Opinião

A violência é a única política que Bolsonaro tem a oferecer ao campo

As agricultoras e os agricultores são trabalhadores rurais e não se confundem com milicianos

Foto: Reprodução
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Grandes feitos do governo Bolsonaro estão relacionados com o uso desavergonhado de estratégias de desinformação. É um governo que consegue incitar deliberadamente a violência e afirmar-se promotor da paz e da segurança; desmantelar toda a estrutura de políticas e direitos e afirmar-se um defensor da democracia e das liberdades. Em um exemplo irretocável de como uma imagem vale mais do que mil palavras, ao usar a imagem de um caçador para celebrar o dia do agricultor, a comunicação do governo deixou escapar a verdade: as políticas deste governo armaram (em sentido literal e figurado) tão intensamente a atuação de milícias no campo, que um comunicador do governo, hoje, confunde agricultor com miliciano. A verdade não pegou bem, mudaram a foto. O novo post, que fala sobre paz, segurança e recursos no campo, não enganou ninguém.

As agricultoras e os agricultores familiares são trabalhadoras e trabalhadores rurais e não se confundem com latifundiários ou empresários do agronegócio, tampouco com a milícia armada por muitos empregada para proteger os latifúndios. A estratégia do discurso aqui é simples, a parte é usada para representar o todo fazendo parecer que latifundiários, ruralistas, pequenos agricultores ou trabalhadores do campo são tudo a mesma coisa e estão sendo igualmente beneficiados pelas políticas do governo. Tratam-se de confusões não acidentais. A Declaração de Direitos dos Camponeses da ONU não deixa muito espaço para dúvidas. De acordo com a Declaração, se entende por “camponês” toda pessoa que se envolve ou procure se envolver, seja de maneira individual ou em associação com outras ou como comunidade, na produção agrícola em pequena escala para subsistência ou comercialização, ou a utilização em grande medida, mas não exclusivamente, da mão de obra dos membros de sua família ou de seu lugar e a outras formas não monetárias de organização do trabalho, que tenham vínculo especial de dependência e apego a terra.

Enquanto o governo faz parecer que fala de uma política para todos, de fato, afirma empresários rurais e latifundiários como os únicos legítimos detentores de direitos no campo. Em um país que vê naufragar o programa de aquisição de alimentos e as políticas de agricultura familiar, enquanto a flexibilização de regras para a liberação de agrotóxicos avança a pleno vapor, não é acidental que o governo celebre, no dia do agricultor, as políticas de flexibilização do porte de arma em propriedades rurais.

A paz do ruralista é a vida de violências de trabalhadoras e trabalhadores rurais. A segurança dos latifundiários é a de um direito à propriedade absoluto, sem função social, sem democratização do acesso à terra, sem agricultura tradicional e familiar. É a permanente apropriação das terras públicas pela violência e a grilagem e destruição das águas e das florestas.

A alimentação do agronegócio é a da liberação dos agrotóxicos, da produção destinada ao lucro, cúmplice do aumento da fome no país. Quais as consequências quando essas violências são celebradas abertamente pelo governo nas redes sociais? Se os legítimos detentores de direitos no campo são latifundiários, ruralistas e empresários do agronegócio, as formas ilegais e predatórias de controle da terra são consideradas legítimas e os modos de vida e produção dos povos do campo devem ser abatidos e invisibilizados.

Não à toa, a comunicação do governo esqueceu-se cuidadosamente da contribuição da agricultura familiar e dos movimentos de trabalhadores rurais (entre eles o Movimento dos Sem Terra e Movimento dos Pequenos Agricultores, a CONTAG, para citar apenas três exemplos) para a alimentação das famílias brasileiras na pandemia, em especial as que mais precisam. Também não é por acaso que o alto índice de invasões, desmatamento e de ação ilegal de empreendimentos em terras indígenas e quilombolas não aparece nas estatísticas do governo. Se a principal política do campo é a flexibilização da posse de arma, a vida de trabalhadoras e trabalhadores rurais, povos indígenas e quilombolas e de populações tradicionais é descartável e coloca o Brasil na lista dos países que mais matam defensores de direitos humanos. Agressões, ameaças à vida fazem com que lutadoras e lutadoras pelo direito à terra vivam em permanente insegurança. Se o valor principal é a segurança da propriedade, a morte e a destruição ambiental são irrelevantes.

Enquanto o governo assume a verdade em uma foto inconveniente, o congresso tenta mudar as leis de proteção socioambiental e os regimes de regularização fundiária e o judiciário ignora a impunidade dos latifundiários responsáveis pelas mortes de trabalhadores rurais. É esse o pacote que o governo tem a oferecer: nenhuma razão para celebrar.

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