Justiça

Luiz Fux: o que esperar do novo presidente do STF

Ministro foi indicado pelo PT e apoiou reveses à sigla; defensor da Lava Jato, novo comandante da Corte pode tomar decisões ‘paradigmáticas’

O ministro Luiz Fux, novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Roberto Jayme/ASCOM/TSE
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O último ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era tudo ou nada para Luiz Fux. Em 2010, o então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fazia campanha entre petistas para subir mais um andar na carreira e tornar-se um dos 11 magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), após uma batalha de sete anos pelo cargo. Chegou a pedir apoio ao líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, e visitou José Dirceu (PT), réu do mensalão na época, segundo informações que o próprio Fux confirmou ao jornal Folha de S. Paulo em 2012. O magistrado finalmente sentou na cadeira do STF em março de 2011, por indicação de Dilma Rousseff (PT), e hoje é um dos sete ministros escolhidos pelo PT.

 

Depois de quase uma década, Fux, aos 67, toma posse como presidente do STF nesta quinta-feira 10, às 16h, em uma cerimônia de uma hora e meia, na presença do presidente Jair Bolsonaro, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entre outras autoridades. O ministro ficará dois anos no comando da Corte, substituindo Dias Toffoli, de quem foi vice.

No espaço de tempo entre garantir o assento no STF e virar presidente do Judiciário, Fux dificultou a vida de integrantes do partido que o levou ao posto.

No início, em 2012, votou pela condenação dos petistas José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, entre outros réus, por corrupção no caso do “mensalão”.

Em 2016, endossou a ordem de Gilmar Mendes e rejeitou o pedido de Dilma que queria Lula como ministro da Casa Civil. No mesmo ano, disse ao O Globo que o processo de impeachment contra a ex-presidente foi um “processo político compatível com o Estado Democrático de Direito”.

Em abril de 2018, votou contra o habeas corpus de Lula, que já estava preso no âmbito da Lava Jato. Em agosto daquele ano, defendia a inelegibilidade do ex-presidente, e no mês seguinte proibiu o petista de dar entrevista à imprensa.

Em 2019, Fux fez coro ao então ministro da Justiça Sergio Moro e votou a favor da prisão após condenação em 2ª instância. Se sua opinião tivesse prevalecido, Lula permaneceria preso.

Em temas econômicos, Fux também já divergiu de bandeiras do PT em votações importantes, como quando apoiou a aprovação da terceirização irrestrita nas atividades de trabalho, o que o partido considerou um “retrocesso”.

Também votou a favor da venda de subsidiárias de empresas estatais sem a autorização do Congresso, decisão manuseada hoje por Bolsonaro para fatiar a Caixa Econômica à iniciativa privada, segundo acusa o partido.

Cargo no STF não é apenas de natureza jurídica, mas também política, diz professor.

Entender o futuro da condução do STF sob a direção de Fux demanda, à primeira vista, apurar o caráter político do cargo – e de seu ocupante.

Para o doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e líder do Centro de Pesquisa de Jurisdição Constitucional (CPJC), Emerson Affonso da Costa Moura, o fato de Fux ter sido pouco “fiel” ao partido que o indicou não é uma surpresa, porque a mesma posição foi adotada por todos os ministros escolhidos pelo partido.

Ao mesmo tempo, para Costa Moura, o cargo no STF não é apenas de natureza jurídica, mas também política, por ser um órgão de cúpula do poder. Portanto, em uma primeira análise, o especialista avalia que faltou ao PT apurar a proximidade ideológica do ministro que indicou. A prática é corrente, por exemplo, nos Estados Unidos, diz ele, onde é comum que o Executivo escolha um ministro da Suprema Corte considerando também sua afinidade política.

“Ele não assume um cargo jurídico, ele assume um cargo de natureza política. Nesse caso, é normal que o chefe do Executivo nomeie alguém que preencha o requisito constitucional, de notório saber jurídico e de reputação ilibada, mas que guarde dentro do espectro político uma ideologia próxima a dele. Não há nenhum impedimento”, examina. “No caso do PT, me parece que faltou esse tipo de nomeação. Faltou maior cuidado em escolher, efetivamente, ministros que se posicionassem na Corte dentro do que eles esperavam.”

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Nelson Jr./SCO/STF


STF terá presidente defensor da Lava Jato

Em relatório à Europa, o PT acusou a Operação Lava Jato de contar com a participação ilegal dos Estados Unidos, por meio da interação entre procuradores e juízes brasileiros e americanos por vias não autorizadas, para instruir métodos pouco ortodoxos nas investigações com a prática de “lawfare”. Com a desestabilização da política, diz o partido, os EUA enfraqueceram empresas brasileiras, como a Petrobras, a Odebrecht e a Embraer. 

Documentos revelados pelo site The Intercept Brasil mostraram que até agentes do FBI participaram das investigações

Críticas a procedimentos pouco convencionais desgastaram a Lava Jato, e hoje ela já não tem mais o mesmo vigor. Mas Fux, aliado de primeira hora da Operação, deve atuar pela preservação dos trabalhos.

Já em 2017, Fux demonstrava preocupação com o enfraquecimento da Lava Jato. Em entrevista ao jornal O Globo, naquele ano, acusou o Congresso de fulminar o trabalho das investigações, comparando com a Operação Mãos Limpas, na Itália.

“A Operação Lava Jato tem como finalidade passar a limpo o Brasil”, dizia. “Queixa-se muito de que a Lava Jato não termina, mas eu entendo que esses integrantes da força-tarefa sabem até onde eles querem chegar. Eles realizam um trabalho digno de muitos elogios. Sou favorável a essa operação.”

