Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

A loucura de Bolsonaro chegou a um ponto sem retorno?

Como diria o ex-capitão Nascimento em ‘Tropa de Elite 2’: ‘O sistema é foda’

Foto: Fernando Frazão/ABR
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Nós nos acostumamos, infelizmente, a associar o presidente Bolsonaro à ditadura. São décadas de falas elogiosas à arbitrariedade, de apologia ao regime militar no Brasil e a conhecidos torturadores.

Muitos suspeitam que o sucesso da eleição do Bolsonaro não foi apesar destas falas, mas justamente por causa delas.

Não há dúvida de que existe em um considerável segmento da população brasileira adulta um espírito de demonização da política. Fomos treinados a odiar políticos e todas as maracutaias que eles engendram nos bastidores do poder; são todos ladrões, corruptos e merecem a cadeia; são a origem de todos os males e se o país não prospera é por causa desta degeneração moral inerente ao poder.

Talvez você até esteja lendo estas acusações e concordando com a cabeça. Verdades sendo proferidas contra uma classe política muito mais corrompida do que em outros países, então é por isto que o Brasil não vai pra frente.

Na obra “Por que as nações fracassam”, Daron Acemoglu e James A. Robinson nos propõem uma interpretação distinta. Não seria a classe política que corrompe o sistema, mas um sistema excludente que corrompe as pessoas. Na base, teríamos instituições calcadas na perpetuação de privilégios de certas elites e, dentro delas, cada um luta para obter o máximo de privilégios possível.

Como diria o ex-capitão Nascimento em “Tropa de Elite 2”: “O sistema é foda”.

Jair Bolsonaro é cria deste sistema excludente: quase 30 anos de parlamentar, enriquecendo a si próprio e a seus familiares nesta carreira, elegendo 3 filhos e preparando o quarto para a vida política, e permanentemente (pelo menos na superfície) antagonizando o mesmo sistema que o alimenta.

A retórica antissistêmica não é acidental. Ela fala diretamente para uma população indignada diante de tanta ineficiência do Estado, que se sente abandonada ou sugada por um parasita que raramente cumpre o que promete. Pois um sistema excludente visa favorecer a poucos, e comumente nós não fazemos parte desta conta.

Ao alimentar as chamas da insatisfação popular, munindo-se de uma mitologia messiânica disseminada no interior de certas igrejas neopentecostais, Bolsonaro capitalizou no espírito de ódio à política. Ele, o político profissional, passa a se tornar o libertador de toda a política.

Bolsonaro tosse após discursar em ato em Brasília (Foto: Sergio LIMA / AFP)

Presidente Jair Bolsonaro participa de ato antidemocracia. Foto: AFP

E é aí que entra o apelo ao autoritarismo.

A democracia é confusa, e todos sabemos disto. Exige articulação, diálogo, debates, divergências, quando não raro “toma-lá-dá-cá” — uma deficiência detectada até nas democracias mais sólidas. É um sistema político bagunçado e muitas vezes frustrante. Para quem olha de fora, ou mesmo de dentro, a sensação é que pouco é feito e que nada avança.

É fácil se frustrar com a democracia, pois ela não costuma apresentar saídas rápidas e fáceis para problemas complexos. Exige a construção de acordos e de um consenso. Requer a transposição de diferenças políticas e, em situações críticas, até que fidelidades ideológicas sejam postas de lado. São complexas assim todo todas as sociedades complexas.

Mas a saída autoritária promete resoluções simplificadas. Em vez de dialogar com diferentes poderes e agentes políticos, cada qual com sua respectiva agenda, um autocrata manda e desmanda. Não precisa convencer ninguém e se respalda num pequeno círculo de apoiadores que orbitam e se beneficiam desta proximidade com o poder.

As ditaduras não são menos corruptas que regimes democráticos, pelo contrário, geralmente são exponencialmente mais corrompidas. Entretanto, são igualmente menos transparentes, ou seja, a população não sabe o que se passa.

Sem uma imprensa livre, sem instituições reguladoras e fiscalizadoras, sem os freios e contrapesos necessários, um ditador parece ser imparável e eficaz, quando, na realidade, é exatamente o oposto.

O presidente explora o sentimento de insatisfação e propaga a ilusão de que, se não fosse “chantageado” pelo Congresso ou atado pelo Supremo, ele conseguiria fazer tudo aquilo que prometeu.

Já vimos várias demonstrações de flerte com um autogolpe e a base bolsonarista vai ao delírio. Pensam que isto trará um cenário melhor, e isto implica também na perseguição e extinção de qualquer oposição política – entenda-se a esquerda, que, neste espírito de demonização política, foi contaminada com a pecha exclusiva de “corrupta e autoritária”.

Outra vez mais, Bolsonaro vai às ruas e joga querosene no fogo da indignação popular, portando-se como a única saída viável para a profunda crise que se sucederá à pandemia. Depois, como sempre, recua e afirma que é um defensor da Constituição e da democracia.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, muniu-se de uma analogia já bastante desgastada para retratar a cena deste último domingo: Bolsonaro “atravessou o Rubicão”. Mas ele já fez isto várias vezes antes diante do olhar impassível da oposição e de outras forças democráticas que se contentam apenas em repudiar seus atos na imprensa ou nas redes sociais.

Contudo, o que nos preocupa não é se cruzou ou não os limites, mas qual será a reação? Continuará impune? Zombando das instituições, corroendo-as, pondo-as em perigo?

Ficaremos nesta trama circular, como um pesadelo sem fim?

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