Mundo

O fiasco de agências internacionais na imunização em África

Recusa na quebra de patente das vacinas e hegemonia farmacêutica são enredos que seguem o histórico desfavorecimento do continente africano.

Mulher etíope em campo de refugiados no Sudão. Foto de dezembro de 2020. Crédito: YASUYOSHI CHIBA / AFP
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As dimensões dos noticiários sobre a África são vergonhosas. Tem-se impressão de que, no atual momento, este continente, especialmente a região Subsaariana, inexiste no mapa do mundo. São sinais a nos alertar que a construção da realidade sobre a pandemia e diversas questões inerentes estão iminentemente ligadas a quem detém o poder das mídias. O tal poder que decide a visibilidade, a notoriedade, a atenção, a importância. Mas não é sobre o poder da imprensa que anseio refletir neste espaço de um artigo de opinião. Me expresso sobre o continente de meus ancestrais. Me alimento na rota deste Orí-entar-me na direção da centralidade dos desafios dos tempos atuais dessa África concreta, mas invisibilizada em seus corpos vibrantes, persistentes, e engajados; de seus desafios políticos, sociais e econômicos e dos efeitos da brutalidade do colonialismo e do capitalismo global em tempos de pandemia da Covid 19 sobre esse continente.

São mais de 4,5 milhões de infectados e 2,8 milhões de mortes, sendo a África do Sul o epicentro da doença. Dados como estes dividem a comunidade científica e jornalistas, especialmente do mundo ocidental, que relativizam o impacto, classificado como de “médio porte”. É uma tentativa de justificar o desvio do olhar sobre este continente, seus desafios, suas instabilidades políticas e econômicas e, neste momento extremo, o risco eminente de saturação dos sistemas de saúde pública com a pandemia da Covid-19, em um contexto (pré-existente e quase ignorado) de malária, como estima um estudo feito por cientistas britânicos.

Escrever em Diáspora é ter o Atlântico das águas-memória como bússola para ajustar a rota, esta rota que caminhamos a pés descalços e firmados no chão-raiz de nossa ancestralidade em mãe – África. É para lá que, neste momento, ajusto o meu olhar.

A imunização foi iniciada à conta-gotas desde o mês de fevereiro no Continente, em meio à crise de suprimento da vacina pelos grandes fornecedores da indústria farmacêutica do Norte Global. Em abril de 2020, por iniciativa da OMS (Organização Mundial de Saúde), Unicef e Gave, nasce a Covax, uma grande aliança de “doadores” para a “inclusão” de países lidos “pobres” no acesso a vacina. No contexto desta parceria, foram doadas, até então 18 milhões de vacinas, isto para um Continente de mais de 1 bilhão de habitantes. Paralelamente, ocorrem iniciativas bilaterais entre países, trazendo a Índia, a Rússia e a China à corrida de fornecedores. Ainda assim, na fila pela vacina, a África ocupa a última posição.

Esta realidade desafiadora mobiliza forças e posicionamentos contundentes de lideranças dos países africanos, como a do Ministro da Saúde do Kenia Mutahi Kagwe em entrevista à Deutsche Welle: “precisamos ser independentes tanto para a vacina quanto para produtos farmacêuticos, enquanto continente e país”. E conclui: “É insensato confiar nas nações ocidentais no que se refere a questões medicinais. Não queremos ser sempre os últimos em quem se pensa”.

O cenário se agrava quando os países “doadores” afiliados da iniciativa Covax, grandes contribuintes e membros das Nações Unidas, rejeitam a quebra das patentes das vacinas, alternativa ideal que permitiria aos países fora dos eixos das grandes indústrias farmacêuticas o uso de suas próprias infraestruturas na fabricação das vacinas e uma consequente autonomia na imunização de suas populações. Ao contrário: a manutenção das patentes garante a permanência da hegemonia da indústria farmacêutica do Norte Global e o faturamento gigantesco dos negócios bilionários com as vacinas, isto em detrimento do direito humano universal à saúde.

O fracasso nas iniciativas de organizações internacionais da sociedade Civil de países fragilizados no intuito de universalizar o acesso à vacina ao redor do Globo são um retrato dessa realidade.

As reivindicações da Índia (já em colapso do sistema de saúde e atual epicentro mundial da pandemia) e da África do Sul no sentido da quebra das patentes das vacinas foram rejeitadas nas últimas rodadas da OMC (Organização Mundial do Comércio). Dentre os membros que rejeitaram a proposta, encontram-se grandes nações industrializadas como a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Suíça entre outras que se mantiveram firmes na garantia de seus lucros bilionários.

As hierarquias de poder do Norte sobre o Sul Global sejam elas econômicas, sanitárias ou de condições para a produção da ciência são escancaradas através desta pandemia. Elas impedem o fortalecimento de iniciativas promissoras, fruto de esforços, vontade política e investimentos em tecnologias e infraestruturas criadas por diversos países do continente Africano.

Ao lidarmos com as soluções sintomáticas na “solidariedade” do mundo industrializado frente a pandemia é fundamental manter a coragem confrontativa da ex-ministra da Saúde de Ruanda, Agnes Binagwaho, se dirigindo às grandes nações do mundo ocidental em entrevista à Deutsche Welle: “Sejam honesto e digam: meu povo primeiro!! Não mintam para nós afirmando que somos iguais!“.