O caso “In Fux we trust”, também divulgado pelo Intercept, mostrou que o ministro era da confiança de Sergio Moro e que presenciou reuniões secretas com empresários para tratar da Operação e das eleições presidenciais, como também fez o procurador Deltan Dallagnol.

Para Costa Moura, especialmente no julgamento de Lula, a Lava Jato se apresentou como uma “construção midiática”, com “muitas flexibilizações de garantias processuais constitucionais” que o ex-presidente tinha. O professor vê “excessos” nos trabalhos do Ministério Público Federal (MPF), que, segundo ele, “atuou muitas vezes não baseado em provas”, num “grau bem claro de parcialidade” na condução das questões.

Com Fux, em vez de haver uma oportunidade de reconhecer as ilegalidades, o professor acredita que o novo presidente do STF deve permanecer apoiando a Operação e o fortalecimento do Ministério Público, sem mudança de opinião.

Por outro lado, Costa Moura analisa que o desgaste da Lava Jato na opinião pública demanda um olhar mais atencioso do presidente da Corte sobre como se posicionar na prática, já que a nova era da relação entre o STF e a Operação pode determinar o cenário das eleições presidenciais de 2022, como ocorreu em 2018.

“O fato de o regimento interno dar atribuições ao presidente da Corte e o modo como ele vai exercer essas atribuições, no tocante a colocar em pauta ou não, suspender julgamentos ou não, eventualmente dar decisões monocráticas ou não, é que pode dar o tom a essa segunda etapa de julgamentos da Lava Jato”, analisa.

Fux pode mudar forma na condução dos processos

Uma das primeiras diferenças entre Toffoli e Fux é o perfil acadêmico e profissional.

Enquanto o antecessor não exerceu a carreira de juiz e também não cursou pós-graduação stricto sensu, tendo apenas a graduação, o sucessor fez doutorado em Direito Processual Civil pela UERJ, trabalhou como juiz, desembargador e é professor universitário.

Para Costa Moura, diferenciar a formação de ambos colabora para compreender a dimensão da mudança. O professor destaca que a origem de Fux na escola da UERJ e sua carreira na magistratura fazem com que ele tenha um traçado distinto, defendendo teorias diferentes das seguidas por Toffoli em temas relativos a direitos fundamentais e à interpretação da Constituição.

Portanto, o especialista aguarda “decisões paradigmáticas” na gestão de Fux, que podem mudar a forma que o STF conduz processos e julgamentos.

“O que vai, talvez, marcar o principal aspecto da presidência do Fux em relação ao Toffoli vai ser justamente o seu perfil em relação ao processo civil. Como um professor e autor no tema, que tem, nos últimos anos, trabalhado o novo código de processo civil, é bem provável que ele dê decisões paradigmáticas em matérias de processo constitucional e em matérias de processo civil. Como foi a presidência do Gilmar Mendes: quando assumiu a Presidência, Mendes era um autor que trabalhava com direitos fundamentais. Então, ele vai reconstruindo as decisões da Corte e mudando também o tema de jurisdição constitucional, trazendo novos instrumentos e mecanismos”, avalia.

Num segundo aspecto, Costa Moura afirma que Fux pode atuar em favor de certa “autocontenção” do STF em relação aos outros poderes. Isso porque, na visão do professor, as decisões de Fux se basearam no princípio do “diálogo institucional”, entendendo que não cabe à Corte a palavra final em determinados temas.

“Em relação à interferência nos outros poderes, vai ser um ministro tentando dar decisões mais pautadas numa autocontenção do Judiciário, mais tendente a buscar o diálogo com os outros poderes”, afirma.

Apesar de bom sinal, Fux pode hesitar no zelo à democracia

A princípio, entre os assuntos que Fux deve enfrentar em sua gestão, estão as medidas de gerenciamento da pandemia do novo coronavírus, o inquérito das fake news e o alcance do foro privilegiado, que envolve o caso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Também será em seu mandato que o plenário vai julgar a possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre para as presidências no Congresso.

Sobretudo, o contexto recente de ataques abertos à democracia e ao poder Judiciário elevaram o patamar de relevância do STF para a sociedade civil, atraindo olhares que não estavam tão atentos em anos anteriores.

Em junho, o PDT chegou a entrar com uma ação no Supremo para tratar da atuação das Forças Armadas segundo o artigo 142 da Constituição. Naquele período, autoridades indicaram que o dispositivo poderia justificar uma intervenção militar.

Para o doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcus Ianoni, Fux deu sinal positivo quando determinou que as Forças Armadas não são “poder moderador”.

Contudo, para o pesquisador, Fux possivelmente evitará atritos com os conservadores. Um primeiro passo seria driblar temas importantes mas sensíveis, como drogas e aborto.

Em uma visão mais ampla, Ianoni se diz pouco otimista na contribuição de Fux em aprimorar condutas zelosas à Constituição, por sua postura lavajatista. Com a sua “bênção”, afirma o professor, a Operação atropelou o Estado Democrático de Direito e desembocou num golpe contra Dilma. 

Apesar de haver reconhecimento por parte de alguns ministros, destaca ele, o comportamento geral é de “jogar para a torcida de modo estéril”.

“No geral, vejo a Corte como acovardada perante as forças da extrema-direita e da direita, que têm pressionado para que o sistema jurídico opere de modo seletivo, politizado e faça vista grossa ao lawfare que tem sido praticado contra candidatos, governadores e demais atores políticos”, opina.

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