Rogério Sottili

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Diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog. Foi Secretário Especial de Direitos Humanos do Governo Federal, Secretário Municipal de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo, Secretário Executivo da Secretaria Geral da Presidência e Secretário-Executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Lucas Paolo Vilalta

Coordenador da área de Memória, Verdade e Justiça do IVH.

Veronica Tavares de Freitas

Socióloga na área de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog

Opinião

A Lei de Segurança Nacional e os entulhos do autoritarismo

Reformas pontuais na LSN podem representar avanços, principalmente em suas tipificações penais vagas. Mas seu fundamento é em si um problema

A repressão aumentou a partir de 1968 (Foto: Flickr)
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A pandemia da Covid-19 se agrava de forma dramática, ceifando centenas de milhares de vidas e impactando toda a população. No lugar de agir para unir forças na superação deste quadro, a gestão federal intensificou o seu desgoverno e suas ameaças à democracia brasileira. Ao invés de combatermos um atroz inimigo comum, o coronavírus, o governo federal, no anseio de reinventar inimigos internos, mergulha cada vez mais profundamente nos escombros de nosso passado autoritário para resgatar um de seus piores entulhos: a Lei de Segurança Nacional (LSN).

A legislação representa uma das heranças mais diretas da ditadura militar no Brasil. Junto com a anistia a crimes como tortura e ocultação de cadáveres, o uso de ambas as normas representa uma transição que não foi realizada na redemocratização. Isto é, não ocorreu a responsabilização penal para as graves violações de direitos humanos, bem como persiste no ordenamento jurídico a afirmação de um inimigo interno, tornando inconclusa a garantia de liberdade de expressão e do pleno exercício da ação política no Brasil.

Afinal, a LSN se baseia numa concepção que vê nas diferentes opiniões e na oposição política uma ameaça permanente, tolhendo a organização de movimentos sociais, intelectuais críticos, artistas engajados e partidos políticos. A democracia precisa desse ativismo e pluralidade não apenas para constatar que direitos individuais fundamentais são garantidos, mas porque são tais atores, historicamente, os responsáveis pelo  avanço na conquista de direitos, constantemente bloqueados e ameaçados pela realidade brutal de desigualdade e violência estatal que impera no país.

A Lei mantém viva a lógica de um “inimigo interno”, sendo uma legislação de exceção e de suspensão de direitos que tem permitido a agentes estatais atacar adversários políticos por meio de seu uso arbitrário. A indefinição do “inimigo interno” é o que gera uma eficiência perversa à norma e às medidas repressivas adotadas.

Segundo levantamento da Conectas Direitos Humanos há um crescimento exponencial do uso da LSN no Brasil. Se olharmos para o período que vai de 2000 a 2020, foram 186 inquéritos instaurados com base na lei. Destes, são 7 em 2016, 5 em 2017, 19 em 2018, 26 em 2019, 46 em 2020. Ao incluirmos os casos de 2021, mais da metade do total terá ocorrido no governo de Jair Bolsonaro.

Neste contexto, reformas pontuais na LSN podem representar avanços, principalmente no tocante a suas tipificações penais vagas. No entanto, o seu fundamento é em si um problema, pois não pode haver em regimes democráticos “inimigos internos”, dado que a pluralidade política é justamente o melhor remédio contra o autoritarismo. Pelo contrário, uma suposta defesa que a LSN faria das instituições se revela como uma falácia diante de uma história marcada por golpes contra a democracia, repressão a movimentos políticos e altos índices de injustiça social e racismo institucional. Já passou da hora das instituições e forças democráticas assumirem sua responsabilidade na eliminação dos entulhos autoritários que persistem na legislação brasileira. Afinal, diante da experiência vivida até aqui, de que serviu – e a quem serviu – até hoje a implementação da Lei de Segurança Nacional em nosso país?

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