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Democratas têm pressa em concluir processo de impeachment de Trump

Na melhor das hipóteses, será a batalha mais suja e humilhante de uma carreira política tumultuada

Seus dias estão contados? Foto: Sergio Flores/Getty Images/AFP
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Será a luta política do século. Donald Trump é o primeiro presidente dos Estados Unidos desde os anos 1990 a enfrentar a impugnação pelo Congresso. Na melhor das hipóteses, será a batalha mais suja e humilhante de uma carreira política tumultuada. Na pior, será o golpe mortal para a sua Presidência.

Em uma semana que ficará nos livros de história, Trump revelou ter usado os poderes do Salão Oval para solicitar interferência estrangeira nas eleições de 2020 por interesses políticos pessoais – um abuso que a Casa Branca tentou encobrir.

Os democratas agiram rapidamente para iniciar uma investigação de impeachment após a denúncia de um informante que detalhava como Trump pressionou o líder da Ucrânia para que ajudasse a difamar um adversário político, o ex-vice-presidente Joe Biden. Preparou o cenário para semanas de guerra de trincheiras partidárias que provavelmente aprofundarão as divisões nacionais. Mas também ofereceu um pouco de esperança aos críticos de Trump: a de que ele poderá ser expulso do cargo até o Natal.

 

Nancy Pelosi, a presidente da Câmara, teria instruído os comitês do Congresso a manter um foco estreito no escândalo da Ucrânia, e não nos vários outros supostos delitos de Trump, e a apresentar os resultados de suas investigações em semanas. Com assessores a descrever uma “necessidade de velocidade”, uma votação de impeachment poderá ocorrer até meados de novembro. “Acho que isso vai acontecer rápido”, disse Elaine Kamarck, professora-assistente no programa de estudos de governança na Brookings Institution, em Washington. “A Câmara terá de decidir quais artigos do impeachment devem ser redigidos e enviados. Meu palpite é obstrução da Justiça e abuso de poder.”

Se a Câmara liderada pelos democratas votar pela aprovação dos artigos de impeachment, o Senado controlado pelos republicanos decidirá se Trump será considerado culpado e removido do cargo. Parece exagerado, mas Kamarck disse: “Eu daria uma chance de 30% a 40%. Lembre-se de como as coisas mudam e como a opinião pública muda quando você recebe esses acontecimentos em alta velocidade. Há gente que se levantou contra Trump no Senado”.

Pelosi pede foco aos democratas. Foto: Saul Loeb/AFP

A acadêmica continua: “Esquecemos a parte humana: Trump não tem amigos. Ninguém gosta dele. Quando vier o empurrão, ele não terá profundidade e lealdade. Se as coisas ficarem muito ruins e eles puderem ver um futuro político sem ele, o abandonarão”.

Até o momento, os senadores republicanos foram intimidados pela fervorosa base de apoio de Trump e pelo índice de aprovação de cerca de 90% no partido. Mas o relacionamento pode ser frágil. Ex-democrata, Trump era um intruso quando na verdade encenou um ataque hostil nas primárias de 2016, e muitas de suas opiniões estão em desacordo com a ortodoxia partidária.

A condenação requer dois terços dos votos do Senado de 100 integrantes, ou 67 votos. Isso significa que 20 republicanos teriam de se rebelar. Michael Steele, ex-presidente do Comitê Nacional Republicano, disse que o desafio para os democratas é conquistar a opinião pública. “Você sabe que tem os votos para o impeachment. O objetivo aqui é criar uma narrativa na qual a população americana acabe convencendo o Senado de que deve condenar. Eu sei que é verdade que, se houvesse uma votação cega, no Senado ao menos 30, e possivelmente mais senadores republicanos, votariam pela condenação do presidente. Mas eles não farão isso se não houver um movimento muito público nessa direção. Em outras palavras, o próprio público, sua base.”

A estratégia é circunscrever a investigação ao affair Ucrânia, aproveitar a onda da opinião pública e julgar o presidente até novembro

Tais comentários são uma medida da gravidade da ofensa de Trump, diferente em espécie de todas as anteriores. Em contraste com o relatório de 448 páginas do procurador especial Robert Mueller sobre os contatos da campanha do presidente com a Rússia nas eleições de 2016 e as aparentes medidas para obstruir a Justiça, a tentativa de extorquir a Ucrânia envolveu pessoalmente Trump, no exercício do cargo, e pode ser resumida em palavras em um único tuíte.

Houve um indício de problemas em maio, quando The New York Times informou que Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump, planejava viajar à Ucrânia para pressionar o governo a investigar não apenas a interferência nas eleições de 2016, mas alegações de que Biden pressionou o país europeu para demitir um procurador que investigava uma empresa de gás na qual seu filho, Hunter Biden, integrava o conselho diretor. Giuliani cancelou a viagem, alegando que o recém-eleito presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, estava “cercado por inimigos” de Trump. Em junho, Giuliani escreveu no Twitter que Zelensky “ainda estava em silêncio sobre a investigação de interferência ucraniana em 2016 e de um suposto suborno de Biden”.

Enquanto isso, Trump disse a George Stephanopoulos, da rede ABC, que consideraria receber informações de uma fonte estrangeira sobre um rival nas eleições. “Acho que você pode querer ouvir, não há nada de errado em ouvir”, disse. “Se alguém ligar de um país, a Noruega, (e disser)‘Temos informações sobre o seu adversário’, acho que eu ia querer ouvi-las.”