Que sejam quebradas todas as máscaras da suposta solidariedade internacional ao Continente Africano e que possamos seguir construindo nosso próprio caminho!

As dimensões dos noticiários sobre a África são vergonhosas. Tem-se impressão de que, no atual momento, este continente, especialmente a região Subsaariana, inexiste no mapa do mundo. São sinais a nos alertar que a construção da realidade sobre a pandemia e diversas questões inerentes estão iminentemente ligadas a quem detém o poder das mídias. O tal poder que decide a visibilidade, a notoriedade, a atenção, a importância. Mas não é sobre o poder da imprensa que anseio refletir neste espaço de um artigo de opinião. Me expresso sobre o continente de meus ancestrais. Me alimento na rota deste Orí-entar-me na direção da centralidade dos desafios dos tempos atuais dessa África concreta, mas invisibilizada em seus corpos vibrantes, persistentes, e engajados; de seus desafios políticos, sociais e econômicos e dos efeitos da brutalidade do colonialismo e do capitalismo global em tempos de pandemia da Covid 19 sobre esse continente.

São mais de 4,5 milhões de infectados e 2,8 milhões de mortes, sendo a África do Sul o epicentro da doença. Dados como estes dividem a comunidade científica e jornalistas, especialmente do mundo ocidental, que relativizam o impacto, classificado como de “médio porte”. É uma tentativa de justificar o desvio do olhar sobre este continente, seus desafios, suas instabilidades políticas e econômicas e, neste momento extremo, o risco eminente de saturação dos sistemas de saúde pública com a pandemia da Covid-19, em um contexto (pré-existente e quase ignorado) de malária, como estima um estudo feito por cientistas britânicos.

Escrever em Diáspora é ter o Atlântico das águas-memória como bússola para ajustar a rota, esta rota que caminhamos a pés descalços e firmados no chão-raiz de nossa ancestralidade em mãe – África. É para lá que, neste momento, ajusto o meu olhar.

A imunização foi iniciada à conta-gotas desde o mês de fevereiro no Continente, em meio à crise de suprimento da vacina pelos grandes fornecedores da indústria farmacêutica do Norte Global. Em abril de 2020, por iniciativa da OMS (Organização Mundial de Saúde), Unicef e Gave, nasce a Covax, uma grande aliança de “doadores” para a “inclusão” de países lidos “pobres” no acesso a vacina. No contexto desta parceria, foram doadas, até então 18 milhões de vacinas, isto para um Continente de mais de 1 bilhão de habitantes. Paralelamente, ocorrem iniciativas bilaterais entre países, trazendo a Índia, a Rússia e a China à corrida de fornecedores. Ainda assim, na fila pela vacina, a África ocupa a última posição.

Esta realidade desafiadora mobiliza forças e posicionamentos contundentes de lideranças dos países africanos, como a do Ministro da Saúde do Kenia Mutahi Kagwe em entrevista à Deutsche Welle: “precisamos ser independentes tanto para a vacina quanto para produtos farmacêuticos, enquanto continente e país”. E conclui: “É insensato confiar nas nações ocidentais no que se refere a questões medicinais. Não queremos ser sempre os últimos em quem se pensa”.

O cenário se agrava quando os países “doadores” afiliados da iniciativa Covax, grandes contribuintes e membros das Nações Unidas, rejeitam a quebra das patentes das vacinas, alternativa ideal que permitiria aos países fora dos eixos das grandes indústrias farmacêuticas o uso de suas próprias infraestruturas na fabricação das vacinas e uma consequente autonomia na imunização de suas populações. Ao contrário: a manutenção das patentes garante a permanência da hegemonia da indústria farmacêutica do Norte Global e o faturamento gigantesco dos negócios bilionários com as vacinas, isto em detrimento do direito humano universal à saúde.

O fracasso nas iniciativas de organizações internacionais da sociedade Civil de países fragilizados no intuito de universalizar o acesso à vacina ao redor do Globo são um retrato dessa realidade.

As reivindicações da Índia (já em colapso do sistema de saúde e atual epicentro mundial da pandemia) e da África do Sul no sentido da quebra das patentes das vacinas foram rejeitadas nas últimas rodadas da OMC (Organização Mundial do Comércio). Dentre os membros que rejeitaram a proposta, encontram-se grandes nações industrializadas como a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Suíça entre outras que se mantiveram firmes na garantia de seus lucros bilionários.

As hierarquias de poder do Norte sobre o Sul Global sejam elas econômicas, sanitárias ou de condições para a produção da ciência são escancaradas através desta pandemia. Elas impedem o fortalecimento de iniciativas promissoras, fruto de esforços, vontade política e investimentos em tecnologias e infraestruturas criadas por diversos países do continente Africano.

Ao lidarmos com as soluções sintomáticas na “solidariedade” do mundo industrializado frente a pandemia é fundamental manter a coragem confrontativa da ex-ministra da Saúde de Ruanda, Agnes Binagwaho, se dirigindo às grandes nações do mundo ocidental em entrevista à Deutsche Welle: “Sejam honesto e digam: meu povo primeiro!! Não mintam para nós afirmando que somos iguais!“.

Que sejam quebradas todas as máscaras da suposta solidariedade internacional ao Continente Africano e que possamos seguir construindo nosso próprio caminho!

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