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Opinião

Entusiastas da reforma da Previdência fazem promessa sem garantias

A reforma da Previdência precisa ser mais leve e gradual. Parte de um planejamento fiscal que o mercado precisa acreditar e aceitar

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Após cair 3,5%, em 2015, e 3,3%, em 2016, o PIB vem subindo pouco mais de 1% nos anos seguintes, o que já se espera repetir este ano. Tal ritmo representa ainda maior estagnação em termos per capita: 0,4% ao ano, de 2017 a 2019. De acordo com o governo e alguns economistas, sobretudo os ligados ao setor financeiro, a retomada do crescimento depende das reformas, como a trabalhista e o teto de gastos, já aprovadas, e a previdenciária, na forma que estão propondo.

De início, cabe indagar: retomar o crescimento para quem? De um ponto de vista ético, devemos buscar melhorias na qualidade de vida de todos. Os “reformistas” pregam que, retomando-se o crescimento de um forma vigorosa, a geração de empregos será tal que a disputa por mão de obra elevará a remuneração do trabalho em geral a níveis muito maiores que os até então praticados no país, permitindo até que todos constituam poupança para uma aposentadoria melhor do que nas condições atuais.

Por certo, é uma promessa sem garantias. Até bastante temerária. Apostar nela é bem mais fácil para empresários e rentistas, que querem continuar pagando menos tributos do que nos países desenvolvidos, alegando ser a carga tributária no Brasil muito alta. A carga tributária média, para todos, está entre as maiores dos países de renda média. Mas, para os estratos de maiores rendas, segue muito baixa no Brasil. Em particular, querem pagar menores salários, tributos e benefícios para os empregados, a fim de aumentarem os lucros no curto prazo, mesmo que, lá na frente, o empobrecimento da população venha a reduzir suas vendas.

Com a população envelhecendo, as regras previdenciárias precisam de alguns ajustes. O problema é que a proposta do governo é conseguir quase toda a economia em cortes no RGPS. De início, para avaliarmos as condições de nosso sistema previdenciário, devemos separar o RGPS, o regime geral de previdência social para os trabalhadores da iniciativa privada, dos RPPS, regimes próprios de previdência social, para os servidores públicos. São contextos muito diversos.

Um total de 83,4% dos benefícios do RGPS são de menos de dois salários-mínimos. Por isso, eles têm uma natureza também de política social. Em grande parte dos casos, são a maior fonte de renda de toda a família. Também estão entre as principais fontes de renda de grande parte das pequenas cidades. Quando se reduz os valores desses benefícios, inclusive dos assistenciais, ou se adia a sua concessão, aumentando a idade mínima para a aposentadoria, uma legião de pessoas mais vulneráveis são penalizadas. O efeito se propaga com a redução que causa nas vendas: o comércio não fatura, a indústria não fatura, ambos desempregarão trabalhadores.

A proposta do regime de capitalização para a Previdência Social chega a ser ainda mais aberrante. Suprime o atual financiamento tripartite, determinado em nossa Constituição, vedando expressamente a participação do Estado, e eliminando, em seus pronunciamentos, a contribuição patronal. De acordo com cálculos da Unafisco – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, com a contribuição apenas do empregado a sua aposentadoria poderá cair para algo entre um terço e um quinto de seu salário na ativa, a depender das taxas que remunerarão os bancos gestores. Esses resultados são para os que conseguirem atingir os 35 anos de contribuição. Grande parte passa por longos períodos de desemprego ou no setor informal. Uma aposentadoria igual ao ganho na ativa, para todos os trabalhadores, não seria alcançada nem com a participação patronal nos níveis atuais. Depende da manutenção do financiamento do Estado.

Os RPPS, por sua vez, não têm natureza social, ao menos de grandes dimensões. Por isso, podemos nos concentrar mais em questões atuariais – se o montante de contribuições previdenciárias de empregados, empregadores e Estado cobre as aposentadorias nos valores concedidos. Claro que, como os servidores públicos não têm FGTS, há que se imputar esses valores em simulações. Mesmo assim, muitos servidores não terão aposentadoria com consistência atuarial. Vão colher o que não plantaram. Para esses – e a maior inconsistência está na dos militares – pode-se e deve-se fazer alguns ajustes.

A reforma da Previdência precisa ser mais leve e gradual. Parte de um planejamento fiscal que o mercado precisa acreditar e aceitar, por ser o possível para um crescimento inclusivo, sem aumento das desigualdades. Possivelmente o aumento da confiança tenha seu peso, mas pode não ser suficiente para provocar a retomada de um crescimento mais robusto. Assim, esse planejamento fiscal precisaria incluir também algum aumento nos investimentos públicos em infraestrutura, sobretudo para gerar a demanda necessária para reanimar a economia. São indispensáveis, ainda, parcerias público-privadas para infraestrutura e outros investimentos.

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