Hunter e Joe Biden, alvos dos republicanos. Foto: David McNew/Getty Images/AFP

No mês seguinte, o presidente emitiu instruções para congelar quase 400 milhões de dólares aprovados pelo Congresso para a Ucrânia lidar com uma insurgência de separatistas apoiados pela Rússia no leste do país. Em 24 de julho, Mueller testemunhou no Congresso, mas foi amplamente considerado hesitante e confuso, deixando de fornecer uma arma certeira para o impeachment.

No dia seguinte, veio o fatídico telefonema de Trump a Zelensky. Depois de discutir o apoio militar, ele pediu um “favor” e depois pressionou o presidente ucraniano a falar com Giuliani e o procurador-geral, William Barr, sobre a reabertura de uma investigação ucraniana sobre Hunter Biden. O presidente dos EUA disse: ‘Há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu o processo, e muitas pessoas querem saber disso, então o que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo. Biden gabou-se de ter parado o processo, então se você puder investigar… Isso me parece horrível”.

À medida que a pressão política aumentava, a Casa Branca divulgou uma transcrição bruta do telefonema. Ela mostrou que o presidente dos Estados Unidos realmente pressionou seu colega para jogar sujeira sobre Biden. Os críticos chamaram isso de extorsão e “uma clássica conspiração da máfia”. Pelosi anunciou uma investigação de impeachment, citando a “traição do presidente a seu juramento, traição à nossa segurança nacional e traição à integridade de nossas eleições”. Na quarta-feira 25, Trump e Zelensky se encontraram pessoalmente pela primeira vez à margem da Assembleia-Geral das Nações Unidas em Nova York. O líder ucraniano, um político novato e ex-comediante, disse a repórteres que foi uma ligação “normal”. E garantiu: “Ninguém me pressionou”.

Seriam necessários 20 votos de senadores republicanos para afastar definitivamente  o presidente. O resultado depende do humor dos eleitores

Na quinta-feira 26, o Comitê de Inteligência da Câmara divulgou, porém, uma versão da denúncia. O documento de nove páginas dizia: “No curso de minhas funções oficiais, recebi informações de vários funcionários do governo dos EUA de que o presidente dos Estados Unidos usa o poder de seu cargo para solicitar interferência de um país estrangeiro na eleição nos EUA em 2020. Essa interferência inclui, entre outras coisas, pressionar um país estrangeiro a investigar um dos principais adversários políticos domésticos do presidente. O advogado pessoal do presidente, Rudolph Giuliani, é uma figura central nesse esforço. O procurador-geral Barr também parece estar envolvido”. O documento mencionou ainda uma tentativa de ocultar a ofensa e afirmou que as autoridades da Casa Branca tomaram medidas extraordinárias para “bloquear”as informações sobre a ligação, até mesmo transferindo sua transcrição para um sistema de computador secreto.

Gwenda Blair, biógrafa de Trump, disse: “Não acho certo ou errado as categorias em que ele pensa. A única categoria é: ele pode sair ileso?” O republicano estará pronto para a batalha de impeachment que virá, disse Blair. “Ele adora brigas. Essa é a sua zona de conforto. Ele gosta de pessoas zangadas e gritando umas com as outras. Ele usa isso sempre que tem oportunidade. Fazia isso na Trump Tower, quando administrava uma empresa imobiliária.”

As máquinas de mídia republicanas e conservadoras engataram a marcha. Giuliani deu uma série de entrevistas estranhas e loucas, nas quais insistia que ele, e não o denunciante, era o verdadeiro “herói” da hora. Apresentadores da Fox News, como Sean Hannity, expressaram indignação com a “histeria psicótica anti-Trump” e exigiram que Biden fosse investigado. Não há evidências de irregularidades cometidas por Joe ou Hunter Biden.

Zelensky: “Ninguém me pressionou”. Foto: Sergei SUPINSKY / AFP

Mas os democratas, que há muito alimentavam a dúvida sobre se deviam exercitar a sanção definitiva contra um presidente rebelde, de repente encontraram uma claridade estimulante e galvanizadora. Pesquisas de opinião mostram um crescente apoio ao impeachment, e a ação de Pelosi foi um alívio para os ativistas. Tom Steyer, fundador da campanha Need to Impeach (“é preciso impugnar”) e candidato à nomeação democrata para presidente, disse: “Não acho que exista dúvida de que toda vez que Trump se safou de algo isso o encorajou a ir mais longe. Eu disse desde o início: só vai piorar se não o responsabilizarmos”.

Trump deverá juntar-se a um grupo seleto no salão da vergonha presidencial. Andrew Johnson e Bill Clinton são os únicos dois presidentes que foram impugnados, embora ambos tenham sido absolvidos pelo Senado. Richard Nixon renunciou sob a ameaça de impeachment.

Steyer, um empresário, compartilha a opinião de que Trump pode ser vulnerável. “Se o povo ouvir as evidências e decidir: ‘Ele é um mentiroso e um trapaceiro, se eu fizesse isso eu estaria na prisão’, então acho que todos os senadores, incluindo os republicanos, terão de se olhar no espelho e decidir; eles podem realmente ir contra o que é certo, ir contra a Constituição e contra o povo?”

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