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Portugal comemora mais dias na democracia do que na ditadura

Nesta quinta-feira 24, o país atingiu um marco temporal histórico

Imagem: iStock
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É uma boa ocasião para dançar o vira, ouvir um fado vadio, sem melancolia, ou tomar um cálice de vinho do Porto. Nesta quinta-feira 24, Portugal atingiu um marco temporal histórico. O país vive a mais tempo na democracia do que na ditadura. São poucas, 24 ao todo, mas significativas horas. Ou 17,5 mil dias a respirar os ares da liberdade, contra 17.499 noites sob o jugo do regime salazarista, que manteve os portugueses por quase cinco décadas atados ao medo e ao atraso, até ser derrubado pela Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974.

“Estou realizado”, declarou aos jornais o coronel Vasco Lourenço, um dos rostos da revolução. “Hoje é um dia histórico”, tuitou o primeiro-ministro, António Costa. Há muito a comemorar. Desde aquele 25 de abril, quando a população saiu às ruas e distribuiu cravos aos militares rebeldes que haviam deposto Marcelo Caetano, o títere instalado no poder após um derrame do ditador António Salazar, na intifada que um desatento redator da Folha de S. Paulo, em um passado remoto, chamou de “A Revolução dos Escravos”, o país experimentou saltos rumo ao progresso. A taxa de analfabetismo caiu de 26% para 5% e a mortalidade infantil, de 8 mil para 240. A expectativa de vida passou de 68 para 81 anos. E, apesar de manter o salário mínimo mais baixo da comunidade, Portugal se aproxima cada vez mais do padrão de vida da União Europeia. Detalhe: Caetano, o preposto, refugiou-se no Brasil.

Quem destoou do tom de festa foi o Partido Comunista Português. Fundada em 1921, a mais longeva legenda em atividade no país, hoje a quinta, mas por muito tempo a terceira força eleitoral, reclamou do “esvaziamento” do significado da revolução e da decisão do governo de, a partir do marco histórico desta quinta-feira, antecipar o início das comemorações dos 50 anos da derrubada da ditadura. “Quando se salienta que passam mais anos desde o 25 de Abril de 1974 do que o tempo que durou o regime fascista, assinala-se uma realidade que se contrapõe aos tempos negros (sic) do fascismo. Mas importa sublinhar que se a realidade de Portugal hoje continua a ter a marca da Revolução de Abril, de muitas das suas conquistas, que o grande capital não conseguiu destruir, tem também a marca do processo contrarrevolucionário e dos graves problemas que gerou”, afirma em nota a agremiação.

Há uma dose de razão nos alertas do PCP. Embora a ditadura tenha terminado há quase cinco décadas, as viúvas do salazarismo nunca estiveram tão salientes. Após a revolução, os derrotados se abrigaram em parte no PSD, de centro-direita. A desagregação da legenda, incapaz de derrotar o PS, de centro-esquerda, fez brotar uma geração de “gremlins” na política portuguesa. O lema ‘Deus, pátria e família’ não se ouve apenas no Brasil. A mais vistosa, ou melhor, a mais ruidosa expressão desse movimento é o Chega, comandado por André Ventura, um ex-comentarista esportivo que descobriu uma “mina de ouro” eleitoral nos ataques a ciganos e a imigrantes pobres e na exaltação dos “tempos de glória” do colonialismo. Nas últimas eleições legislativas, o Chega tornou-se o terceiro partido com mais representantes no Parlamento.

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