Justiça

Marco Temporal vai a julgamento no STF. O que está em risco para os povos indígenas?

A tese, que será votada nesta quarta-feira 25, coloca em risco a demarcação de mais de 303 Terras Indígenas brasileiras

Foto: Carl de Souza / AFP
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Nesta quarta-feira 25, o Supremo Tribunal Federal analisa a ação de reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, colocada em xeque com base na tese do marco temporal.

O julgamento servirá como diretriz para futuras disputas pela demarcação de território, em todas as instâncias do judiciário. A deputada federal Joênia Wapichana (REDE), que participa da sessão como representante indígena, faz uma projeção otimista.

“Tenho esperança, os povos indígenas sofreram tanto que merecem uma decisão coerente que confirme o que a constituição já diz”, afirma. “Aguardamos uma decisão favorável, o histórico do Supremo tem sido de decisões que reforçam a Constituição, que defende o direito originário sobre a terra.”

Também há mobilização nas ruas. Desde o dia 22, mais de 6 mil indígenas reúnem-se no Distrito Federal no acampamento ‘Luta pela vida’, contra projetos como o Projeto de Lei 490 e a tese do Marco Temporal, que podem afetar a demarcação de 303 terras indígenas em andamento no País.

O que é o marco temporal

Pelo marco temporal, a população indígena só pode reivindicar a demarcação de terras nas quais já estivessem estabelecidos antes da data de promulgação da Constituição de 88.

Esse entendimento está em vigor desde 2009, quando o STF encerrou o julgamento de uma ação que questionava a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O conflito teve fim com a argumentação dos ministros de que os povos indígenas ocupavam o território quando foi promulgada a Constituição, e por isso detém direito à terra.

Ao mesmo tempo que a decisão reafirmou o direito dos povos originários, ao estipular uma data, ela contraria o artigo 231 da Constituição, que determina o reconhecimento “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Para o advogado Eliesio Marubo, estipular uma data reafirma a inconstitucionalidade da tese e marca o retrocesso nos direitos indígenas. “O 231 menciona que nos é garantido o direito originário pelas terras que tradicionalmente ocupamos e menciona que esse direito à terra é imprescritível.”, afirma. “Dizer que precisamos provar o direito sobre a terra que ocupamos a partir de 1988 é caminhar no sentido contrário ao que está escrito. Não faz sentido essa tese caminhar e ter um resultado positivo no STF dada à inconstitucionalidade.”

O entendimento do Supremo começou a ser utilizado arbitrariamente em outras disputas por terra, o que levou a criação do texto do Marco Temporal. A tese, baseada no julgamento, limita os direitos dos povos originários à terra sob a condição de que estivessem em posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que comprovem a existência de disputa judicial ou conflito pelo território na mesma data.

Aprovação do PL 490 pode sofrer alterações com a decisão

Em paralelo à discussão do marco temporal, foi aprovado na Câmara dos Deputados o projeto de lei 490/2007, que prevê a revisão do usufruto exclusivo das terras pelos indígenas e inclui a participação dos estados e municípios envolvidos na área disputada.

O texto restringe a ampliação de terras já demarcadas e considera nulas as demarcações anteriores que não atendam às regras estabelecidas pelo Marco Temporal. Para os processos em andamento, valerá seguir as novas regras anexadas ao PL.

As alterações nas demarcações também abrem precedentes para a exploração de atividades econômicas em áreas homologadas sem a necessidade de consultar o povo vivente.

Juristas defendem que o acórdão de repercussão Geral em torno do Marco Temporal, caso favorável aos povos indígenas, sobrepõe o texto do PL 490 e reforça a inconstitucionalidade de determinar uma data para a homologação de terras, assim como a flexibilização dos direitos à terra.

Relembre a votação

A sessão de aprovação do PL na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), comandada por Bia Kicis no dia 23 de junho, foi marcada pela recusa de diálogo com o movimento indígena, que não foi ouvido a respeito do projeto.

Na mesma data, indígenas acampados em Brasília foram reprimidos pela Polícia Militar enquanto protestavam em frente à Câmara dos Deputados pelo direito de acompanharem a votação e serem consultados a respeito.

A única representante indígena presente foi Joênia, devido ao cargo de deputada federal. A parlamentar reforça que teve o direito à fala ignorado pela presidenta, que se ausentou da votação durante o discurso.

“É lamentável ter uma atitude desse tipo vindo da presidência, eu estava levantando questões técnicas que deveriam ser consideradas em relação ao PL 490”, diz a deputada. “Nos chocou também o corte diversas vezes na minha fala. Ela não quer ouvir, ela prefere ignorar”.

A deputada reforça que mesmo aprovado, o texto ainda aguarda tramitação para ser levado ao plenário.

Joênia também afirma que durante a sessão, outros políticos se escoraram no foro privilegiado para atacá-la, e que os casos serão denunciados à Comissão de ética.

“Além de cortarem minha fala, sofri ataques de outros parlamentares. Falaram que eu estaria autorizando ‘meus índios’ a flechar, que eram assassinos […]. A própria presidenta disse que eu morava em um zoológico humano, que as terras indígenas são zoológicos humanos”, denuncia. “Eles se escoram no foro para falar qualquer coisa, banalizam porque acham que não vai dar em nada. Estamos encaminhando para a comissão de ética por ferir o foro parlamentar. Se dar em algo ou não, pelo menos eu fiz minha parte”, conclui.

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