Opinião

Washington mudará a política em relação ao Brasil?

‘Caberia dizer que até um poste é melhor na presidência dos Estados Unidos do que Trump’, escreve o diretor de redação Mino Carta

Joe Biden
Joe Biden é eleito presidente dos EUA. Foto: Angela Weiss/AFP Joe Biden é eleito presidente dos EUA. Foto: Angela Weiss/AFP
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Já causa espanto que Donald Trump resista impávido até o final das apurações. Se quisermos usar um linguajar tipicamente brasileiro, caberia dizer que até um poste é melhor na presidência dos Estados Unidos do que Trump. Não falta quem se regozije com a vitória de Joe Biden, recomendado por Barack Obama depois de ter sido vice-presidente durante seu mandato. Trata-se de uma figura simpática e elegante, um homem risonho a ostentar um natural, genuíno bom humor. Nem por isso encarna a expectativa de alguma mudança significativa.

Ocorre, às vezes, que figuras aparentemente menores assumam um papel importante, até mesmo decisivo. É o caso, por exemplo, de Harry Truman, que acabou assumindo um papel determinante após a substituição, na qualidade de vice-presidente, de Franklin Delano Roosevelt para carregar a pecha devastadora de ter autorizado as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, destinadas a ficar na história da humanidade como um crime de proporções universais.

A biografia de Biden não o incrimina pessoalmente, pelo contrário, mas não há dúvidas de que Washington continuará pelo caminho useiro, sobretudo em relação à América Latina. Nada aponta em Biden a disposição e a capacidade de alterar a rota imperial, inspirada desde antigas eras pela Doutrina Monroe. Trump representou à perfeição, e de forma nunca dantes navegada, os males causados no mundo pelo império do Ocidente, desde o imediato pós-Segunda Guerra Mundial e mesmo antes.

Bolsonaro e Trump O ex-capitão disse a Trump” ‘I love you’. Foto: Jorge Araujo/Folhapress

Diz papa Francisco que a pandemia não é castigo divino, e sim a revolta da própria natureza agredida pelo ser humano de várias maneiras. Nem por isso, o Altíssimo está escanteado. Mas a desgraça que não nos poupa na minha visão tem a fisionomia de Donald Trump. Quando ele me aparece, caem quaisquer dúvidas que possam ter permanecido, como se suas expressões e seus comportamentos fossem simbólicos de tudo quanto padecemos.

Há muitas formas de ofender a natureza que não se limitam a queimar florestas. As doutrinas econômicas que vigoram faz bastante tempo são, como sabemos, responsáveis pelo empobrecimento progressivo de bilhões de seres humanos, enquanto uns poucos enriquecem desmesuradamente. Acrescentem-se as guerras a infelicitar inúmeras áreas do planeta, qual fossem capítulos de um enredo único ditado pelas conveniências dos donos do poder, semelhantes aos mercadores que Cristo enxotou do Templo.

A presença de um império do Oriente, soviético, precipitou a Guerra Fria para atiçar a prepotência e a hipocrisia do outro império, de sorte a sugerir a seguinte conclusão: causou males por reflexo para aquela já definida como civilização ocidental e cristã, enquanto a política de Washington provocou danos no mundo todo e desencadeou guerras malogradas, embora sangrentas e ao cabo pateticamente inúteis. Tio Sam quis ditar o destino do Oriente Médio para provocar tão somente um conflito que ali não se apaga. E pretendeu transformar a América Latina, Brasil na frente, no seu próprio quintal, e em largos momentos foi bem-sucedido na empreitada, sem dispensar invasões militares e incentivar os golpes locais.

Abu Ghraib e Guantánamo são apenas dois capítulos de um longo enredo de ‘tortura científica’

Contaram nestas operações, a desmentir toda e qualquer retórica em torno da defesa da democracia, com a instituição controladora, a CIA, sempre disposta a se esmerar no emprego das técnicas mais ferozes, pretensamente científicas de tortura, de sorte a deixar pálidos de inveja os algozes medievais. Nesta sequência de crimes contra a humanidade, Abu Ghraib e Guantánamo são apenas dois dos intermináveis episódios salientes. No fundo, Tio Sam cobriu-se de vergonha do alto de uma pirâmide de empáfia estabelecida sobre o poder econômico. 

Nunca vingou um momento de misericórdia com os vencidos temporariamente. Dizia o general William Westmoreland, durante a Guerra do Vietnã, herança de um fracasso francês e finalmente perdida, “vamos bombardeá-los até devolvê-los à Idade da Pedra. Toda esta desfaçatez, esta violência, a caminharem de braços dados com a insensatez, concentram-se na catadura de Donald Trump sem que isto indique a absolvição de quantos o precederam na presidência, até mesmo Barack Obama, todos prontos a aceitar o emprego de instrumentos voltados a garantir a hegemonia dos EUA e do seu império.

Há fortes razões de admiração pelos Estados Unidos, por seus institutos de pesquisa, por seus hospitais-modelo, por sua notabilíssima literatura, por sua imprensa, por seu cinema amiúde desassombrado em críticas e denúncias, por suas universidades, pelo jazz tão influente na música contemporânea, por seus cantores e cantoras de vozes inconfundíveis, por seus e suas atletas invencíveis em diversas modalidades esportivas. Existe, porém, e é pena, o reverso da medalha. Ainda recentemente, os Estados Unidos estiveram envolvidos em um lamentável capítulo brasileiro, iniciado pela Lava Jato, conduzida por dois dos seus agentes nativos, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

É do conhecimento até do mundo mineral: ambos buscavam em Washington as melhores orientações para condenar Lula sem provas e desencadear uma sequência de golpes que redundaram na eleição de Jair Bolsonaro, o ex-capitão a morrer de amor por Donald Trump. Veremos agora o que muda nas relações entre Washington e Brasília. 

O mapa-múndi, felizmente, mostra regiões do planeta em que as lições de Tio Sam não surtiram efeito. Há também no Velho e sempre Novo Mundo, Europa, quem mantenha uma conexão com o vetusto humanismo gerador da Renascença. A despeito da desgraça globalizada, é nestes exemplos que haverá de se basear a nossa esperança.

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