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‘6000 sardinhas’: movimento ‘antifascista’ italiano ganha o mundo

“Caros populistas, vocês entenderam. A festa acabou”. Assim começa o manifesto original criado por quatro jovens desconhecidos italianos, na faixa dos 30 anos, sem ligação com partidos políticos. O movimento criado por eles, o #6000sardine, se prolifera desde 15 de novembro em dezenas de praças de toda a Itália, […]

Foto: Reprodução / Facebook
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“Caros populistas, vocês entenderam. A festa acabou”. Assim começa o manifesto original criado por quatro jovens desconhecidos italianos, na faixa dos 30 anos, sem ligação com partidos políticos. O movimento criado por eles, o #6000sardine, se prolifera desde 15 de novembro em dezenas de praças de toda a Itália, com um público que soma centenas de milhares de pessoas contra a extrema direita de Matteo Salvini.

Eles são em sua maioria jovens, querem mudar o mundo, e parece que andam com o GPS bem antenado: neste sábado, os sardinhas, que se consideram “antifascistas”, realizaram um feito digno de grandes lideranças: eles extrapolaram o solo italiano pela primeira vez desde que o movimento eclodiu, há exatamente um mês, “invadindo”, com o Global Sardine Day, cerca de 24 metrópoles estrangeiras como Berlim, Paris, Londres, Dublin, Amsterdam, Madri, Copenhague, São Francisco e Nova York. Na última sexta-feira 13, durante um show na Itália, até a icônica roqueira Patti Smith convocou os italianos a participarem dos protestos deste sábado.

Nas praças públicas, o canto é sempre o mesmo, da tradicional Praça São Marco, em Veneza, à prefeitura de Copenhague, capital da Dinamarca, onde, sim, os sardinhas estiveram neste sábado: canta-se num coro de milhares de vozes Bella Ciao, música emblemática da Resistência Italiana contra o fascismo na década de 1940, que, revisitada, virou símbolo planetário de resistência e justiça social em 2019, presente em manifestações populares de Beirute a Buenos Aires.

Tudo começou com uma chamada nas redes sociais, cujo resultado não surpreendeu apenas Mattia Santori, Roberto Morotti, Giulia Trappoloni e Andrea Garreffa, os quatro jovens idealizadores do movimento #6000sardine (6000 sardinhas, em português), mas todo o mundo. Mais de 15.000 pessoas ocuparam uma praça de Bolonha, ali no alto da “bota” italiana, como reação ao líder da extrema-direita, Matteo Salvini, que fazia um pronunciamento em um estádio da cidade. Trata-se de um verdadeiro fenômeno que, com o nome de um peixe pequeno, que se movimenta em grupos apertados, a sardinha, que se espalhou por todo o país e parece encarar sem medo um dos “tubarões” da política italiana.

“Quarteto Fantástico”

Giulia vem de San Sepolcro, vive em Bolonha há alguns anos, é fisioterapeuta e faz 30 anos em fevereiro de 2020, além de ser a caçula dos “quatro mosqueteiros”. Roberto é engenheiro, e em seu tempo livre realiza oficinas criativas sobre reciclagem de plásticos. Andrea, que chegou de Savona aos seis anos de idade, é mestre em ciências da comunicação pública e social. Tendo defendido uma tese em comunicação ambiental, agora ele é guia turístico de ciclistas em toda a Europa.

São “jovens de olho nos outros e no mundo”, saúda com algria a imprensa italiana. Mattia, formado em Ciência Política e Economia, educador no Ultimate Frisbee, criou a associação “La ricotta”: todos os anos ele organiza o torneio de basquete “Gallo da tre” para financiar a reconstrução de playgrounds suburbanos em memória do amigo Davide Galletti, que morreu de leucemia.

Aos 32 anos, Santori se divide entre quatro empregos e agora frequenta também diversos programas de televisão na Itália, como convidado especial. Numa dessas aparições, ele deu ao vivo um recado para Matteo Salvini, líder da extrema direita no país: “Esta é a Itália real, é por isso que as pessoas se emocionam”, disse.

Ideia nasceu de um post no Facebook

Como nasceu a invasão das praças inventada pelos “sardinhas”? Via Facebook. Mattia não conseguia dormir naquela noite: “Por que [Matteo] Salvini pode dizer que ele vai tomar [o estado de] Emilia Romagna [cuja capital é Bolonha] e todos nós ficamos em silêncio?”

Foi com um post para os amigos que tudo começou: “vamos nos encontrar”. Na cozinha da casa que os quatro compartilharam durante anos, nasceu a idéia: “Salvini chega ao [estádio de] PalaDozza: há 5.570 lugares. Precisamos ser mais gente do que isso”. Daí para a multidão instantânea dos #6000sardine na praça deMaggiore, na Bolonha, bastou uma convocação nas redes sociais, que vem respaldada por um manifesto, escrito pelos amigos: “Ainda acreditamos na política e nos políticos com um P maiúsculo”, diz uma de suas frases.

Naquela noite, em Bolonha, eles escolheram o símbolo do movimento: a sardinha, um peixe silencioso, que não “grita como os escandalosos das redes sociais e dos comícios”, mas que traz um símbolo de coletividade. “Juntos e muitos: aqui está a mensagem”.

Depois do lançamento nas redes sociais, os quatro amigos começaram a distribuir panfletos do evento em bares, universidades, cafés,  restaurantes e comércios do centro de Bolonha. Foram depois de porta em porta, deram telefonemas, registra em detalhes a imprensa italiana

Métodos analógicos, que deram resultados concretos: eles esperavam seis mil pessoas na praça, e tinham medo de não conseguirem. Naquela noite, na Praça Maggiore, eles trouxeram o dobro, e bateram Matteo Salvini. “Bem-vindos ao mar aberto“, diz a frase no post do facebook que criou os #6000sardine.

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