Gustavo Freire Barbosa

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Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

Enquanto houver capitalismo, haverá polarização

Reclamam da Polarização setores que buscam a aprovação de reformas anti-povo sem que sejam incomodados

A festa é empolgante, mas este não é o caminho (Foto: Ricardo Stuckert)
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Em 1989, Mario Amato, presidente da FIESP, anunciou o apocalipse: se Lula vencesse as eleições, 800 mil empresários fugiriam do país. De brinde, a vitória do sapo barbudo ainda alimentaria a repulsa dos investidores internacionais.
Não se sabe de onde Amato tirou esse número. Sabe-se, contudo, que hoje seria uma fake news com provável origem no submundo do bolsonarismo.

Amato morreu em 2016. Se vivo, seria um entusiasta apoiador de Jair Bolsonaro, assim como Paulo Skaf, seu sucessor na FIESP. Skaf vem namorando com o partido que Bolsonaro pretende criar, dando todo o apoio logístico, financeiro, político, moral e afetivo que a legenda precisa para nascer. O capital é uma força impessoal, explica Marx, sendo o fascismo sua forma mais sem vergonha, complementa Brecht.

Amato e Skaf levam em seus pescoços os crachás que identificam o lado da cerca em que estão. São genuínos representantes de classe, devidamente organizados. Sob o guarda-chuva de seus interesses, porém, estão os que, por dever de ofício, têm que esconder esse crachá no bolso.

Editorial de novembro do Estado de S. Paulo (“O Brasil precisa de juízo”) aproveitou a soltura de Lula para reclamar da polarização. Acusou o ex-presidente, claro, de ser um catalisador do Fla-Flu que acometeu a política nacional nos últimos anos. Clama para que as forças moderadas conduzam os embates políticos, garantindo a continuidade das reformas de Paulo Guedes.

A retórica de boteco coloca Lula e Bolsonaro como faces da mesma moeda: líderes extremados com pouco apego à democracia. Um falso paralelismo que, de tão infantil, não vale nem a pena tratar aqui.

O jornal dos Mesquita aponta o contundente discurso do ex-presidente na sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo como um truque publicitário para inflamar a militância. O resultado disso seria nefasto: a retomada de uma indesejável polarização por meio da qual a política vira uma briga de rua que interdita as possibilidades de diálogo.

O discurso de Lula foi de fato mais à esquerda que o usual. E não tinha como não ser. A vida real no Brasil de hoje não cabe nas folhas dos dos Mesquita. Segundo o IBGE, metade dos brasileiros vive com R$ 413,00 mensais, com franca tendência de aumento do abismo social: a renda domiciliar per capita dos 5% mais pobres caiu 3,8% entre 2017 e 2018 ao mesmo tempo em que a renda dos mais ricos (1% da população) cresceu 8,2%. O mesmo IBGE apontou recentemente que o número de pessoas que vivem em situação de pobreza extrema, com apenas 1,9 dólar por dia, atingiu o recorde de 13,5 milhões.
Recorde também atingiram o número de trabalhadores informais no país – 41,4% da população ocupada, ainda de acordo com o IBGE – e o lucro acumulado dos quatro maiores bancos: R$ 59,7 bilhões em relação a 2018, o maior para o período desde 2006.

Na medida em que a informalidade cresce, a arrecadação cai. Enquanto a uberização da força de trabalho vem aumentando, aprovou-se uma reforma da Previdência que sepulta a rede de proteção social financiada exatamente pelas contribuições vindas da renda do trabalho.

Se o motorista de Uber sofrer um acidente e precisar ficar um tempo sem trabalhar, terá que viver de fotossíntese.

O Estadão, entretanto, acha que não há razões para polarizar. Acredita, mesmo diante desse quadro, que basta darmos as mãos. Não lhe vem à mente que talvez o próprio Lula, que possui um notório espírito conciliador (como o próprio editorial reconhece), tenha notado que a conjuntura não é a mesma dos anos de ouro do lulismo, nos quais havia espaço de sobra para a conciliação e, nas orgulhosas palavras do próprio ex-mandatário, tanto ricos quanto pobres puderam tirar sua lasca da bonança. Até onde o ex-presidente está disposto a esticar a corda do enfrentamento, só o tempo dirá.

Para o Estadão, radical é o discurso de Lula, não o fato da desnutrição matar 15 pessoas por dia no Brasil ao mesmo tempo em que o Planalto afirma não existir fome no país. Ao passo que a Seguridade Social, principal mecanismo de distribuição de renda no Brasil, é destruída, o veículo pede rapidez em sua implosão, reclamando de uma polarização que é reflexo direto de iniciativas como esta.

Se falta terreno para a conciliação, sobra para o cinismo. O jornal tem completa consciência de que seu perfumado editorial é uma radical defesa da polarização – ou, precisamente, dos interesses diretos de um dos polos. Embora veja tinta ideológica apenas no outro lado, o fetiche de um suposto equilíbrio e de uma pretensa moderação é o véu que encobre a mais ardilosa e visceral defesa das coisas como estão, sobretudo de iniciativas como a perversa capitalização da Previdência proposta por Paulo Guedes.

Numa sociedade dividida em classes sociais, nem todos bebem da mesma água. E nem há como beberem. Enquanto alguns morrem de sede, outros se apropriam da riqueza coletiva para construir chafarizes. “Claro que há luta de classes, e é a minha classe, a dos ricos, que está vencendo”, disse o multibilionário Warren Buffett.

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