Delfim Netto

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Formado pela USP, é professor de Economia, além de ter sido ministro e deputado federal.

Opinião

Adesão incondicional de Jair Bolsonaro aos EUA é digna de atenção

O problema é ignorar as evidências empíricas na formulação das políticas públicas destinadas a atender aos seus propósitos

Bolsonaro e Trump na Casa Branca (Foto: AFP)
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O Brasil deveria prestar mais atenção à adesão incondicional de Bolsonaro à administração de Trump, que, estrategicamente falando, tem sido incapaz de responder com sucesso aos movimentos de Vladimir Putin e Xi Jinping na Venezuela. Para começar do começo, é claro que a China que conhecemos hoje é uma emanação da velha geopolítica dos EUA. A partir de sua vitória na Segunda Guerra Mundial, houve uma repartição do mundo entre “nós” e “eles”. Ele ficou com eles, a URSS. Quando Mao Tsé-tung expulsou os “planejadores” soviéticos que o assessoravam, Richard Nixon aproveitou a oportunidade para oferecer-lhe o mercado americano em troca de uma zona de livre-comércio, uma semente de “capitalismo” onde se instalariam indústrias americanas que usariam a mão de obra chinesa.

A expectativa era de que a mesma estratégia, utilizada com a Alemanha, Japão e Coreia do Sul para cercar a URSS, produziria o mesmo resultado: com a prosperidade viria a democracia! A certeza era tanta que a OMC, sob inspiração americana, fechou os olhos para anos de violações das regras do bom comércio competitivo (abertura financeira, respeito às patentes, sem subsídios de toda ordem etc.). Trump fez tudo errado. Com Xi Jinping a China caminha, firmemente, para um Estado autoritário que controla a sua população de forma terrivelmente sutil, insuspeitada mesmo na pior literatura a respeito. 

As últimas semanas vêm explicitando as consequências da heterogênea combinação de cidadãos que se juntaram para eleger o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018. Primeiro, um núcleo “duro”, uma óbvia minoria, que tem real afinidade com seus preconceitos, detesta todas as diferenças identitárias (étnicas, religiosas etc.), defende uma imaginária “nova política” que recusa a verdadeira, o exercício da tolerância e busca do consenso que estimula a integração social, e flerta impor sua “visão de mundo” através de uma democracia iliberal como se não existisse a Constituição de 1988 e o seu controle pelo Supremo Tribunal Federal.

Àquele se juntou, em “legítima defesa”, um segundo e significativo, mas também minoritário, grupo de cidadãos desiludidos com os males feitos de 13 anos de laxismo da administração do PT, postos a nu pela operação Lava Jato. Ao contrário do primeiro grupo, não tem nenhuma simpatia pelas discriminações identitárias, teme a democracia “iliberal” (agora em moda), proclamam seu fundamental respeito à Constituição de 1988 (com seus direitos e princípios individuais comparáveis às mais avançadas do mundo) e às instituições criadas sob o seu guarda-chuva.

Esse grupo foi enriquecido pela adesão entusiasmada do sistema econômico nacional em respeito à promessa do ministro Paulo Guedes (o famoso “Posto Ipiranga” de Bolsonaro) de que iria implantar uma política libertária (“Vamos tirar o Estado do cangote do setor privado brasileiro”). Depois de 20 anos de estabilidade monetária acompanhada de um desenvolvimento econômico e social medíocre (1,1% de crescimento médio per capita entre 1995-2018), aquela era uma justa esperança.

Com tal apoio, Bolsonaro foi eleito com 59% dos votos válidos. É impossível saber qual o peso de cada grupo, mas é possível inferi-los, pela importância de seu partido (o PSL) na formação da Câmara Federal, onde os deputados representam o povo e são eleitos pelo sistema proporcional em cada Estado e no Distrito Federal (art. 45 da CF). Pois bem, o PSL representa pouco mais de 10% da Câmara e está longe, portanto, de poder garantir a governabilidade do País, sem se aliar (republicanamente, como em todas as democracias) a outros partidos para construir uma maioria estável que sustente um programa estabelecido consensualmente.

Sem isso não haverá harmonia entre os Poderes e, portanto, não haverá governo. Haverá apenas a antevéspera do caos, o que gera dificuldades insuperáveis para o enfrentamento do desemprego que esgarça e destrói a sociedade brasileira. Felizmente, o protagonismo assumido pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal tem salvo o dia. Ele sugere que um programa consensual é possível, desde que o Executivo (que é, obviamente, minoria) não tente impor a sua vontade à maioria.

A solução será muito mais rápida se o presidente entender que pode muito, mas que não pode tudo e sua política diversionista que coloca a cada dia falsos problemas (como o do clima) e recusa toda diversidade, atrapalha a solução dos problemas reais da sua área econômica e dificulta o trabalho de alguns ministros que têm se revelado excelentes.

Mesmo deselegante, o comportamento de Bolsonaro pode ser franco a ponto de ser abusado, mas não é esse o problema. O seu problema é ignorar, sistematicamente, as evidências empíricas na formulação das políticas públicas destinadas a atender aos seus propósitos, particularmente na política externa de submissão a Donald Trump. 

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