Opinião

A vacina representa nosso maior possibilismo

‘Não percamos isso de vista ou horizonte, trata-se na nossa responsabilidade’, escreve Milton Rondó

FOTO: NELSON ALMEIDA/AFP (FOTO: NELSON ALMEIDA / AFP)
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“O conhecimento nos faz responsáveis”.
Che Guevara.

Este será um verão diferente. O congraçamento terá de ser matizado pela distância. A esperança terá de ser mais forte, assim com a pressão para que todos tenham acesso à vacina.

Outros países, inclusive da América Latina, têm prontos os planos de vacinação para janeiro, ao contrário do Brasil. Isso deverá fortalecer-nos na reivindicação do direito à vida, com toda intensidade.

Não será tarefa fácil orientar-nos neste verão, mas o caminho da luz sempre será possível. De fato, a estação, com suas muitas nuvens, costuma mesmo deslocar a posição da luz, trazendo-nos auroras à tarde e crepúsculos na manhã, com a claridade se deslocando ao sabor das nuvens, não dos pontos cardeais.

A estação possibilista nos recorda que, mesmo na presença de nuvens, o sol paira acima delas e a luz não se ofusca, basta ascender e transcender.

A propósito, Ivan Illich, em “Sociedade sem Escolas”, da Editora Vozes, explora todas as possibilidades de aprendizado possibilista, fora do ambiente escolar tradicional, dando vazão à uma ampla gama de percursos instrutivos e de ação na contemporaneidade. Com efeito, afirma: “A tecnologia moderna aumentou a possibilidade de o homem deixar o ‘fazer’ das coisas para as máquinas. Aumentou seu potencial de tempo para o ‘agir”.

Trata-se de constatação libertária que deveria permitir nossa reflexão sobre o atraso com que discutimos o tema do trabalho e da ocupação na sociedade contemporânea.

Em primeiro lugar, destrava o livre pensar e agir, em prol da sociedade desejada, mais igualitária e justa.

Em segundo lugar, incita à reflexão sobre o trabalho e o lazer no século XXI, trazendo à tona questões como os direitos sociais universais, inclusive à renda mínima, à saúde, à educação e ao próprio lazer, como prescreve a constituição brasileira, no visionário artigo 6.

A exemplo do verão, podemos buscar a luz onde ela estiver, não onde “deveria” estar, por determinação de qualquer ordem.

Termos a própria cabeça como bússola e biruta é boa e saudável prática, sem restrições de preconceitos ou modelos de felicidade alheia.

Alguns, chamam a isso “inteligência”, cuja etimologia, de fato, remete a “ler dentro”, em profundidade, movimento vertical que conduz ao horizontal, em constante conversa dialética entre um plano e outro do pensamento.

No mesmo diapasão, Noam Chomsky, em “Natureza Humana: Justiça vs. Poder”, da Editora Martins Fontes, elucida: “Nunca vi uma criança que não quisesse construir alguma coisa usando blocos de montar, ou aprender algo novo ou experimentar uma nova tarefa. E acredito que o único motivo de os adultos não serem assim é porque eles foram mandados para a escola e para outras instituições opressoras, que mataram esse impulso”.

Como aprender sem prender?

Como aprender, libertando?

Não é o conhecimento a fonte da liberdade?

Na referida obra, Chomsky reflete: “Creio que, ao final das contas, faria bastante sentido, em muitos casos, agir contra as instituições legais de determinada sociedade se, ao fazê-lo, você estivesse golpeando as fontes de poder e opressão dessa sociedade.

Contudo, em larga medida, as leis existentes representam determinados valores humanos, que são valores humanos decentes; e as leis existentes, interpretadas corretamente, permitem muito daquilo que o Estado ordena que você não faça. E penso que é importante explorar o fato…é importante explorar as esferas da lei que estão formuladas de maneira adequada e, então, talvez agir diretamente contra aquelas esferas da lei que simplesmente ratificam um sistema de poder”.

Chomsky, portanto, explora as interações entre o determinismo das leis e o possibilismo da legitimidade delas, de sorte a trazer aos indivíduos a responsabilidade do conhecimento e, com base nele, a obediência ou não aos preceitos que podem ser até legais, mas não são legítimos.

Nesse sentido, complementa: “É correto executar ações que evitarão atos criminosos do Estado”. E aduz: “…muito daquilo que as autoridades do Estado definem como desobediência civil não é, na verdade, desobediência civil; de fato, trata-se de um comportamento legal e obrigatório que viola as ordens do Estado, que podem ou não ser legais.

Portanto, creio que devemos ter um pouco de cuidado ao chamarmos as coisas de ilegais”.

Destarte, Chomsky delimita o legalismo, que, como vimos no episódio criminoso da “Lava Jato”, pode servir para mascarar o mais deslavado ódio de classe e destruir toda uma nação, como vem ocorrendo diuturnamente no Brasil do projeto neocolonial genocida. A esse respeito, pondera: “…o Estado não está autorizado necessariamente a definir o que é legal. Ora, o Estado tem o poder de impor determinado conceito do que é legal, mas poder não implica justiça nem mesmo precisão…”.

A vacina representa, neste momento, nosso maior possibilismo. Não percamos isso de vista ou horizonte, trata-se na nossa responsabilidade.

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