Opinião

De volta à fome

É preciso ir além e concentrar esforços no fortalecimento de políticas públicas que tenham como foco o combate à fome e à miséria no Brasil

(Foto: Jade Azevedo / Coletivo Marmitas da Terra)
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O Brasil deu um grande e importante passo no combate à fome quando, em 2006, incluiu na Constituição (artigo 6º) o Direito Humano à Alimentação Adequada. Deu-se ali início à criação de um conjunto de políticas públicas de combate à fome no País. Mas, infelizmente, a má notícia é que a fome voltou a assombrar o Brasil.

Hoje, 19 milhões de brasileiros passam o dia sem ter o que comer e quando a noite chega, também não têm comida no prato. Outros 116,8 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar, o que corresponde a 55,2% dos domicílios do País. Os dados são da pesquisa da Rede Penssan, divulgada no início de abril.

Em contraste, enquanto a fome avança, o número de bilionários cresce no Brasil. Em plena pandemia de Covid-19, saltou de 45, em 2020, para 65, em 2021, de acordo com o ranking dos Bilionários do Mundo de 2021 da Forbes.

Como disse Josué de Castro, “a fome não é um fenômeno natural. É um fenômeno social, produto de estruturas econômicas defeituosas”. Por isso, não se pode responsabilizar apenas a pandemia pela volta da fome ao Brasil. A crise sanitária, na verdade, expôs as fraturas do desmonte da política de soberania e segurança alimentar brasileira, processo iniciado a partir de 2016 e aprofundado com o governo Jair Bolsonaro.

Em 2001, cerca de 300 crianças brasileiras morriam por dia, vítimas da desnutrição, conforme divulgava a imprensa à época. Em 2014, pela primeira vez em 50 anos, desde que começou a ser publicado, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU. O País se tornou referência mundial com a redução de 82% do número de pessoas em situação de subalimentação, graças a políticas públicas que tinha o combate à fome como prioridade.

Lamentavelmente, de 2016 para cá, o Brasil caminha em marcha à ré. Desde então, programas que deveriam ser ampliados foram sistematicamente esvaziados. Entre eles, alguns dos que mais contribuíram para o Brasil sair do Mapa da Fome, tais como Um Milhão de Cisternas, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Bolsonaro já chegou a dizer que a fome não fazia parte da realidade brasileira e uma das primeiras medidas que adotou na Presidência foi extinguir o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

O presidente ainda vetou quase integralmente projeto aprovado pelo Congresso com medidas de apoio à agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que vão à mesa do povo brasileiro. É o setor que produz a base da dieta alimentar do brasileiro e que foi frontalmente atingido com o golpe dado nas políticas públicas de combate à fome.

Diante de um governo omisso e lento, surgem de toda parte ações solidárias de doações de alimentos e dinheiro para ajudar a quem tem fome, com destaque para a Cozinha Solidária, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O povo brasileiro não aceita mais fechar os olhos para a realidade da fome, como foi décadas atrás. E se indigna ao ver uma mãe sofrer por não ter o que dar de comer ao seu filho.

Ações emergenciais são importantes. Entretanto, é preciso ir além e concentrar esforços, nos âmbitos público e privado, para se retomar, urgentemente, o processo de construção, reestruturação e fortalecimento de políticas públicas que tenham como foco o combate à fome e à miséria no Brasil. O fim da fome no Brasil só será possível com combate às desigualdades e com distribuição justa das riquezas.

A frase do sociólogo Betinho está mais atual do que nunca: “quem tem fome tem pressa.” Vamos juntos, nesta jornada de esperança chamada Brasil.

*Deputado federal (PT-PE) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

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