Frente Ampla

A miséria e a desigualdade como projeto

A fome tem endereço, gênero e cor. Estamos no limite do inaceitável

Ilustração em viaduto de São Paulo critica passeios do presidente Jair Bolsonaro (PL) em jet ski durante profunda crise econômica. Foto: Nelson Almeida/AFP
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Some a população de Portugal, Suécia e Bolívia. Imagine a totalidade dessas pessoas sem ter o que comer diariamente. Ou 100% dos peruanos. Ou, quem sabe, um contingente de famélicos equivalente a dez vezes a população do Uruguai. Esse é o tamanho da tragédia do Brasil em 2022.

Dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Rede Penssan) nos chocam e causam indignação ao informarem que o Brasil soma atualmente cerca de 33,1 milhões de pessoas sem qualquer acesso ao que comer dia após dia.

Mas, se enganam os que pensam que o horror para por aí. A pesquisa mostrou, ainda, que 125,2 milhões de brasileiros – quase 60% da população! – vivem com algum grau de insegurança alimentar. Do outro lado, a Oxfam traduz o tamanho da desigualdade imposta aos brasileiros e brasileiras quando expõe o aumento da riqueza dos bilionários durante a pandemia: 30%, o que significa um aumento de R$ 219 bilhões em suas fortunas. Vinte bilionários novos surgiram no Brasil neste período, enquanto outros passam fome. Apenas quatro bancos (Itaú, Santander, Bradesco e Banco do Brasil) lucraram R$ 157 bi nos dois anos de pandemia.

Os ricos ficando mais ricos e os pobres mais pobres. Isso não é um acaso, não é destino, é um projeto político voltado para o desemprego, para a fome e para aprofundar as desigualdades. Um projeto que prioriza o interesse de poucos em detrimento da maioria.

Arautos do governo jogam a responsabilidade na pandemia, mas não conseguem esconder os números e os dados. O Estado deixou de investir e de ser indutor do investimento, das politicas industriais e demais politicas geradoras de emprego e renda. Empresas estratégicas como a Petrobrás foram impedidas de atuar para o desenvolvimento nacional e potencializar cadeias produtivas e consequentemente gerar postos de trabalho no país. Bancos públicos deixaram de abrir linhas de crédito para pequenos e médios investidores em condições factíveis. Políticas públicas de combate à extrema pobreza desenvolvidas entre 2004 e 2013 e que restringiram a fome a apenas 4,2% dos domicílios brasileiros, foram desconstruídas a partir de 2016.

A primeira a tombar foi a prioridade política. A esse descaso se somou o extermínio da política de valorização do salário mínimo. Seguiu-se uma agenda de reformas que cortaram direitos trabalhistas e previdenciários. Acabaram com programas de fortalecimento da Agricultura Familiar e camponesa e, não satisfeitos, extinguiram o Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Chegamos a 2020, início da pandemia, com um sistema de proteção social desmantelado e incapaz de salvar vidas ou conferir dignidade aos que mais receberam o impacto da Covid-19. O resultado não poderia ser outro. Mortes evitáveis. Retorno ao mapa da fome. A miséria chegando onde antes chegavam direitos e cidadania. O desespero batendo à porta dos que antes tinham perspectivas e esperança.

A fome tem endereço, gênero e cor. Atinge em maior parte os lares sustentados por mulheres e com mais força quando são mulheres negras. Ela é maior nas casas em que o responsável pelo sustento está desempregado(a). Ela é filha do desprezo dos governantes que viraram as costas para a maioria do povo. Como dizia Betinho, “a alma da fome é política”.

O trabalho de quase duas décadas foi inteiramente abandonado e a democracia sendo permanentemente fragilizada. Este não é o país que queremos. Não é o Brasil que nosso povo merece.

Estamos no limite do inaceitável. Não pode mais haver dúvida sobre a necessidade de mudança no Brasil. Não posso crer que a fome do outro não sensibilize as pessoas que tem refeição todos os dias. Que a desnutrição dos filhos de outras mulheres não toque o coração das mães brasileiras. O que falta para que a sociedade se movimente e impeça a consolidação da barbárie e nos devolva a possibilidade de construirmos uma civilização onde possamos olhar uns para os outros sem sentirmos vergonha da nossa omissão?

É hora da união de todos para ativar nossa potência de patriotas, solidários e solidárias com nossos irmãos e irmãs, de elevar nossa capacidade de luta, de amor à nossa geração e às gerações futuras, de ativarmos nossa energia e saltarmos os obstáculos que nos seguram nas trevas e chegarmos numa fase de luz e beleza, de direitos e superação de tamanha desigualdade, preconceito e ódio.

É tarefa de cada um e de cada uma. Não desistir frente a escalada do fascismo. Manter a esperança e a coragem. Olhar para as urnas e exercer com confiança a escolha pelo projeto que representa a unidade mais ampla e já se mostrou ao lado da democracia e do nosso povo. Assim venceremos a fome. Assim deixaremos de nos envergonhar do triste espaço a que relegaram o país aos olhos do mundo. Assim voltaremos a respirar os ares da democracia, do desenvolvimento e dos direitos!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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