Justiça

Depois de tantas oportunidades perdidas, quem segura Sérgio Moro?

Falta muita autocrítica a diversos setores progressistas no que se refere à complacência com os reiterados abusos do ministro da Justiça

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Há algum tempo, desde os primórdios na verdade, Sergio Moro pode fazer o que bem entender no campo das indignidades que haverá uma trupe bem preparada para fazer coro, outra trupe calada e envergonhada por tê-lo um dia apoiado e outra para reclamar para as paredes. Tanto lhe foi autorizado, tanto foi alimentado, que um dia quem foi um reles juiz autoritário, tornou-se ministro da Justiça de Bolsonaro, próximo ministro do Supremo, segundo muitos, que busca hoje aprovar seu pacote “anti-crimes”, que de nada serve que não seja acentuar problemas já grandiosos no País.

Mais um xerife que produz consequências terríveis na vida da camada mais popular, sob o velho argumento de que aumento de rigor e supressão de direitos tem algo a ver com índices de criminalidades e com acertos de decisões judiciais, quando ao contrário, são fatores produtores de desigualdades e de estímulo a estruturas produtores de crimes. É cansativo ver que esse discursa esteja sempre nessa posição de poder e em plenas condições de afundar mais o país, mas enfim, esse é Sergio Moro, ministro contra quais muitas pessoas e instituições lançam suas críticas.

Gostaria que tivesse sido assim há alguns anos. Não é por nada, leitor e leitora, mas estou nessa de acompanhar a República de Curitiba há alguns anos já e confesso que sou tomado hoje pela tranquilidade em ver, como um relativamente distante espectador, o circo pegar fogo na minha frente, sabendo que só vai piorar.

Vivemos uma era de retrocessos, a qual penso que somente atingir o fundo do poço que não imaginaríamos tão fundo há alguns anos, vai fazer se reverter em uma campanha por diretas, por direitos humanos, e uma legislatura voltada a reescrever toda a estrutura do Estado, ou coisa que o valha. Algo no estilo da saída da ditadura, uma revolução que é necessária. Atualmente, se Sergio Moro já era produtor de ilegalidades em sua 13ª Vara Federal, hoje consegue amplificar mais os danos, alastrando-se como um vírus.

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Esses tempos em que a minoria progressista é absoluta no governo federal, nos Estados do Centro-Sul e na esmagadora maioria de associações, institutos, órgãos de imprensa e outros setores da sociedade civil, devem trazer muita gana para os poucos que resistem bravamente, mas não deixa de ser uma oportunidade para uma reflexão sobre o que nos levou até aqui.

Cobra-se autocrítica do PT com razão, visto a formação torpe das cortes superiores, o amor à burocracia para combater a força tarefa, a falta de cólera, a obediência, a mansidão e teimosia de senhores brancos que não enxergam ter seu tempo e ânimo já esgotados, entre tantos outros pontos que pessoalmente identifico. O partido alvo e seu maior líder (como também reconhecido internacionalmente como um dos maiores líderes de toda América do Sul) estão sendo há anos injusta e duramente golpeados e torço para que um dia se levantem. Enquanto isso, aproveito para cobrar auto crítica também sobre a forma como muitos lidaram durante anos com Sérgio Moro e toda turma da força-tarefa de Curitiba.

Sergio Moro apresenta projeto contra o crime organizado (Foto: ABr)

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De início, lamento por saber exatamente onde estavam muitos dos parlamentares hoje indignados com o vergonhoso pacote “anti-crime” do ex-juiz. Muitos deles, enquanto Moro arrepiava em Curitiba, estavam fazendo ato… em apoio aos juízes da Lava Jato. Lembro-me de um específico, com direito a cantores famosos e parlamentares de esquerda cativos no Jornal Nacional ostentando uma faixa “Bretas estamos com você”. Naquela época o juiz já havia mostrado suas garras que hoje estão enormes em sua conta de Twitter.

Lembro-me de outra corrente de esquerda que dizia ser a Lava Jato a esperança para o país, mas essa pelo menos teve o mérito de ser sincera e dizer o que realmente pensava, sem medo de passar vergonha em público – ao contrário da outra, muito mais sutil e perigosa. É duro ter memória. E quantos foram os pronunciamentos de parlamentares de esquerda sabidos na tela da Globo vociferando contra a corrupção, como se questão moral – e não estrutural – fosse? Perdi as contas do quanto um em particular apareceu para cobrar rigor e mais rigor. Bom, parabéns, eis o rigor, aproveite e se for chorar o departamento dos ouvidos moucos é logo ali. Vale dizer que ao em vez de levantarem a mão e falarem “foi mal, no próximo juiz inquisidor prometo não fazer coro à turba ou me silenciar, já que não foi o meu partido alvo dessa operação”, finge-se que nada aconteceu. Hoje tão aí, na luta contra o esperado retrocesso promovido pelo ex-juiz. Era tudo anunciado. Boa sorte a todos e todas, espero que aprendam.

