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Difíceis tarefas e grandes desafios esperam Gabriel Boric, o novo presidente do Chile

Empossado como o presidente mais jovem do Chile, o ex-líder estudantil prometeu mandar para o túmulo o neoliberalismo pinochetista. Conseguirá?

(Foto: MARTIN BERNETTI / AFP)
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Após derrotar o candidato de extrema-direita José Antonio Kast, o novo presidente do Chile, Gabriel Boric, de 35 anos, toma posse nesta sexta-feira 11 com sinalizações que agradam o campo progressista, como a composição majoritariamente feminina do seu corpo ministerial.

Mas outros aspectos deixam curiosidade sobre o caminhar da carruagem. Faz-se notar, por exemplo, a nomeação do ministro da Fazenda, Mario Marcel, visto como querido pelo empresariado e com desconfiança por alas da esquerda. Além disso, Boric governará sem maioria no Congresso, o que suscita dúvidas sobre a capacidade de o seu governo aprovar reformas estruturais.

Talita Tanscheit, doutora em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ressalta que Boric chega com a missão de dar um “pontapé inicial” para implementar as bases para políticas de bem estar social.

Em entrevista a CartaCapital, a pesquisadora diz ver como um grande desafio para Boric comandar um país que está em pleno processo de elaboração de uma nova Constituição, depois de décadas sob a Carta Magna da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Na opinião da professora, diante de uma nação fissurada, o novo chefe do Executivo terá de dar ouvidos ao mercado e aos partidos de direita para transmitir uma “mensagem de apaziguamento”.

“É um dilema que todo partido de esquerda enfrenta quando chega ao poder”, avalia ela.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: É positivo para um governo de esquerda que o empresariado receba tão bem a nomeação para o Ministério da Fazenda?

Talita Tanscheit: Esse é um dilema que toda liderança e todo partido de esquerda enfrenta quando chega ao poder. O contexto em que o Boric chega ao poder é de pós-efervescência social por mudanças estruturais no Chile. Temos uma constituinte a pleno vapor e tivemos uma eleição em que a candidatura de ultradireita foi ao segundo turno em um processo que não foi fácil. É um país ainda muito estremecido e fissurado.

No Legislativo, a direita ficou com muita força. O governo vai precisar negociar a todo momento com o Congresso Nacional para passar as reformas, que muito provavelmente não serão como o seu programa de governo diz.

A nomeação desse ministro, uma figura da antiga Concertación, próximo à Michelle Bachelet, é uma mensagem de apaziguamento, de paz, como Lula fez quando colocou Henrique Meirelles no Banco Central, ou quando manteve Antonio Palocci na Fazenda.

É uma sinalização para o mercado, sem dúvidas, mas num contexto em que ele não tem maioria para fazer o que gostaria. Não é uma Bolívia de Evo Morales, em que o Movimento ao Socialismo tem ampla maioria no Congresso.

“Uma lição que a experiência chilena traz é de renovação política e de atualização programática da esquerda”

CC: Quais projetos seriam os principais desafios?

TT: A grande questão que se desenha para o Boric e que a gente não tinha no Brasil na época do giro à esquerda é que no Brasil já existia, em 2002, as bases para que o estado de bem estar social fosse minimamente erguido. Isso não existe no Chile. O Boric toma posse quando a Constituinte está aprovando o seu texto, que ainda será submetido a plebiscito.

O desafio é garantir que a nova Constituição seja aprovada e implementar aquilo que dará sustento para um estado de bem social. As bases do que seria um sistema universal de saúde e de previdência social pública, por exemplo, não existem no país. Normativas com relação à educação, ao direito à água, à plurinacionalidade, tudo isso deverá ser implementado. E esse processo não se esgota em quatro anos, leva décadas, e no Chile não há reeleição. Ele vai precisar dar o pontapé inicial.

CC: No Peru, a vitória de Pedro Castillo foi celebrada pelo campo progressista. Seis meses depois, enfrentou um pedido de impeachment, escândalos de corrupção e isolamento no Congresso, chegando a admitir inexperiência. O cenário para Boric não é parecido?

TT: Não, é um cenário completamente diferente. É preciso entender como funcionam os sistemas partidário e político em cada um desses países. O sistema político peruano se destrói de forma cíclica. A marca desse sistema é a instabilidade. O sistema chileno tem a marca da estabilidade política, em que, a partir de uma reforma eleitoral que entrou em vigor em 2017, ocorreu um processo de pluralização da representação política. Deu-se, então, a entrada da Frente Ampla naquele ano.

O Chile não foi um país atingido pela Lava Jato, nem por escândalos de corrupção que derrubaram presidentes como no Peru. Também não tem o desenho sociodemográfico como o peruano. Além disso, o Castillo veio do povo, professor, popular. O Boric tampouco é essa figura. Ele vem das elites chilenas e tem vínculos políticos com o mundo empresarial. É bem distinto. Mas é claro que é uma novidade. Temos que ver o que vai acontecer.

“Esse Boric revolucionário perfeito vai acabar. Daqui a três meses, vai ser o mundo da política. É um tremendo desafio”

CC: É possível extrair da vitória de Boric contra a ultradireita alguma lição para a eleição no Brasil?

TT: Tenho a impressão de que o Lula está extremamente preocupado com esta eleição. Não à toa, ao que tudo indica, Geraldo Alckmin vai ser o candidato a vice-presidente na chapa. Lula e o PT estão se esforçando para construir as alianças mais diversas no país.

Agora, uma lição que a experiência chilena recente traz é de renovação política e de atualização programática da esquerda. A média de idade dos parlamentares do PT é de 59 anos. Não me refiro somente à questão geracional. Queremos ver mais mulheres, negros e militantes em espaços de destaque. A atualização do programa estaria casada com isso. É ter o feminismo no centro da agenda, incorporar a agenda climática e de meio ambiente, pensar a questão indígena.

 

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