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EUA: Decisões da Suprema Corte sobre aborto, armas e clima são apenas o começo de reversões

Os efeitos da configuração atual da Casa serão sentidos por décadas, antecipam especialistas

Manifestantes em protesto pelo direito ao aborto nos Estados Unidos. Foto: Alex Edelman / AFP
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A Suprema Corte dos Estados Unidos, que ganhou um impulso à direita durante o governo do ex-presidente Donald Trump, apenas começou o que deve ser uma onda de reversões de decisões judiciais tomadas nas últimas décadas, com viés progressista.

Em apenas 10 dias, a mais alta instância judicial do país retirou o direito das americanas de abortarem, concedeu o direito dos civis de portarem uma arma em público, limitou drasticamente os poderes federais para combater as mudanças climáticas e ampliou o espaço da religião no espaço público americano. As decisões, adotadas pelos seis juízes conservadores da corte face a três colegas progressistas, são as primeiras demonstrações das novas forças em um Judiciário dividido. As sentenças marcam o fim de anos de uma composição mais equilibrada da Casa, que possibilitou determinações históricas como a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, em 2015.

Desde os anos 1970, a direita republicana buscava ampliar o peso no tribunal, no que era visto como a única possibilidade de reverter medidas que os conservadores jamais aceitaram. Com Trump, essa revanche foi possível.

Na sessão 2021-2022, encerrada na última quinta-feira (30), “a corte deu uma virada radical e súbita, numa direção muito mais conservadora”, atesta Stephen Wermiel, professor de direito constitucional da American University. “Foi uma rara situação de a Corte Suprema retirar radicalmente direitos constitucionais” dos americanos, apontou o especialista.

Polarização recente

A última vez que a Suprema Corte foi relativamente homogênea ideologicamente foi na década de 1960, quando promulgou algumas de suas reformas mais progressistas, lembra Neal Devins, especialista em direito da William & Mary University. Durante a presidência do juiz Earl Warren (1953-1969), o templo da lei mudou o cotidiano de milhões de americanos, acabando com a segregação racial, fortalecendo o poder do estado federal e lançando as bases para a decisão de 1973 que tornou o aborto um direito para todas as mulheres americanas.

A corte de Earl Warren foi criticada com veemência pelos conservadores, da mesma forma que a esquerda hoje ataca o trabalho do conservador John Roberts. Mas, diferentemente de hoje, os juízes não necessariamente decidiam as decisões mais cruciais conforme as suas supostas afinidades políticas. Cinco dos sete juízes que apoiaram a decisão de 1973 de estender o direito ao aborto a todos as americanas foram, por exemplo, nomeados pelos republicanos. Na Suprema Corte de hoje, o entendimento entre os dois campos é muito mais raro.

Discriminação positiva

O bloco conservador presidido por John Roberts também se distingue pela profunda convicção de que a Suprema Corte, no passado, concordou em examinar questões que não deveria ter que decidir. Esse é o argumento que os juízes usaram para justificar o cancelamento do direito ao aborto, alegando que cabia aos eleitores de cada estado americano decidir essa questão social.

O tribunal também considerou caber ao Congresso, e não a uma agência governamental independente, estabelecer padrões regulatórios, como limites de emissões de gases de efeito estufa. Os críticos acusam os parlamentares de ignorar deliberadamente a realidade no país, com os estados americanos tão profundamente divididos, da progressiva Califórnia ao conservador Wyoming.

A Suprema Corte também sabe que o Congresso, que tem dificuldades para adotar grandes reformas em questões sociais, “não funciona”, disse Richard Lazarus, professor de direito da prestigiosa Universidade de Harvard. No entanto, o tribunal “ameaça a capacidade do Estado de garantir a saúde e o bem-estar de seu povo, num momento em que os Estados Unidos e todas as nações do mundo enfrentam o maior desafio ambiental da história”, lamenta.

Parece improvável que o bloco conservador do tribunal desacelere a investida recém lançada. Os juízes concordaram em examinar uma série de casos potencialmente determinantes no início do ano letivo, principalmente relacionados à discriminação positiva e à maneira como as eleições são regulamentadas.

Após 50 anos de espera, os conservadores “têm a oportunidade de dar um rumo radicalmente diferente” ao país, avalia o professor Wermiel. “Eles não vão deixar essa chance escapar.”

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