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Ativistas desmascaram as ‘fake news’ da guerra na Síria

Entre as histórias desmascaradas está uma foto supostamente de ataques aéreos israelenses. Na verdade, era um bombardeio à Faixa de Gaza em 2014

Síria vive conflito desde 2011 e se tornou terreno fértil para fake news
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Por Rouba El Husseini

Imagens antigas, filmes de ficção e até mesmo vídeo games – todos os meios são usados para produzir fake news em uma Síria destroçada pela guerra, um trabalho gigantesco para um coletivo de mídia dedicado a desmascarar essas histórias.

Os protestos contra o regime sírio, iniciados em 2011, levaram a um conflito violento. Durante todo o processo, surgiu uma torrente interminável de notícias fabricadas, auxiliada pelo alcance rápido das mídias sociais.

Para trazer clareza e verdade a uma guerra cada vez mais complexa, o ativista e jornalista Ahmad Primo, de 32 anos, fundou o Verify-sy, uma plataforma eletrônica que monitora e checa histórias sobre o conflito. “Como repórteres, jornalistas e ativistas, nós temos uma responsabilidade”, explica Primo à AFP. “O que está acontecendo hoje será escrito como história, e não queremos que seja uma história falsa”, continua.

Anos atrás, Primo participou de protestos na cidade de Aleppo (norte) e trabalhou em um website que publicou notícias sobre o movimento popular.

Depois de ser detido três vezes por forças de governo, mudou-se para o território do norte da Síria antes de partir para a Turquia. “Fui detido por publicar a verdade sobre o que está acontecendo (no território do regime), e quando me mudei para regiões controladas pela oposição, notei que eles também manipulavam a verdade”, afirma. “Minha reação era de que não podia ficar calado até que acabássemos com esses opressores – e há muitos opressores agora na Síria”, continua. Na Síria, as “fake news” não são novidade, diz Primo.

Antes do presidente Bashar al-Assad, “nós crescemos com a ideia de que (seu pai, o presidente) Hafez al-Assad duraria para sempre. Mas, então, ele morreu. Então, o que significa ‘para sempre’?”

Vídeo game

O Verify-sy, cujos voluntários recebem algum financiamento de países europeus, trabalha com uma série de plataformas para aniquilar as “fake news”.

No Twitter, publica capturas de tela de novas histórias enganosas, marcadas com um “X” em vermelho e põe ao lado versões corretas, marcadas com um sinal de visto em verde. “Nós consideramos que qualquer foto ou texto jornalístico que seja amplamente publicado como algo que devemos monitorar e verificar”, diz Primo.

Para seu colega ‘fact-checker’, Dirar Khattab, as notícias falsas viajam mais rápido do que a verdade. “Qualquer um que tenha uma conta em redes sociais com muitos seguidores vira um novo canal de notícias”, diz ele, também de 32 anos.

Entre as histórias que o Verify-sy desmascarou está uma foto que viralizou em maio, supostamente mostrando ataques aéreos israelenses em Damasco. A foto, na verdade, era de um bombardeio de Israel à Faixa de Gaza em 2014.

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A cada novo ataque militar na Síria, a equipe viu seu volume de trabalho disparar – eles analisam de quatro a cinco histórias por dia, pelo menos, diz Primo.

Em junho, enquanto as tropas do governo preparavam um ataque à província de Daraa, no sul da Síria, páginas da oposição publicaram a gravação de uma voz supostamente do minarete de uma mesquita, conclamando os rebeldes a pegar em armas. O Verify-sy descobriu que que se tratava de uma gravação feita em 2015 no Iêmen.

A plataforma funcionou em inglês e árabe por anos, e recentemente abriu um serviço em turco quando rebeldes baseados em Ancara atacaram uma região curda no noroeste da Síria. “Uma vez, saiu um vídeo clipe circulando nas páginas de notícias turcas mostrando combatentes sendo monitorados com óculos de visão noturna”, lembra Primo. “Quando checamos, descobrimos que se tratava de imagens extraídas de um video game”, completa.

Filmagem

Os Capacetes Brancos, socorristas que ajudam vítimas de bombardeios do regime em áreas rebeldes, têm estado no centro de notícias falsas.

Em outro vídeo clipe que viralizou, homens que se apresentavam como membros dos Capacetes Brancos eram vistos representando em um set de filmagens, gerando acusações de que o grupo encenaria imagens de seus resgates.

Mas depois descobriu-se que a cena era, na verdade, de um filme produzido por um cineasta pró-regime para causar danos à imagem dos Capacetes Brancos.

A equipe de Primo conta com várias ferramentas para verificar as notícias. Eles usam métodos tradicionais, como checar com seus jornalistas e fontes no terreno, mas também usam a busca de imagem reversa do Google para determinar se uma foto apresentada como o flagrante de um evento na verdade é mais antiga e se refere a um acontecimento totalmente diferente. Às vezes, os membros da equipe são capazes de identificar fotos e vídeos antigos imediatamente.

Khattab lembra, em dezembro de 2016, de ter visto o enviado das Nações Unidas para a Síria, Bashar Jaafari, exibir no Conselho de Segurança da ONU uma imagem supostamente capturada momentos antes de Aleppo recuperada pelo regime das mãos dos rebeldes. “Eu o vi segurando uma foto de um soldado de quatro, com uma mulher pisando em suas costas para descer de um caminhão”, afirmou. “Mas soube que a foto era do Iraque”.

Para ajudar em seu trabalho, o grupo criou uma página no Facebook, que permite aos usuários postar supostas fraudes para que eles possam checar.

Mas com apenas seis voluntários trabalhando no projeto em seu tempo livre, a tarefa é gigantesca. “Todo dia há ‘fake news'”, diz Khattab. “Se quiséssemos monitorar as notícias da Síria minuto a minuto, não pararíamos nunca”, completa.

*Leia mais em AFP

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