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Às vésperas de eleição, Bolívia vê crescer o seu próprio Bolsonaro

Último a se lançar na disputa, o pastor Chi Hyun Chung ataca mulheres, homossexuais e promete governar ‘com a Bíblia na mão’

Chi-hyun-sung, a versão Bolsonaro boliviana
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O páreo eleitoral na Bolívia ganhou um improvável azarão nos últimos meses. Em meio à incerteza quanto à reeleição de Evo Morales, o primeiro indígena a governar o país, despontou um candidato que considera o culto à pachamama uma “armadilha do Diabo” e promete governar com a Bíblia na mão.

Trata-se de Chi Hyun Chung, um médico e pastor evangélico nascido na Coreia do Sul (naturalizou-se boliviano há 15 anos). O nome complicado inspirou um slogan bem simples: “Chi puede” (um trocadilho com a expressão ‘se puede’).

 

A virulência do pastor não se limita à religião. Chi também sugeriu que os gays recebam tratamento psiquiátrico e que as mulheres “se comportem como tal” caso queiram escapar da violência doméstica e do feminicídio. Afirmou ainda que sua própria companheira de chapa tinha “alma de dona de casa” (a incontinência verbal provocou a renúncia dela). Pesam também contra ele 19 processos, 13 por descumprir as leis trabalhistas do país. Segundo um levantamento do jornal Página Siete, os reclames incluem o não-pagamento de salários, horas extras, aposentadoria, férias e outros benefícios.

Fábrica de memes mostra o pastor como um Davi contra o Golias comunista Evo

“Chi é uma imitação mirim de Bolsonaro”, resume o sociólogo boliviano Jorge Komadina. O sul-coreano se lançou há menos de dois meses, em um processo controverso dentro de seu próprio partido. Seu desempenho nas pesquisas oscila entre 6% e 7%. “Um reacionário aproveitando um momento de incerteza eleitoral”, completa.

Além do gosto pela violência e as pendências judiciais, o pastor e capitão partilham também a paixão por Donald Trump e o empenho em distribuir notícias falsas na internet. Essa escalada está ligada ao firmamento das igrejas evangélicas no país. Hoje, os protestantes são 17% da população da Bolívia. Cresceram principalmente entre os agricultores quichua e aimara. Em maio, Morales assinou um decreto que deu aos templos evangélicos o mesmo status do catolicismo, até então única fé legalizada no país.

 

São grandes as chances de Chi ultrapassar Óscar Ortiz, um empresário a la João Doria que já teve três mandatos como congressista. Terminaria em terceiro lugar, um feito para um desconhecido. Mesmo derrotado, avalia Komadina, sua estreia bem-sucedida na política é um triste sintoma do recuo que a Bolívia pode viver nos próximos anos. “É prova de uma insurgência contra direitos humanos, a diversidade sexual, até a própria constituição política do Estado. O que preocupa não são as declarações em si, mas o efeito que elas estão provocando. Especialmente entre eleitores jovens.”

A eleição mais concorrida em décadas

Depois de três vitórias incontestes, Morales corre pela primeira vez o risco de não retornar à cadeira presidencial. Pesam sobre ele, além do desgaste de mais de uma década de mando, o atropelo à lei e à opinião pública em nome do quarto mandato. Seu grande rival é o ex-presidente Carlos Mesa, que se apresenta como centrista nessas eleições.

O presidente boliviano Evo Morales, candidato a um quarto mandato

As pesquisas eleitorais mais confundem que esclarecem. A mais comentada, feita pelo Instituto Ipsos entre o fim de setembro e o início de outubro, dá a Evo 18 pontos de vantagem sobre Mesa – 40% contra 22%, garantindo ao presidente vitória já em primeiro turno. Uma outra mais recente, feita pela Universidad Mayor de San Andrés entre os dias 4 e 7 de outubro, prevê um placar de 32% para Evo contra 27% de Mesa.

Os indecisos, ao invés de diminuir conforme se aproxima a hora de ir às urnas, aumentam: são 10%, a maioria jovem que mal se lembra da vida sem Morales no poder. Diante desse cenário, um segundo turno não é apenas possível, mas provável. O mesmo não se pode dizer da vitória de Morales, já que a oposição deve se unir em torno de Mesa. A pesquisa da UMSA prevê empate técnico, com vantagem decimal a Mesa: 35,8% versus 35,5%. O TSE boliviano, ligado a Morales, censurou a sondagem.

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