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Salman Rushdie, um escritor ‘marcado’ pelo obscurantismo religioso

O autor de ‘Versos Satânicos’ foi esfaqueado durante um evento em Nova York

Foto: Tolga Akmen/AFP
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O escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie, esfaqueado nesta sexta-feira 12, no estado de Nova York, foi “marcado” desde 1989 por uma fatwa do regime islâmico iraniano, que considerou “blasfemo” o seu romance “Versos Satânicos”. 

O escritor de 75 anos, cujo estado de saúde é desconhecido, viveu desde então sob proteção, embora buscasse constantemente não ser reduzido a essa questão que causou agitação no mundo muçulmano.

“Meu problema é que continuam a me ver sob o único prisma da fatwa”, comentou certa vez, determinado a manter sua identidade de homem das letras, sem se tornar símbolo de nada. 

Mas a ascensão do islamismo radical fez com que seu nome se referisse repetidamente, especialmente no Ocidente, à imagem de um combatente contra o obscurantismo religioso e a favor da liberdade de expressão.

Em 2005, ele considerou que a fatwa (decreto religioso) emitida pelo aiatolá Khomeini para incitar seu assassinato preludia os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. 

E em 2016 declarou: “Meu caso nada mais foi do que uma prévia de um fenômeno muito mais amplo que agora diz respeito a todos nós”. 

Rushdie, com seus óculos de aros finos e olhar irônico, narrou seus anos vivendo escondido em “Joseph Anton”, publicado em 2012. O título vem do pseudônimo que ele usou na época, inspirado nos escritores Joseph Conrad e Anton Chekhov. 

O escritor, nascido em junho de 1947 em Bombaim, passou uma década escondido, mudando constantemente de casa e incapaz de dizer aos filhos onde morava. 

Uma solidão que se aprofundou após o rompimento com sua esposa, a romancista americana Marianne Wiggins, a quem dedicou “Versos Satânicos” que incendiaram grande parte do mundo muçulmano. 

“Estou amordaçado e preso (…). Gostaria de jogar futebol com meu filho. Uma vida comum, trivial, um sonho inacessível para mim”, escreveu.

Cansado de ser “invisível”

A partir de 1993, cansado de ser um “homem invisível”, Salman Rushdie começou a multiplicar suas viagens e aparições públicas, embora sempre sob a proteção do governo britânico.

Nos últimos anos fixou-se em Nova York, onde levava uma vida quase normal, escrevendo obras impregnadas de sátira e irreverência. 

A fatwa nunca foi revogada e muitos tradutores de “Versos Satânicos” sofreram ataques. 

O tradutor japonês de seu romance, Hitoshi Igarashi, foi esfaqueado até a morte em Tóquio em julho de 1991. 

Em 2008, Rushdie foi nomeado cavaleiro pela rainha Elizabeth II. O anúncio dessa distinção, um ano antes, provocou protestos do Irã e do Paquistão, onde um ministro chegou a afirmar que tal afronta justificava atentados suicidas. 

Em 2018, o escritor garantiu que “Versos Satânicos” era uma obra amplamente “incompreendida”. 

“É um romance sobre imigrantes do sul da Ásia em Londres e sua religião apenas um aspecto dessa história”, disse ele.

Entre fantasia e história

O mundo de fantasia das obras de Rushdie tem cativado os leitores desde a década de 1980, quando seu segundo romance, “Os Filhos da Meia-Noite”, foi aclamado internacionalmente por retratar a Índia pós-independência e ganhou o prestigioso Prêmio Booker. 

Sua obra inclui romances, contos e livros de não-ficção. 

Apareceu em filmes, como “O Diário de Bridget Jones”, ou na série americana “Seinfeld”. 

Rushdie permaneceu inabalável em sua defesa da liberdade de expressão e, após o atentado que dizimou a equipe da revista satírica francesa Charlie Hebdo em 2015, insistiu que a religião deveria ser alvo de piadas. 

“Estou com Charlie Hebdo, como todos deveriam, para defender a arte da sátira, que sempre foi uma força de liberdade contra a tirania, a desonestidade e a estupidez”, disse ele.

“‘Respeito pela religião’ tornou-se um código para ‘medo da religião’. As religiões, como todas as outras ideias, merecem crítica, sátira e, sim, nosso destemido desrespeito”.

Antes de se tornar escritor, Rushdie teve uma carreira de sucesso na publicidade.

Estudou história na Universidade de Cambridge. Sua escolaridade se dividiu entre a Bombaim de sua infância e o Reino Unido.

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