Cesar Calejon

Jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É autor dos livros 'A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI' (Kotter) e 'Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil' (Contracorrente)

Opinião

Bolsonaro tenta, sem sucesso, reunir os elementos para o golpe

Ao contrário do que aconteceu entre 2013 e 2018, quando a mídia hegemônica esteve alinhada para fomentar o antipetismo, atualmente a situação é bem diferente

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Com o advento da internet, dos smartphone e o aumento da densidade das democracias liberais ocidentais, organizar golpes de estado tornou-se uma tarefa mais complexa, considerando o que era necessário para atingir este mesmo propósito durante a segunda metade do século XX.

Naquela ocasião, bastava controlar os principais veículos hegemônicos de comunicação, alinhar com as forças estrangeiras que eventualmente poderiam condenar o ato e ocupar o Congresso Nacional com os tanques, impondo o domínio por meio do uso da força e encerrando os processos democráticos do Estado de Direito.

Hoje, esta equação é bem mais elaborada. Faz-se necessário o alinhamento de pelo menos cinco elementos distintos para que o golpe tenha sucesso: (1) o domínio dos veículos hegemônicos de comunicação, (2) a cooptação de uma ampla parcela da população nacional, sobretudo da alta burguesia e extratos das classes médias e mais empobrecidas, (3) a aprovação de forças internacionais que estejam dispostas a bancar ou, no mínimo, a tolerar a iniciativa sem questionamentos, (4) o controle de boa parte do Judiciário e do parlamento (Legislativo) e (5) das Forças Armadas.

Neste artigo, eu avalio, sucintamente, cada um destes pontos para argumentar que Jair Bolsonaro vem tentando, sem sucesso até a presente data, reunir essas condições fulcrais a fim de invalidar o pleito presidencial para se manter na Presidência da República.

Ao contrário do que aconteceu entre 2013 e 2018, quando toda a mídia hegemônica brasileira esteve alinhada de forma uníssona para fomentar o antipetismo, o que, por sinal, resultou no golpe jurídico, midiático e parlamentar de 2016, atualmente a situação é bem diferente. Considerando o domínio dos veículos hegemônicos de comunicação, o bolsonarismo passa longe de ser unanimidade.

Muito pelo contrário: a menos de três meses da eleição e correndo o sério de risco de perder a contenda ainda no primeiro turno, o governo Bolsonaro conta com o apoio de apenas duas emissoras que ocupam posições questionáveis entre a preferência dos brasileiros de forma mais ampla: Record e SBT. O restante da mídia hegemônica nacional, seja impressa, digital ou televisiva, não demonstra estar com o bolsonarismo e não oferece indicativos de que tais posturas deverão ser repensadas no curto prazo, ainda que o bolsonarismo passe a investir em propagandas que serão veiculadas via rede Globo. A família Marinho, ao que tudo indica, deverá aceitar o dinheiro do governo federal para os comerciais e continuar atacando Bolsonaro em sua grade programática.

Sobre a cooptação de uma ampla parcela da população nacional, sobretudo da alta burguesia e extratos das classes médias e mais empobrecidas da população, o bolsonarismo segue contando com o apoio dos mais endinheirados, apesar de também ter sofrido reveses importantes com este público. Contudo, entre a classe média e as camadas mais empobrecidas do País, o governo Bolsonaro desidratou de forma incontornável, principalmente, por conta da calamidade socioeconômica que a sua administração ajudou a fomentar.

A seguir, no que diz respeito à aprovação de forças internacionais que estejam dispostas a bancar ou tolerar a iniciativa sem questionamentos, Bolsonaro tentou, literalmente, pedir a ajuda de Biden. Foi ignorado.

Além disso, o jornal The New York Times, que é uma espécie de mensageiro do Departamento de Estado dos Estados Unidos e do Pentágono, alertou para a possibilidade da tentativa de golpe. Geralmente, o jornal estadunidense aborda esse tema meses após o ocorrido. Nesta ocasião, essa postura indica que o regime americano não tem interesse em tolerar uma aventura golpista do bolsonarismo com partes das Forças Armadas do Brasil.

No que tange o controle de boa parte do Judiciário e do parlamento (Legislativo), o governo Bolsonaro encontra algum respaldo entre as alas mais fisiológicas e clientelistas da política institucional no Congresso Nacional, mas não tem o mesmo apoio jurídico sobre o qual as investidas da infame Operação Lava Jato foram conduzidas. No mais, conforme a derrota de outubro se torna cada vez mais iminente, os quadros desses setores que ainda apoiam o presidente devem abandonar de vez o barco.

Por fim, as Forças Armadas. Conforme eu argumento, não cabe reduzir a “opinião” e o “posicionamento” de todas as Forças Armadas do Brasil ao que dizem quatro ou cinco generais relacionados ao bolsonarismo. Seria necessária uma carta assinada pelos marechais, marechais do ar e almirantes de maior patente para oficializar tal postura.

Ainda que este seja o caso, estariam essas pessoas dispostas a comprometerem as suas carreiras, que foram construídas ao longo de uma vida, para defender a aventura golpista de Bolsonaro?

Antes de responder, vale observar o que está acontecendo atualmente nos EUA considerando o julgamento dos invasores do Capitólio e como Donald Trump está implicado na questão.

Neste sentido, Bolsonaro encontra-se em um processo de esperneio, tentando, sem sucesso, reunir os elementos que lhe são necessários para dar um golpe de estado nos próximos meses.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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