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Emmanuel Macron insiste em reformar a Previdência (e a França)

Ele não quer apenas reformar a França. Ele quer mudar permanentemente a maneira como a França pensa

Recado. Tão dividida em outros temas, a população uniu-se na crítica a Macron. Não há urgência em alterar o sistema de aposentadorias do país
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A reforma das pensões na França é como os caóticos jogos de protofutebol que eram disputados por cidades inteiras na Inglaterra e na Escócia. A intervalos regulares – mais recentemente em 1993, 1995, 1999, 2003, 2007 e 2010 – o governo francês compete contra grande parte da população do país. Após dias ou semanas de conflito confuso, as duas equipes se retiram, exaustas. Pequenas concessões de terreno são feitas, mas não são marcados gols claros pelos dois lados.

A única exceção foi em 1995, quando o jogo França vs. Jacques Chirac e Alain Juppé passou à prorrogação de tempo (três semanas de greves dos transportes) antes que o governo cedesse mais ou menos totalmente. Um gol raro, incontestável, do “povo”. As outras recentes batalhas em torno das aposentadorias, de 1993 a 2010, terminaram em empates, com reformas radicais retiradas ou evitadas em favor de empregos-remendo para manter o sistema de pensões do país a se arrastar por mais alguns anos. 

Entra no centro do palco um jovem ambicioso, mais visionário do que político, que decide que terá sucesso onde seus fracos antecessores falharam. Não há nenhuma razão especialmente urgente para reformar o sistema – ou os 42 sistemas diferentes – neste momento. A confusão de regimes, supostamente financiados por impostos sobre trabalhadores e empregadores, não perde muito dinheiro. Os 8 bilhões de euros em subsídios anuais do contribuinte são mais ou menos acessíveis (até mesmo os 3 bilhões de euros que permitem aos trabalhadores ferroviários se aposentarem no vigor da vida). Mas Emmanuel Macron não quer apenas reformar a França. Ele quer mudar permanentemente a maneira como a França pensa. Suas outras reformas sociais, incluídas leis trabalhistas mais flexíveis, colheram resultados. O país cria empregos a passos largos. Ele mais ou menos combateu o movimento dos coletes amarelos sem fazer muito pelas pequenas cidades e subúrbios periféricos onde começou.

 

Um político sensato e prático poderia decidir que deve seguir prudentemente para a eleição presidencial em 2022, inclinando-se contra os moinhos de vento quebrados na Europa e na Otan, mas deixando a política interna em paz. Macron não. Ele declarou guerra santa ao sistema de aposentadorias em sua campanha eleitoral para 2016. A confusão de direitos conflitantes (na qual os pobres às vezes subsidiam os ricos) é uma ofensa ao seu senso abstrato de ordem e justiça.

Ele também reprova o fato de que a França, em geral, trabalha menos horas do que qualquer outro país da OCDE. A aposentadoria antecipada é a principal razão. A idade oficial de aposentadoria é 62 anos, mas os ferroviários, eletricitários e alguns outros trabalhadores se aposentam com generosas pensões, com 50 e poucos anos.

De todo modo, a reforma das aposentadorias tornou-se o grande símbolo de uma França supostamente imóvel. Macron acredita que ela é um dragão que deve ser morto para que o país esteja preparado para as oportunidades e os testes cruéis do século XXI.

O governo de Macron produziu o esboço geral de seu plano de aposentadoria em julho. Haveria um sistema único em vez de 42. Cada funcionário criaria um fundo pessoal de “pontos de aposentadoria”, que poderia ser transferido de emprego em emprego, com base na média dos ganhos. Ninguém receberia menos de mil euros por mês. O novo sistema entraria em vigor integralmente em 2025.

Ele não quer apenas reformar o país. Ele deseja mudar a maneira como a França pensa

O resultado foi um grande barulho. Todo mundo ficou irritado. Os trabalhadores ferroviários e outros perderiam seus acordos. Professores, enfermeiros, médicos, advogados, policiais, funcionários públicos e outros também perderiam os acordos pelos quais as pensões são calculadas com base nos ganhos finais, e não na média da carreira. Durante meses, os esforços do governo para vender as propostas foram estranhamente desanimados e desarticulados. Os sindicatos moderados, que aceitam o principal da reforma, ficaram zangados e confusos. Os sindicatos militantes cheiravam sangue – e um caminho de volta à influência e ao poder. Os coletes amarelos, em sua forma antipolítica original, haviam rejeitado o movimento sindical da França como inútil e corrupto.

Sindicatos militantes e políticos de esquerda e de direita atacaram as reformas propostas com golpes que iam do razoável ao fictício: Macron queria que os franceses trabalhassem por mais tempo (verdadeiro) e queria cortar a pensão de todos, incluindo a dos aposentados (falso).

Assim, com as greves de transportes iniciadas na última quinta-feira, 5, começou uma nova rodada de protofutebol de pensões, “o governo contra uma grande parte do povo”. Alguém vai ganhar desta vez? Macron e seu governo procuram maneiras de declarar empate nas negociações com os sindicatos. O primeiro-ministro Édouard Philippe oferecerá adiar o início de fato do novo sistema para 2035 ou talvez até 2039. Isso seria daqui a três ou quatro eleições presidenciais.

Qual seria o objetivo de uma reforma tão lenta? Uma fraca vitória simbólica para Macron. Qual seria o sentido de os sindicatos recusarem uma reforma tão lenta? Derrotar Macron e serem vistos como vencedores. Poderá ser um inverno longo e difícil na França.

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