Opinião
“Bem-vindos” ao inferno – ou ao Brasil sufocado pela fumaça
Com efeito, nestas latitudes, não se protege, promove ou provê a vida: mata-se e comemora-se
No dia 19 do corrente mês, eu viajava de carro de São Paulo para Curitiba, com minha mãe e a cuidadora dela, Joana. Frio e chuva leve.
Vejo que ao Sul estava limpo e pensei: estamos sob o sistema de chuvas da Amazônia. Não sou entendido em meteorologia. Ao contrário, fiquei de recuperação na matéria, quando tirei o brevet de piloto privado, há exatos 40 anos.
Então, minha mãe perguntou: “Que horas são?”. Olhei no relógio do painel e disse 3 horas (da tarde). Fiquei surpreso, porque pensei que fosse mais tarde. Então ela disse: “Três horas e tão escuro?”. Ela tem 88 anos e visivelmente jamais tinha visto algo igual.
Relato essa experiência porque presenciamos o crepúsculo das queimadas, não nos sendo possível aceitar que não houve ou que pudesse ser confundido com mera e corriqueira inversão térmica.
Diga-se de passagem que os franceses desenvolveram métodos participativos de aferição climatológica que valorizam também o depoimento de pessoas mais idosas, medições escolares e até de presidiários.
Por aqui, tristes trópicos, parafraseando o título da obra do antropólogo francês Claude Levi-Strauss.
Com efeito, nestas latitudes, não se protege, promove ou provê a vida: mata-se e comemora-se.
Utilizando ainda a técnica francesa do depoimento, relato viagem que fizemos com o Instituto Rio Branco, em navio da Marinha, de Manaus a Belém, em 1983.
Viajamos pelo Rio Amazonas, por cinco dias. Durante todo o tempo havia uma névoa, que não combinava com o clima.
Eu tinha o hábito de correr e o navio tinha um heliporto, pois prestava assistência médico-odontológica aos ribeirinhos. Eu aproveitava para correr no heliporto. Um dia estávamos correndo eu e o piloto do helicóptero. Puxei conversa e perguntei sobre aquela névoa. Ele sorriu, piscou e disse: “É fumaça”.
Para mim, fica claro que só a democracia salvará a floresta, pois dessa forma foi preservada pelos indígenas.
Entretanto, alguns acreditam na própria mentira: assim como uma certa rede de televisão, de tanto enganarem, acabam se enganando.
Pensaram aqueles que poderiam reescrever a história e adotar a autocracia do século XVIII nos dias atuais, acreditando que o “erro” da abertura da ditadura militar poderia ser “corrigido”.
Os toscos compraram a versão da extrema-direita de que teria sido possível prolongar o suplício da ditadura “ad nauseam“.
Ledo engano.
A abertura só aconteceu graças à imensa e sofrida luta do povo brasileiro, apoiado por inúmeros parceiros internacionais (muitos dos quais menosprezamos quando no governo, mais isso já é outra história).
A república de Curitiba confundiu periferia e centro: achou que ao entregar todo o patrimônio nacional – cérebros, petróleo, indústrias naval, aeronáutica e civil, entre outras riquezas – iria ter uma relação de compadrismo com o centro (faz parte da nossa cultura, à esquerda, também). Pobre gente.
Acharam que suas manipulações toscas; novelas carregadas de ideologia; telejornais à la Goebbels iriam ofuscar os olhos do mundo para as práticas criminosas que lhes permitiram colocar um inocente na prisão e elevar criminosos aos altos cargos.
Inebriaram-se com o próprio veneno manipulador.
A um tal ponto que o G7 discute – em regime de emergência – como parar o flagelo da destruição da Amazônia, sem sequer ouvir o Brasil.
Com efeito, o Presidente da França chamou Bolsonaro de mentiroso, o que em termos de linguagem diplomática dispensa qualquer comentário, retirando a credibilidade do indigitado e tornando inócua a audição.
Como reage o que foi alçado à presidência? Chama as Forças Armadas para o combate ao fogo. Seria cômico, se não fosse trágico, pois demonstra que não sabe quais são as competências constitucionais das mesmas e sua inadequação para a tarefa. Compreensível, uma vez que delas foi expulso aos 33 anos, por incapacidade mental.
Mais grave ainda: na eventualidade de uma invasão, não deveriam estar voltadas à tarefa constitucional de defesa externa?
Devem estar surpresos os generais da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Não são os únicos.
Porém, se o quadro é tétrico, talvez não o seja de todo.
Recente artigo de especialistas franceses admite que crimes contra o meio ambiente têm a mesma gravidade de crimes de guerra. Os responsáveis podem vir a ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional, na Haia.
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