ciências Sociais na Federal do Recôncavo.

Rute fala dos maiores desafios enfrentados ao ingressar na universidade, e de como isso dificulta a permanência do indígena na instituição. “O principal desafio que tive ao ingressar na UFRB foi a estrutura. As políticas da universidade não foram criadas para receber indígenas, principalmente no que diz respeito à permanência. Isso não só em relação a estar fisicamente, como também ao aspecto psicológico, porque permanecer nas estruturas da universidade está para além das questões financeiras de se manter”, relata a cientista social.

Rute Moraes defendeu sua monografia no final do mês de outubro, trazendo consigo a rica história do povo Anacé (Foto: Arquivo Pessoal)

Rute nomeia esse momento de graduação e formatura como de resistência, por toda dificuldade superada ao longo da sua trajetória acadêmica, mas também se diz orgulhosa por ter aberto caminhos para outros indígenas ingressarem na universidade. “Fico muito feliz por hoje ter outros indígenas na UFRB, e saber que fiz parte dessa história sendo a primeira a me formar aqui.”

A orientadora de Rute é a professora, antropóloga e indigenista Jurema Machado, reconhecida no movimento pelo seu engajamento na luta dos povos indígenas sobretudo do Nordeste.

A professora criou uma relação afetiva com os estudantes indígenas da UFRB, e principalmente com Rute. Jurema lembra como foi para ela ser orientadora pela primeira vez de uma estudante indígena. “Como orientadora, todo o processo foi marcado por muito aprendizado e debates, pois Rute vivencia um contexto que me é próximo, aquele das mobilizações e resistências étnicas, políticas e religiosas dos povos indígenas do Nordeste”, conta.

A professora também ressalta como a presença de intelectuais indígenas na antropologia tem trazido mudanças necessárias no que diz respeito a métodos, análises e definições de objetos de pesquisa. “A minha relação de orientação com Rute me inspirou a redefinições de campo e temas de pesquisa, e uma nova maneira de me relacionar com a antropologia e com os povos indígenas. O conhecimento compartilhado entre nós ajudou a restabelecer novos termos, acredito que para nós duas, mas para mim, em particular, me fez rever certas posições, mas também fortaleceu minha própria relação de pesquisa e engajamento com esses povos”, conta a orientadora.

Rute ao lado de sua banca examinadora, composta pela professora Ana Cláudia Gomes de Souza, a orientadora Jurema Machado e Felipe Sotto Maior Cruz, indígena da etnia Tuxá, doutorando em antropologia na UnB e professor na Uneb (Foto: Arquivo Pessoal)

A banca de defesa da monografia de Rute foi composta também por um indígena, Felipe Cruz Tuxá, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em antropologia social pena Universidade de Brasília (UnB), doutorando em Antropologia Social também pela UnB e professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Felipe Tuxá narra como foi pra ele, enquanto indígena, compor a banca de defesa de Rute. “Quando recebi o convite para participar da banca passou um filme em minha cabeça sobre como as coisas estão mudando e que já estamos vendo experiências de indígenas sendo orientados ou de indígenas que em suas bancas de graduação e de pós-graduação podem ter um examinador indígena.”

Felipe Tuxá também analisa este momento como espaço de representatividade e como essa representação é importante e necessária.

“É um avanço enorme porque a representatividade, isto é, a possibilidade de ver gente como você ocupando esses espaços, permite que a gente possa sonhar mais longe. Nesse caso específico, Rute abre também várias portas para que possamos sonhar com ela. ‘O’ primeiro indígena a se formar na UFRB é mulher, nordestina do Ceará e traz consigo a história do povo Anacé de forma comprometida e com muita maestria”.

* Estudante de jornalismo no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

** Felipe Milanez cedeu seu espaço em CartaCapital para a estudante Flávia Xakriabá, da etnia Xakriabá, escrever sobre a primeira indígena a se formar na UFRB

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