Daniel Dourado

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Médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.

Opinião

A importância da CPI da Covid-19

A investigação parlamentar pode criar as condições políticas para o impeachment de Bolsonaro

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Carolina Antunes/PR
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Na semana passada, foi protocolado no Senado o pedido de abertura da CPI da Covid-19 para investigar a atuação do governo Bolsonaro. Com o objetivo declarado de não se indispor com o governo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já deixou claro que pretende se satisfazer com as declarações dadas pelo ministro Eduardo Pazuello na sessão temática da casa.

Mas a necessidade da CPI não se esgota nas explicações do ministro da Saúde. É essencial investigar as atitudes de Jair Bolsonaro.

A tragédia de Manaus, que representa o auge da violação do direito à saúde dos brasileiros, tem por si só elementos suficientes para a responsabilização do presidente. Poucas semanas antes do colapso em Manaus, a Câmara de Comércio Exterior elevou o imposto de importação sobre os cilindros de oxigênio (que estavam isentos desde março de 2020). Dias antes, os voos da FAB que abasteciam a cidade com cilindros deixaram de acontecer.

O governo foi alertado sobre a falta de oxigênio com antecedência. E o que fez Bolsonaro? Continuou divulgando o tal “tratamento precoce”, uma criação do seu governo para iludir o povo brasileiro.

Mas a CPI tem que ir além. Precisa apurar a campanha deliberada de Bolsonaro contra medidas sanitárias eficazes para controlar a propagação da epidemia no país, a pretexto de “salvar a economia” – como se houvesse economia a ser salva em meio a uma crise humanitária sem precedentes.

Também deve investigar o boicote à estratégia de vacinação (que, além de semear a desconfiança, colocou o Brasil no fim da fila para a compra de imunizantes) e o conflito com governos estaduais e municipais, minando a cooperação federativa quando ela era mais necessária.

Se o fizerem com o mínimo de interesse, os parlamentares vão mostrar à sociedade aquilo que eles já devem saber: Bolsonaro agiu consciente e voluntariamente contra o combate à Covid-19 para obter vantagens para si e prejudicar seus adversários. Cometeu inúmeros crimes de responsabilidade, propagando mentiras e desrespeitando direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

Parece haver um consenso de que hoje não existem condições políticas para a abertura de um processo de impeachment. Falta mobilização popular para derrubar a popularidade do presidente e, principalmente, para impulsionar os acordos políticos necessários para organizar o que virá depois de Bolsonaro.

É justamente por isso que uma CPI é importante. Na situação atípica provocada pela Covid-19, que inviabiliza movimentos de rua, a investigação feita no Congresso pode trazer à tona os fatos que evidenciem que não é por acaso que o Brasil é o pior país do mundo na gestão da pandemia. U

m dos papeis das CPIs é o de informar a sociedade e, em diferentes momentos da história brasileira, elas foram responsáveis por mudar consideravelmente a conjuntura política.

Pode soar otimista demais pensar que, logo agora que Bolsonaro fechou os acordos com o centrão, uma CPI seria capaz de transformar o cenário ao ponto de possibilitar o impeachment. Por outro lado, não parece haver ideias melhores no momento. O objetivo da CPI tem que ser chegar ao presidente.

Bolsonaro tem dado todos os avisos de que pretende impor sua escalada autoritária. Depois de tudo o que ele já fez, se o impeachment sequer for aberto, imaginem o que ele vai se sentir encorajado e fazer? Não podemos correr esse risco.

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