Mundo

Dossiê entregue a Biden desincentiva acordos comerciais com o Brasil

Documento de mais de 30 páginas aponta incongruências em políticas ambientais e de direitos humanos de Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Joe Biden. Fotos: AFP
Apoie Siga-nos no

Um relatório entregue ao presidente norte-americano Joe Biden recomenda que os Estados Unidos não celebrem acordos bilaterais e comércio com o Brasil enquanto o País não mudar o rumo de suas políticas de direitos humanos, meio ambiente, proteção à democracia, luta contra o coronavírus e outros.

O documento foi escrito por membros da Rede nos Estados Unidos pela Democracia no Brasil, um grupo formado por mais de 1500 acadêmicos e pesquisadores de 234 faculdades americanas.

Formada após a eleição de Bolsonaro em 2018, a rede colocou-se a compilar o avanço da extrema-direita no Brasil e seus impactos possíveis no jogo global.

Segundo a BBC News Brasil, que revelou o relatório em primeira mão, o dossiê de mais de 30 páginas chegou ao alto escalão do governo Biden por meio de Juan Gonzales, diretor-sênior para o hemisfério ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Gonzales já criticou publicamente a política anti-ambiental de Jair Bolsonaro nas redes sociais.

“Qualquer um, no Brasil ou em outro lugar, que pensar que pode avançar em uma relação ambiciosa com os Estados Unidos enquanto ignora assuntos importantes como mudanças climáticas, democracia e direitos humanos claramente não esteve escutando Joe Biden ao longo de sua campanha”, escreveu Juan no Twitter em outubro de 2020.

O apelo documentado vem justamente devido à radical troca de direção que os EUA passam já nos primeiros dias de governo Biden-Harris.

“A nova ‘relação especial’ entre os Estados Unidos e o Brasil, na forma de relações comerciais expandidas e auxílio militar, têm permitido violações de direitos humanos e ambientais e protegido Bolsonaro de consequências internacionais”, escrevem os estudiosos na introdução, fazendo alusão à proximidade anterior entre o ex-presidente Trump e Bolsonaro.

Apesar de abordar em tópicos temas como a democracia e estado democrático de direito, os direitos indígenas, mudanças climáticas e desmatamento e a violência estatal e policial, as primeiras recomendações do grupo tocam em assuntos sensíveis à agenda econômica de Bolsonaro, comandada por Paulo Guedes: o grupo recomenda que se congele negociações de comércio bilateral com o Brasil e a retirada do apoio à inclusão do País na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Entre os exemplos de “más” relações com o governo Bolsonaro está o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado pelos governos Trump e Bolsonaro, em 2019, que permite a exploração da Base Espacial de Alcântara, no Maranhão.

No pedido de reversão do acordo, os estudiosos apontam que “este irá, ilegal e desnecessariamente, expulsar
cerca de 800 famílias afro-brasileiras de suas terras constitucionalmente garantidas” e expropriar “cerca de 12 mil hectares de terra florestal quilombola, onde residentes descentes de escravos praticam há muito a agricultura sustentável e a preservação florestal”.

Entre outros tópicos da extensa lista de recomendações e de levantamento de dados de organizações brasileiras e americanas, há também o pedido para que a administração Biden-Harris abra os arquivos confidenciais dos EUA relacionados à ditadura brasileira (1964-1985), “a fim de promover a memória, verdade e justiça e todas as ações necessárias para determinar o destino ou o paradeiro das vítimas de desaparecimentos forçados, identificando seus corpos e entregando-os a seus familiares”.

Outro tópico abordado é o incentivo americano para o fim do desmonte de direitos sindicais e trabalhistas. “Bolsonaro desmantelou proteções trabalhistas e enfraqueceu sindicatos em favor de um crescimento econômico insustentável e desigual, destruindo proteções trabalhistas e contribuindo com um padrão de práticas laborais injustas”, escrevem.

Há especial atenção voltada para a recuperação em um momento de início das vacinações ao redor do mundo e de um futuro mais próximo ao “pós-pandemia”.

Relatório não recomenda financiamento de medidas para a Amazônia

Para o meio ambiente, os especialistas listam dados sobre os índices recordes de desmatamento na Amazônia, a destruição do Cerrado por conta da expansão da fronteira agrícola, as queimadas ocorridas na maior área alagável do mundo, o Pantanal, e a agressão a povos indígenas e tradicionais que habitam regiões cobiçadas por grileiros e empresários.

Uma das atitudes mais severas que deve ser tomada nesse sentido, argumentam, é a “restrição, por meio de ordem executiva sobre compras e legislação governamentais, de importações de commodities de risco florestal, como madeira, soja e produtos provenientes do gado, a não ser que possa ser determinado que essas importações não
estejam ligadas ao desmatamento ou a abusos de direitos humanos”.

A argumentação chave do vice-presidente, Hamilton Mourão, e do ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles, sobre necessidade de financiamento para a proteção da floresta também é colocada em questão.

“Financiar a conservação ambiental sob o atual governo brasileiro pode parecer ‘jogar dinheiro no problema’, a não ser que o governo brasileiro inverta o curso de sua agenda destrutiva”, escrevem.

A lista de recomendações na área ambiental se soma a outro documento, elaborado por ex-conselheiros e secretários de governos republicanos e democratas, chamado de “Plano de Proteção para a Amazônia”.

Um dos objetivos da coalizão é fazer com que Biden pressione grandes empresas a pagar pela redução de um bilhão de toneladas de gases estufa até 2025. Porém, ressaltam: “Ao mesmo tempo, o governo [americano] deve agir decisivamente para reduzir a demanda de bens que levem ao desmatamento ilegal e prejudiquem o clima. É legítimo e razoável levar em consideração a performance do Brasil quando os EUA considerarem políticas relacionadas ao país, incluindo a inserção na OCDE, futuras vendas militares, novos acordos comerciais e outros”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo