Tânia Maria S. Oliveira

Assessora jurídica Senado e membra da Coordenação Executiva da ABJD

Opinião

A responsabilidade da ANS nos crimes do caso Prevent Senior

Escrevi, em parceria com uma colega profissional da área de saúde, sobre a responsabilidade do Conselho Federal de Medicina em sua omissão criminosa ao permitir que médicos agissem autonomamente para receitar medicamentos ineficazes a pacientes com Covid-19 e não exercer corretamente seu poder fiscalizador. A […]

Hospital da Prevent Senior em São Paulo
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Escrevi, em parceria com uma colega profissional da área de saúde, sobre a responsabilidade do Conselho Federal de Medicina em sua omissão criminosa ao permitir que médicos agissem autonomamente para receitar medicamentos ineficazes a pacientes com Covid-19 e não exercer corretamente seu poder fiscalizador.

A proximidade da direção do CFM com o governo Bolsonaro é evidente. O silêncio ensurdecedor do Conselho sobre os fatos agora revelados é um verdadeiro escárnio, um desrespeito incomensurável às famílias das vítimas cujas práticas intoleráveis foram fatais.

Ocorre que as perguntas óbvias diante de tantas bárbaras irregularidades também precisam ser feitas a outro órgão regulador. Como foi possível chegar até aqui sem que nada tenha sido verificado ou revelado antes pela ANS? Como os órgãos que têm a obrigação de operar na defesa da saúde da população brasileira e na adoção de políticas de saúde competentes e dignas podem ter se acovardado diante de evidências de práticas de exercício profissional antiético e prestação de serviços com suspeitas de anomalias?

Quando começou a pandemia de Covid-19 a Prevent Senior – com sua carteira muito específica de clientes idosos – procurou pontes com o governo federal. Ao não conseguir tratar com o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, passou a trabalhar com o grupo de médicos que estava assessorando Jair Bolsonaro, que ficou conhecido como “gabinete paralelo da saúde”, contando com a complacência das autoridades sanitárias. A Prevent Senior tinha a segurança de que não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de órgãos a ele vinculados.

Foi essa segurança que os fez iniciar um protocolo experimental com a Cloroquina. Esse foi um dos pontos centrais do depoimento da advogada Bruna Morato à CPI da Pandemia no último dia 27. A Prevent Senior funcionou como o SUS do governo Bolsonaro, em pacto com o ministério da economia nos objetivos de impedir o isolamento social e as medidas para contenção da propagação do Coronavírus. Ações eram orquestradas na intencionalidade de que o país não parasse.

Voltando à pergunta inicial, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS é o órgão com competência para regular o setor de saúde suplementar, os planos de saúde, podendo neles intervir quando encontra falha assistencial. Poderia ter usado uma de suas prerrogativas legais para corrigir protocolos e acompanhar de perto o que acontecia. Não sendo muito lembrar que a Prevent Sênior é notícia desde o começo da pandemia e que já houve diversas denúncias, desde abril de 2020, sobre desvios de condutas da empresa, desde coação a profissionais de saúde a negativa do direito à informação a usuários.

A Prevent Senior é uma operadora de plano de saúde verticalizada. Significa dizer que possui a parte financeira, que faz gestão do seguro de saúde e, também, uma rede assistencial própria, possui hospitais. É verticalizada porque executa as duas funções e por isso detém mais poder, como o de definir protocolos de medicamentos. Por essa razão devem os órgãos de regulação, como os conselhos de medicina e a ANS exercer sobre essas operadoras uma maior fiscalização, para proteger o usuário.

No dia 30 de junho 2020, em um evento formal virtual da ANS denominado “Cuidados em Saúde Durante a Pandemia Experiências na Saúde Suplementar”, a Prevent Senior foi aplaudida e tratada como uma das quatro “experiências bem-sucedidas no contexto da coordenação do cuidado e gestão de pacientes crônicos durante uma pandemia de covid-19“. A live contou com apresentação do diretor executivo da Prevent, Pedro Batista, um dos investigados da CPI da Pandemia.

Finalmente agora, diante de todos os fatos e denúncias e após o depoimento da advogada Bruna Morato à CPI, a ANS lavrou um auto de infração contra a Prevent Senior por ter deixado de comunicar aos usuários informações estabelecidas em lei, no caso por não ter informado aos pacientes e seus familiares que estavam sendo medicados com o chamado “kit covid”, ato tipificado no art. 74 da Resolução Normativa nº 124 de 2006 da ANS.

Longe de ser suficiente e chorando sobre o leite derramado, a ANS, na verdade, precisa também ter suas condutas apuradas.

A Prevent Senior foi um campo de experimentos para teses anticientíficas. A autonomia médica não existia. A porta de saída era a porta de entrada dos cemitérios. E, ao que tudo indica, há outros planos de saúde ou operadoras envolvidos nessa política de morte, tendo forçado seus funcionários a receitar os remédios do chamado “kit Covid”. A ocultação das mortes por Covid-19, retirando do prontuário dos pacientes o código que indicava a doença é a pá de cal, a maior evidência de uma conduta criminosa que se buscou ocultar.

Há um protocolo diferente para velório e sepultamento das pessoas que morrem por Covid-19. Diante da fraude nos atestados de óbito muitas perguntas podem surgir, tais como: quantas pessoas foram contaminadas ao ter contato com os mortos? quantas também morreram em decorrência? O tamanho da responsabilidade sobre esses crimes e seu alcance lesivo são muito difíceis de mensurar. O que não pode ser obstáculo para buscar os dados.

Certo é que essas pessoas, dentro e fora da estrutura do Estado, brincaram de Deus, decidindo quem deveria viver ou morrer. Em nome da pátria e da família, evidentemente. A apuração de todas as responsabilidades é uma imposição civilizatória.

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