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Alô, alô, torcida do Flamengo! Aquele abraço?

Clube da massa tem mesclado apoio à extrema direita e omissão em temas fundamentais

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A torcida do Flamengo, majoritariamente composta por sujeitos negros, deveria saber que o deputado Rodrigo Amorim, do PSL do Estado do Rio de Janeiro, que quebrou uma réplica da placa de rua que faz referência à homenagem à vereadora Marielle Franco e que está trabalhando para extinguir as cotas raciais nas universidades do Estado do Rio de Janeiro, ganhou uma camiseta de “gentileza” do clube e esteve no gramado cumprimentando o time na ocasião do título de campeão do Carioca.

Sabendo, deveria se posicionar em repúdio a esse movimento parlamentar, além de cobrar ao time que escolha melhor aqueles a quem pretende homenagear e naquilo que precisa se posicionar. Foi nessa semana que o deputado propôs o fim das cotas para pessoas negras e indígenas em universidades do estado, afetando principalmente a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), primeira do país a adotar tal política.

Além disso, a tabelinha do fascismo com o time popular ficou ainda mais nítido pelo fato de fazer tão pouco tempo a imprensa ter noticiado que o uso do termo “festa na favela” foi proibido nas redes sociais do time por “ser associado à violência”. A expressão somente foi retomada após protesto de parte da torcida.

Por que os canais de esporte não discutem a fundo e seriamente a aproximação do Flamengo com políticos reacionários que defendem o fim de políticas públicas para população negra e indígena? É só chamar de “polêmica” e passar para o próximo assunto?

É verdade que vários grupos da torcida da nação flamenguista se posicionaram sobre ambos temas, mas a sucessão de fatos tem sido tão manifestamente contra quem o Flamengo representa que estas pautas não deveriam ser legadas ao passado, como também mais rubro-negros devem ter consciência da postura política do clube, que mescla o flerte com a extrema-direita com a omissão interessada em uma suposta e inexistente neutralidade.

Na verdade, essa proibição relacionando o termo favela com violência e essa homenagem a alguém que trabalha para atacar direitos conquistados exatamente para garantir dignidade àqueles pretos e pobres que compõem a maioria da torcida, deveria, no mínimo, ser motivo de um cartão amarelo da torcida para o Flamengo. Vermelho, se considerarmos o desrespeito à memória de Marielle Franco, grande flamenguista.

O “premiado” pelo clube do Flamengo em seu dia de maior notoriedade. Eleito, propôs projeto de lei contra a política de cotas para a população negra.

O time precisa ser lembrado que não deve se colocar numa posição descolada de sua torcida também sob esse aspecto político, porquanto jamais o futebol deixou de ser político, a não ser para aqueles poucos ingênuos ou aqueles que fingem não saber.

Dito isso, o Flamengo não teria nada a dizer sobre o extermínio de jovens negros em comunidades do Rio de Janeiro? Não tem nada a dizer sobre a ofensiva contra políticas públicas para a população negra e indígena? Pergunto isso acerca dos atletas do clube que ganham centenas de milhares de reais por mês e não assumem qualquer responsabilidade política pela sociedade em que vive e a desigualdade que os cerca. Onde está Diego, Arrascaeta, Gabigol, Vitinho, Rodrigo Caio, Bruno Henrique e companhia nessa hora?

Esse ano, na Argentina, times de futebol se uniram para lembrar o golpe militar que o país sofreu em 1976 e usaram a hastag #Nuncamás. Já o Flamengo faz questão de afirmar não fazer parte de homenagens a Stuart Angel, morto pela ditadura brasileira e honrado por torcedores na sede do clube.

O clube afirma que por ter milhões de torcedores “das mais variadas crenças políticas” não se posiciona sobre assuntos políticos, como se houvesse alguma simetria entre o fim de uma política pública para a população negra e indígena, entre outros temas, com o suposto respeito aos que estão no poder e implementam essas políticas. Ter milhões de torcedores significa se calar sobre os horrores da ditadura e o desaparecimento político? Significa honrar quem não respeita a memória de Marielle Franco?

Rodrigo Amorim, que quebrou a placa de homenagem à flamenguista Marielle Franco e propõe fim da política de cotas para população negra e indígena; o governador Wilson Witzel (PSC), autor da frase sobre a polícia “mirar na cabecinha” e atirar; o vice-governador e Claudio Castro e o deputado estadual Alexandre Knoploch.

Restituir e reparar humanidades que foram roubadas é dever de um Estado democrático, e não um privilégio ou mecanismo de divisão social como aquele a quem o Flamengo homenageou tenta fazer acreditar.

O Flamengo é parte da sociedade e como todos que cultuam o apreço pela democracia tem o dever de participar no combate ao racismo, ao machismo, à homofobia. Nesse sentido, a defesa de mecanismos de discriminação positiva, que combatem as discriminações presentes desde a colônia e que buscam a perpetuação de desigualdades e opressões postas. Racismo é violência.

Como disse o escritor camaronês Achille Mbembe

A exclusão, a discriminação e a seleção em nome da raça permanecem, contudo, fatores estruturantes – ainda que frequentemente negados – da desigualdade, da ausência de direitos e da dominação contemporânea, inclusive nas nossas democracias. Além disso, não se pode fingir que a escravidão e a colonização não existiram ou que as heranças dessa triste época foram totalmente liquidadas[1].

Portanto, o time deveria merecer uma resposta da torcida, inclusive por motivo de tomada de consciência do ser negro desses sujeitos, e por parte dos brancos que se aliam a luta antirracista através de um rompimento com a negação da responsabilidade. Na verdade, o Flamengo precisa é de uma boa chamada de consciência.


[1] MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. N-1edições, 2018. p. 305.

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