Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

Eles não podem vencer: a intolerância não pode sufocar a voz dos tolerantes

Um olhar sobre os templários do ódio e o paradoxo da tolerância

(Foto: Reprodução YouTube)
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Em 22 de julho de 2011, Anders Breivik cometeu o pior atentado terrorista da História norueguesa, matando 77 pessoas. Primeiro, ele detonou um carro-bomba na frente de um edifício governamental e, em seguida, rumou para a ilha de Utøya, onde estava sendo realizado um encontro de jovens líderes do Partido Trabalhista, e abriu fogo contra centenas de adolescentes.

Este não foi o primeiro atentado perpetrado por um extremista de direita, mas, sem dúvida alguma, criou uma estética que passou a ser reproduzida posteriormente. Assim como ele mesmo previu, os atos de Breivik se tornaram uma brutal referência para a direita radical.

Horas antes de cometer o atentado, o terrorista enviou para sua lista de contatos um manifesto com quase 1500 páginas explicando a sua visão de mundo. Nele, você reconhece temas recorrentes da extrema-direita, tanto brasileira quanto estrangeira: antimarxismo, antifeminismo, repúdio a minorias étnicas, religiosas e culturais, elementos de fascismo, supremacia branca e rejeição ao progressismo e multiculturalismo; em essência, a agenda dita “conservadora” atual e que pode ser identificada tanto na fala de determinados políticos direitistas quanto de influenciadores digitais.

Em 15 de março de 2019, inspirado no atentado de Breivik, o australiano Brenton Tarrant invadiu duas mesquitas na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, e assassinou a sangue frio 51 fiéis muçulmanos. Tarrant também publicou um manifesto em fóruns da internet, conhecidos como chans, onde extremistas se congregam e compartilham livremente suas noções intolerantes e repletas de ódio, inclusive celebrando quando este tipo de massacre é realizado.

Então, semana passada, Patrick Crusius viajou do subúrbio de Dallas por nove horas até a cidade de El Paso, na fronteira dos EUA com o México, entrou num shopping center e disparou contra as pessoas, matando 22 pessoas, em sua maioria imigrantes ou descendentes de imigrantes mexicanos. Ele também publicou um manifesto num fórum da internet, o 8chan, conhecido por seu conteúdo altamente tóxico.

Nestes três casos, unidos por um padrão reconhecível, identificamos pelo menos dois grandes problemas.

O primeiro deles tem a ver com o poder da retórica intolerante e da livre propagação do ódio pelas redes sociais.

Sabemos que há pessoas racistas e repletas de ódio neste mundo, mas, geralmente, elas se mantêm isoladas ou reunidas em pequenos grupos. No entanto, a internet abriu a possibilidade para que estes indivíduos pudessem se encontrar onde quer que estejam no mundo e, através do contato com outros extremistas, reforcem as suas convicções. Já sabemos também que a própria estrutura da internet favorece a radicalização. As redes sociais, em particular, operam através de formação de bolhas e da recomendação de conteúdo que aumente o nosso engajamento e interação.

Ano passado, o ex-engenheiro do Youtube Guillaume Chaslot revelou que o algoritmo da plataforma tende a recomendar conteúdos cada vez mais sensacionalistas e extremados para manter o usuário engajado. Como podemos imaginar, isto tende a acentuar visões limítrofes da realidade e convicções gradualmente mais radicais. O documentário da Netflix A Terra é Plana (Beyond the Curve) explica como o Youtube é um dos espaços de propagação de conteúdos que defendem a teoria conspiratória da planicidade da Terra e, por mais espantosa e bizarra que seja esta crença anticientificista em pleno século XXI, os terraplanistas ainda são bastante inofensivos em comparação aos conteúdos de ódio também propagados livremente nas redes sociais.

Portanto, não podemos menosprezar o papel da internet e das redes sociais em todo este processo.

O segundo problema é que a retórica é apenas um estágio inicial num ciclo de intolerância. Defensores da liberdade de expressão irrestrita argumentam que, ao permitirmos que até ideias nocivas sejam veiculadas, também podemos, deste modo, monitorá-las e confrontá-las. Em contraposição, vale também recordar o famoso “paradoxo da tolerância”, como apresentado pelo filósofo Karl Popper em sua obra “A Sociedade Aberta e seus Inimigos” – “Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos ilimitada tolerância mesmo aos intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. — Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente a opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente. Mas devemos nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força; pode ser que eles não estejam preparados para nos encontrar nos níveis dos argumentos racionais, mas comecemos por denunciar todos os argumentos; eles podem proibir seus seguidores de ouvir os argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los responder argumentos com punhos e pistolas. Devemos, então, nos reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante.”

A livre circulação de ideias intolerantes, racistas, homofóbicas, de supressão ou eliminação de opositores políticos e ideológicos, fatalmente leva também, em algum momento, a atos violentos. Sempre haverá alguém capaz de matar o outro por causa de uma retórica de ódio e, assim como afirma Popper, encontramo-nos então no estágio quando os intolerantes destroem os tolerantes e, com eles, a própria tolerância.

Que Breivik, Tarrant e Crusius tenham sido capazes de sair armados de suas casas e assassinado friamente completos desconhecidos a partir de uma obtusa noção de que estes representavam algum tipo de ameaça a seus países ou etnia (caucasiana), é uma evidência que a retórica tem um poder devastador quando tornada prática, que, aliás, é o fim de toda retórica: que se concretize no mundo real.

Há uma enorme dificuldade em confrontar este fato, principalmente quando esta retórica intolerante deixa de pertencer às margens da política e chega ao centro do poder em figuras como Bolsonaro, Trump, Orbán e Salvini.

O que se dá é a dissolução do pacto social que sustenta a convivência mais ou menos harmoniosa entre os diferentes, quando a existência do Outro passa a ser vista como uma ameaça existencial.

Christopher A. Wray, diretor do FBI, relatou recentemente que, nos EUA, “a maioria dos casos de terrorismo doméstico que temos investigado são motivados por algum tipo daquilo que poderíamos chamar de violência supremacista branca”, o que certamente é decorrente de grupos inflamados por um presidente que não tem o menor pudor de proferir comentários racistas até mesmo contra congressistas norte-americanos.

Este é um movimento que brota do ressentimento de uma classe que pensa ver seus privilégios em risco por causa da visibilidade de minorias historicamente marginalizadas e oprimidas. É uma reação a um mundo mais inclusivo, mais justo, mais tolerante. E o mais paradoxal de tudo é que esta violência é perpetrada por sujeitos que dizem estar defendendo o Cristianismo – uma religião, que em sua própria origem, prega o amor incondicional ao próximo. Estes são os templários do ódio.

Mas eles não podem vencer. Definitivamente, a intolerância não pode sufocar a voz dos tolerantes.

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