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A Itália ferve com crise política à moda de Matteo Salvini

O líder da Liga precipita a ruptura da aliança com o 5 Estrelas e a demissão do primeiro-ministro Giuseppe Conte

Foto: Andreas Solaro/AFP
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Matteo Salvini, líder da Liga, partido de expressão regional que se nacionalizou nos últimos tempos, tirou a máscara e assumiu o papel de demolidor da aliança que governou a Itália depois das últimas eleições, entre a própria Liga e o Movimento 5 Estrelas, sob o comando de um primeiro-ministro neutro, o advogado Giuseppe Conte. Na terça-feira 20, este incumbiu-se de resolver a questão ao anunciar a sua iminente demissão, ao presidente da República, Sergio Mattarella.

O ataque de Conte foi frontal em relação a Salvini, ao apontar nele o provocador da crise, fabricada em proveito próprio. “Ele age por interesses pessoais e partidários, não se importando com as consequências da decisão, que coloca em risco o país do ponto de vista econômico, político e social”, discursou o premier, antes de se dirigir ao ex-aliado: “Preocupa que você peça plenos poderes e invoque o poder do povo.”

Ministro do Interior, Salvini também dividia o posto de vice-premier com Luigi Di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas. Houve quem dissesse que Conte ganhou uma inesperada simpatia pela clareza e determinação com que enfrentou as prepotências de Salvini, mas nem por isso representa a solução para o problema italiano, mesmo diante das súbitas tergiversações de quem, depois de precipitar a crise, voltou atrás para reconfirmar a aliança com o 5 Estrelas.

Salvini enxerga na União Europeia a mesma ameaça que Mussolini via na Liga das Nações

Era tarde demais. A sorte estava lançada. Este é um rubicão medíocre para uma liderança extemporânea criada pela crise, a qual, na procura de uma saída, prevê em primeiro lugar uma tentativa do presidente da República em busca de uma nova maioria parlamentar em condições de garantir a governabilidade do país. Até o fechamento desta edição, a perspectiva vista como a mais viável, sem excluir muitas dificuldades pelo caminho, antes de mais nada fruto das divergências ideológicas, estaria na aliança entre o Partido Democrático renovado, sob a liderança de Nicola Zingaretti, e o Movimento 5 Estrelas.

Zingaretti tratou de definir em cinco pontos o programa que o PD exigiria para um entendimento com Di Maio. Em primeiro lugar, a adesão leal à União Europeia. Segundo, o pleno reconhecimento da democracia representativa. Terceiro, um modelo de desenvolvimento baseado na sustentabilidade ambiental. Quarto, uma mudança na política migratória, com o protagonismo pleno da Europa. Por fim, uma modificação nas receitas econômicas e sociais, com viés distributivo, de sorte a abrir uma estação de investimentos. Os 5 Estrelas já encaram a possibilidade de se adequar às posturas do PD.

O ministro do Interior “age por interesses pessoais e partidários”, diz Conte. O PD pode voltar ao poder sob a liderança de Zingaretti/Foto: Alberto PIZZOLI / AFP

A decisão cabe, agora, ao presidente da República, responsável por avalizar a tentativa de acordo. Será ele quem vai promover as chamadas “consultações” para apurar as chances reais de entendimento. Chama atenção o fato de que ele se prepare para consultar também o ex-presidente Giorgio Napolitano, ex-comunista, estadista refinado e nada mais, nada menos que o formulador, em um momento não muito distante, da receita destinada a neutralizar o risco Berlusconi.

Outro risco sobrevém agora, encarnado claramente em Salvini. Ferrenho opositor dos direitos LGBT, linha-dura na segurança pública e radical em sua política anti-imigração, o ministro do Interior chegou a fechar portos italianos para embarcações que socorrem refugiados no Mediterrâneo. Ao precipitar a crise do governo, Salvini buscou impor a sua liderança como única saída para o país. Ainda assim, a sua popularidade cresce, juntamente com a ameaça que representa seu desvairado extremismo, para a Itália e para toda a Europa.

O retorno ao poder do PD, partido de centro-esquerda que abriga muitos ex-comunistas, representaria uma mudança abrupta na política italiana, enquanto qualquer solução que envolva Salvini surgiria como grave ameaça à unidade da Europa. Certamente, há algo mussoliniano no comportamento do ministro do Interior. O Duce via na Liga das Nações um inimigo de qualquer progresso da Itália no rumo desejado pelo fascismo, a pretender transformar o país em uma potência. Salvini cuida de identificar na União Europeia o mesmo entrave à independência da península, à autonomia das políticas econômicas.

O perfil de Salvini o aproxima fortemente da francesa Marine Le Pen, do premier húngaro, Viktor Orbán, e, agora, do novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e não se descarta a possibilidade de o ministro do Interior italiano sonhar com uma nova versão do Brexit. O alcance da ameaça seria terrificante para a UE, na qual a Itália arca com o papel de terceira maior economia do bloco, após a saída do Reino Unido.

A aliança entre o PD e o 5 Estrelas é, de longe, a melhor solução aos olhos das lideranças europeias, se não for a única. Desde já o ex-premier Matteo Renzi, que deixou o cargo em 2016, avisa que não participará do novo governo, caso o PD entre na composição. Dessa forma, deixa o caminho livre para Nicola Zingaretti, provável candidato a primeiro-ministro.

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