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Especialistas criticam acordo da Pfizer por dificultar acesso a tratamento para a Covid

Grupo de pesquisadores da saúde pública declarou que mais pobres no Brasil terão menos acesso às pílulas antivirais da empresa americana

Pílulas antivirais da Pfizer podem auxiliar combate à Covid-19, diz empresa. Foto: AFP PHOTO/Pfizer
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Especialistas da saúde pública publicaram uma nota, nesta quarta-feira 17, em que afirmam que o acordo assinado entre a empresa americana Pfizer e a organização Medicines Patent Pool pode prejudicar pacientes brasileiros no acesso aos tratamentos contra a Covid-19.

O tratado envolve 95 países e facilita a aquisição de comprimidos orais desenvolvidos pela Pfizer para a doença, por meio da fabricação de versões genéricas sob custo mais barato. Os medicamentos têm 89% de eficácia contra a Covid-19, segundo a companhia estadunidense.

Apesar de incluir países de renda média e baixa, o acordo não compreende países como o Brasil e a Argentina. O Brasil, portanto, terá de comprar o remédio original da Pfizer, o Paxlovid, que terá preços mais altos.

Para os pesquisadores do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, o GTPI, que reúne organizações ligadas à saúde pública, esses termos agravam a situação brasileira no acesso a medicamentos que combatem a Covid-19.

A exclusão do Brasil na lista da Pfizer é um sinal de que a empresa pretende garantir para si, no território, o controle total dos estoques e dos preços que serão destinados à população.

Dessa forma, dizem os especialistas, a tendência é de que o medicamento fique indisponível no Sistema Único de Saúde e seja acessível apenas para quem puder pagar altos preços na rede privada, o que representaria “um mecanismo de estratificação de populações, fazendo avançar interesses mercadológicos”.

Os estudiosos argumentam que o Brasil não deveria ficar para trás do acordo, porque possui alta carga da doença e passou por graves situações nos últimos surtos, superando as 600 mil mortes. Além disso, o País tem capacidade industrial para ampliar a produção de genéricos do medicamento. A situação é semelhante, segundo eles, aos outros países que não estão listados no tratado.

“O que realmente precisa acontecer nesse contexto de emergência de saúde é o aproveitamento da capacidade máxima de produção que hoje existe no mundo, abrindo espaço para que qualquer empresa qualificada possa produzir de forma independente e estabelecer uma concorrência aberta”, diz a nota do GTPI. “Somente assim os preços serão transparentes e mais condizentes com os custos de produção. E só assim os países terão opções de compra ágeis e satisfatórias para atender suas demandas populares.”

Os especialistas propõem o uso da Lei 14.200/2021, a Lei das Licenças, que trata da quebra de patentes, cuja discussão dos vetos aplicados por Jair Bolsonaro ainda ocorre no Congresso Nacional.

Médicos Sem Fronteiras também criticaram Pfizer

Nas redes sociais, a organização Médicos Sem Fronteiras lamentaram a cobertura de “apenas” 53% dos países com o acordo. Segundo a entidade, em postagem no Twitter, o pacto “exclui pessoas em vários países de renda média alta, deixando este remédio promissor fora do alcance de milhões”. A organização defendeu ainda a abertura da produção de genéricos, no lugar da assinatura de licenças voluntárias restritivas.

O comentário respondia a uma nota publicada pela Pfizer sobre o acordo. No texto, a empresa informou que o acordo inclui todos os países de renda baixa e média-baixa e alguns países de renda média-alta na África Subsaariana, bem como países que alcançaram o status de renda média-alta nos últimos cinco anos.

A companhia declarou que não receberá royalties sobre as vendas em países de baixa renda. Será possível renunciar aos royalties em todos os países cobertos pelo acordo, desde que a Covid-19 permaneça classificada pela Organização Mundial da Saúde como Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional.

Pedro Villardi: direito ou perversidade?

Coordenador do GTPI e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Pedro Villardi afirma que deveria ser obrigação da companhia a disponibilização da fórmula utilizada no desenvolvimento do medicamento para que fabricantes de outros países possam produzir o remédio.

A medida representaria a quebra das patentes relacionadas ao produto. A decisão, que autorizaria o “licenciamento compulsório” a nível global, teria de ser tomada no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

O pesquisador argumenta que, primeiramente, o fato de a Pfizer ser uma empresa privada não deveria livrá-la de deveres com a saúde pública. O contexto de pandemia, em sua visão, deveria endurecer as imposições sobre essas corporações, para evitar que interesses privados sejam muito mais privilegiados do que os comunitários.

O estudioso avalia que os custos de produção das pílulas antivirais são baixos e que a empresa conseguiria recuperar rapidamente os investimentos financeiros aplicados no desenvolvimento do remédio, através de transações antecipadas com países de alta renda.

“A Pfizer vai lucrar quantas vezes além do que investiu? Isso é um direito ou um exercício perverso de um privilégio?”, questiona.

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