Mundo
Evo Morales é alvo de interferência política na Justiça, aponta a Human Rights Watch
Organização apresenta sugestões para recuperar o Estado democrático de Direito na Bolívia
A Human Rights Watch, organização internacional de direitos humanos, publicou nesta sexta-feira 11 um relatório que aponta perseguição política e judicial ao ex-presidente da Bolívia Evo Morales.
O documento, intitulado “Justice as a Weapon – Political Persecution in Bolivia” (“Justiça como uma Arma – Perseguição Política na Bolívia”, em tradução livre), aponta que Morales foi forçado a renunciar à Presidência da Bolívia em novembro de 2019 por supostas fraudes eleitorais e em meio à pressão de militares.
Desde a queda de Morales, afirma a Human Rights Watch, o ex-presidente e integrantes de seu governo se tornaram alvos de uma interferência política do governo de Jeanine Áñez no sistema judicial.
A organização analisou 21 desses casos e apontou “acusações infundadas, violações do devido processo, cerceamento da liberdade de expressão e uso excessivo e arbitrário da prisão preventiva”.
Uma das vítimas da prática, segundo o documento, é Patricia Hermosa, ex-chefe de gabinete do governo Morales. As acusações contra ela se baseiam em ligações telefônicas para o ex-presidente após a queda do governo.
De acordo com a denúncia oferecida, as chamadas transformariam Hermosa em colaboradora dos supostos crimes atribuídos a Morales – embora não existam gravações ou transcrições das conversas, de acordo com a organização de direitos humanos.
Mesmo com a falta de provas, Hermosa foi presa preventivamente no final de janeiro, enquanto estava grávida. O relatório diz que ela não recebeu cuidados médicos e sofreu, durante dez dias em março, sangramentos que a levaram a perder o bebê. Em 5 de agosto, Hermosa passou a cumprir prisão domiciliar.
O relatório também aborda as acusações de terrorismo e financiamento do terrorismo apresentadas pelo Ministério Público da Bolívia contra o próprio Morales. Segundo o documento, a investigação contra ele se baseou especialmente em uma ligação telefônica realizada em 14 de novembro de 2019, quatro dias após Morales deixar o poder, na qual uma pessoa que supostamente seria o ex-presidente organizava um protesto com bloqueio de vias.
“Morales afirmou que o áudio foi ‘alterado’ mas não negou, nem admitiu que a voz seja dele. Mesmo que fosse Morales falando ao telefone, o conteúdo da conversa não mostra qualquer envolvimento em atos violentos, incluindo qualquer ato que fosse apropriadamente categorizado como terrorismo”, destaca a organização.
Depois da renúncia de Morales, em 10 de novembro, partidários do ex-presidente tentaram executar bloqueios e intensificaram protestos de rua. Como aponta a Human Rights Watch, após as partes chegarem a um acordo sobre a necessidade de realizar novas eleições, os simpatizantes de Morales iniciaram o desmonte dos bloqueios.
O ex-presidente foi apontado como responsável por atos violentos supostamente praticados por seus apoiadores nas manifestações. “No entanto, as provas contidas no expediente, que Human Rights Watch revisou e que consistem principalmente na chamada telefônica de novembro de 2019, simplesmente não respaldam essa acusação”, aponta o documento.
O relatório, entretanto, também sustenta que há registros de processos arbitrários contra adversários de Morales durante seus mandatos na Presidência.
“O governo de Morales debilitou a independência do sistema de justiça, criando uma situação que permitiu ao seu governo, e agora ao de Áñez, usar de forma indevida o sistema judicial com fins políticos”, diz a organização.
A Human Rights Watch ainda apresenta um conjunto de medidas a serem adotadas para “reafirmar o Estado de direito e o respeito aos direitos fundamentais de todos os bolivianos”.
Para a organização, a Bolívia deve promover profundas mudanças em seu sistema de justiça, entre as quais se destacam reformas que assegurem a independência dos juízes.
Além disso, o relatório recomenda que a justiça boliviana retire todas as acusações de terrorismo contra Morales e analise exaustivamente os casos que envolvem partidários do ex-presidente.
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