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Promotores europeus unem forças para levar justiça à Ucrânia

De Kiev a Haia, passando por jurisdições nacionais: cooperação jurídica entre diferentes tribunais visa colocar líderes russos no banco dos réus por crimes de guerra e outras agressões cometidas na Ucrânia

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Mais de 100 dias de conflito. Mais de 15 mil supostos crimes de guerra, com centenas de outros possivelmente sendo cometidos todos os dias. E para Iryna Venediktova, “todos sabem quem é o responsável por essa guerra, por essas mortes, por tudo que está acontecendo na Ucrânia”.

“Foi o presidente da Federação Russa e seu gabinete quem de fato começou essa guerra, para matar civis, estuprar civis, torturar civis”, disse a primeira mulher a ocupar o cargo de procuradora-geral da Ucrânia, em entrevista à DW.

Dia após dia, Venediktova acumula mais recursos para levar à Justiça esses oficiais que ela acusa, em nome de toda a humanidade, segundo ela própria diz.

“É o principal objetivo de todo o mundo civilizado, de todas as pessoas que falam sobre Estado de direito, sobre justiça, sobre direito internacional, que as pessoas responsáveis pela morte de outras pessoas, pelo crime de agressão, por invadir um país vizinho e tomar a terra e matar seu povo, sejam punidas de verdade”, afirmou a procuradora-geral.

Esse é também o objetivo de uma nova Equipe de Investigação Conjunta (JIT, na sigla em inglês), sediada em Haia, na Holanda, com a coordenação e o financiamento da Eurojust, agência de cooperação judiciária da União Europeia (UE), bem como a participação do Tribunal Penal Internacional (TPI) e um número crescente de governos individuais, que planejam perseguir casos sob o princípio legal conhecido como “jurisdição universal”.

O presidente da Eurojust, Ladislav Hamran, afirmou que essa se tornará a maior operação desse tipo já criada. “Nunca na história dos conflitos armados a comunidade jurídica respondeu com tanta determinação”, disse ele a repórteres nesta semana.

Cooperação jurídica internacional

O procurador-chefe do TPI, Karim Khan, afirmou que o esforço conjunto pode se tornar um modelo para outras investigações internacionais.

“Acho que é isso que é necessário para crimes da magnitude que vemos com frequência no TPI. Precisamos construir parcerias”, disse Khan a repórteres. “Não há dicotomia entre cooperação e independência. Cooperação não significa competição. Colaboração não significa disputar a independência. Temos que dar as mãos pelo interesse comum da humanidade, como autoridades da corte.”

Uma das formas significativas de a Equipe de Investigação Conjunta tentar agilizar e auxiliar os processos judiciais é por meio da centralização do armazenamento de provas na Eurojust, sejam provas colhidas por especialistas na Ucrânia ou em qualquer outra jurisdição.

A Eurojust fornecerá assistência tecnológica à equipe para a recolha de dados sobre crimes de guerra, bem como oferecerá intérpretes e tradutores para os grupos de investigação.

“Vamos garantir que tudo o que for coletado no âmbito dessa Equipe de Investigação Conjunta seja realmente compartilhável com todas as partes envolvidas”, disse Hamran, da Eurojust, acrescentando que isso ocorrerá rapidamente e sem a necessidade de solicitações formais e demoradas.

Agir contra a agressão

Mas mesmo com uma cooperação aprimorada, os casos envolvendo crimes de guerra, como os de homicídio ou especialmente de genocídio, geralmente levam anos para serem julgados devido ao ônus da prova extremamente alto.

A advogada de direitos humanos Lotte Leicht sugere haver um caminho mais rápido para a justiça: apostar no crime de “agressão”, que processa aqueles que estão no poder por tomarem a decisão de atacar, em vez de aqueles que cumpriram a ordem.

“[Agressão] não é um crime em que você precisa provar que crimes de guerra estão realmente sendo cometidos”, explica Leicht. “O próprio fato de você ter lançado a guerra ilegalmente contra outro país já é suficiente. É um crime muito mais fácil de provar e é muito mais direto em termos de quem é o responsável, porque foi anunciado publicamente na televisão [pelo presidente russo, Vladimir Putin]. Não é segredo quem carimbou [a decisão], não é segredo quem são os principais generais que agora a executam.”

Segundo a advogada, “cada bomba, cada bombardeio, cada tanque russo” na Ucrânia se qualifica como crime de agressão.

A Ucrânia também poderia julgar esses casos, afirma Leicht, mas a lei proíbe abrir processos contra autoridades atualmente no cargo. Isso significa que outro tribunal internacional deve ser criado para lidar com esses casos, semelhante aos Tribunais de Nurembergue após a Segunda Guerra Mundial, que julgaram os líderes nazistas.

Leicht diz acreditar que isso provavelmente acontecerá sob os auspícios do principal órgão de direitos humanos da Europa, o Conselho da Europa. A Irlanda, atual presidente do conselho, expressou a intenção de criar tal tribunal antes de seu mandato terminar em novembro.

“Queremos responsabilização”

Toda essa cooperação deve fazer com que os membros do Kremlin comecem a ficar um pouco preocupados, afirma a advogada de direitos humanos.

“Quem sempre contou com a impunidade, por crimes muito graves, incluindo o crime de agressão, deveria olhar para a história”, diz. “Aqueles que fizeram exatamente os mesmos cálculos na Europa – Milosevic, Karadzic, Mladic – estavam errados. Eles acabaram no tribunal.” Leicht se referia a Slobodan Milosevic, Radovan Karadzic e Ratko Mladic, que enfrentaram acusações relativas a crimes perpetrados pelas forças sérvias durante a guerra na Bósnia.

Na última terça-feira em Haia, ao lado dos principais promotores da Lituânia e do TPI, Iryna Venediktova expressou esperança de que também assim terminarão suas batalhas legais.

“Sinto, confio e espero que, com meus colegas internacionais, com a comunidade internacional de advogados, nós possamos falar sobre justiça”, disse a procuradora-geral ucraniana. “Precisamos de justiça. Queremos responsabilização.”

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