Gostaria que os institutos voltados à advocacia, aos criminalistas e aos direitos humanos em geral tivessem se indignado contra os absurdos de Curitiba. O saldo é realmente insosso para uns e absurdo para outros. Eram nítidos os abusos, mas a impressão que vigorava na época (não de minha parte e de tantos outros minoritários) era que não havia clima político para ir com tudo para cima de Sergio Moro, uma vez que isso faria automaticamente do reclamante um petista, como se xingamento fosse, um “ideológico”, um insensato. Esperava-se um “comportamento sóbrio”, com uma nota aqui, outra ali, uma manifestação de surpresa frente a algum escancarado absurdo e só, serviço feito.

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No mais, muito brinde de champagne foi feito e muito leilão beneficente também, já não tão sóbrios. Tempos depois, lembro-me também de ser ungida como representante de muitos como uma pessoa “sóbria”, “sem ideologia” que disse que por conta da Lava Jato o Brasil não era mais uma República das Bananas. Ora essa, devo estar vivendo em outro país, então. Já a Ordem dos Advogados do Brasil não merece nada além do desprezo pela serviência e cumplicidade com os abusos, um comportamento que marcará para sempre sua história, mais uma vez ao lado do que não presta. No mais, confesso sofrer de demasiada cólera para conviver em perfeita harmonia com setores tão polidos, mas que hoje parecem se unir frente ao “pacote anti-crime”, o que é louvável, embora possa ser tarde demais. Penso também serem, tais quais o PT, institucionais em sua resistência, não pensando fora da lógica de nota, relatório e assemelhados, que pouco ou nada valem frente a um governo que mandou a institucionalidade para as cucuias faz muito tempo.

Sobre fundações, ONGs internacionais de direitos humanos e etc, nem há muito o que comentar. Sinceramente, Dellagnol fez mais palestras em congressos do terceiro setor do que, penso, ele próprio poderia imaginar. A Lava Jato e os abusos de seus integrantes não foram assuntos dignos de repreensão, mas alvos dos mais emocionados aplausos. Uma vergonha o comportamento de muitas. Tem dois episódios que me lembro bem: o primeiro foi um congresso muito conhecido desse setor, onde assisti a principal mesa composta por um “jurista iluminado”, ex-ministro do STJ e um economista autor de livro muito próximo a uma líder política. Aplausos e mais aplausos do público “consciente” aos ditos de que a Lava Jato era a grande esperança do país. Imagino o que diriam hoje com a principal figura como ministro do Bolsonaro e que passa pano para os maiores escândalos desse governo.

Na verdade, não dizem nada, atualmente é um grande silêncio. Outro episódio que me lembro bem foi de uma pequena reunião de jornalistas promovida por uma ONG internacional de direitos humanos para apresentação do relatório de retrocessos em todo mundo. No Brasil, apontou a presidenta da ONG, havia uma questão de violência contra a mulher e super-encarceramento e só, nada mais. Com o pacote “anti-crime” de Moro, fico imaginando como que anda esses dois únicos problemas apontados pela ONG no país, que ocupou muito mais da metade do encontro para falar da Venezuela, como se o Brasil tivesse aquela beleza que só.

Houve gente indignada com o que estava acontecendo e muita gente corajosa e, de fato, comprometida ao enfrentar Moro publicamente. Djamila Ribeiro foi uma dessas pessoas e, com muita luz, em meio à escuridão da multidão que a vaiava, colocou-o contra a parede com o argumento que hoje se utiliza para criticar o pacote anti-crime. Em Londres, após o ministro dizer sobre sua defesa da ortodoxia da lei (como se isso fosse verdade), Djamila lembrou-o das consequências deletérias para toda a população negra ante os pretensos defensores de tal ortodoxia.

Jogando na Bombonera, fez uma intervenção épica. Outro dia foi o interrogatório do próprio Lula, que venceu o xadrez com sobras, mas não detinha ele o martelo do juiz. Fora esses momentos, muitos escreveram, denunciaram, articularam, questionaram. De cabeça me vem tantos que hoje podem tranquilamente cobrar auto-crítica, bem como continuam em sua trajetória de articulação para denúncia internacional sobre os absurdos em curso no Brasil. Grupos corajosos de juristas que não são convidados para se sentar na Globonews para comentar o último arbítrio da semana.

Triste em ver o que fizeram com Lula, que por mais defeitos que tenha e mais erros que tenha cometido, não merecia algo desse tipo, nem de longe. Triste e revoltado em ver esse escancarado absurdo de pesos e medidas. Ver Bolsonaros, Frota, Kim, Witzel e tantos no governo contra a corrupção. Penso que quando a serpente não era tão grande muitas e muitos se calaram, seja por se aproveitarem do antipetismo para benefício próprio em ocupar o vácuo, seja por convicções reacionárias ou covardia.

Sejam os complexos motivos que forem, era perceptível para qualquer iniciante que se tratava de uma vergonha internacional, mas muitos preferiram fazer delação premiada, defendê-la na grande mídia e quem reclamava era o que havia perdido a razão. Hoje vem o plea bargain e os caminhos para resistir são mais estreitos. Quantos sabiam se tratar de absurdos, mas se calaram por conveniência com os “amigos”, por comodidade? Assuntos para mesa de bar.

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

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