Justiça

Cervejada Suprema

Com a proximidade da saída de Celso de Mello do STF, em novembro de 2020, Bolsonaro diz que sua indicação será pautada pelo botequim.

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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Não é de hoje que as conversas sobre a indicação do  próximo ministro do STF começaram a esquentar as rotas nos subúrbios do direito. Com a proximidade da saída de Celso de Mello, que se aposentará compulsoriamente em novembro deste ano, os burburinhos começaram a ganhar novos tons, adquirindo centralidade e se tornando um assunto quente nas cercanias do poder entre as elites políticas e jurídicas.

Desde a eleição presidencial, alguns pré-requisitos foram lançados à mesa. O primeiro deles era que o próximo nome a ocupar a vaga deveria ser um ministro “terrivelmente evangélico”, assunto retomado recentemente, com o protagonismo da Anajure — Associação Nacional de Juristas Evangélicos, com o nome de Damares Alves.

Antes disso, Jair Bolsonaro chegou a falar, explicitamente, em uma troca de favores entre ele e Sérgio Moro, que garantiria a indicação do ex-juiz da Lava Jato para a mais desejada cadeira do Judiciário. A suposta moeda de troca para o abandono da carreira como magistrado e para a vinda como ministro da Justiça e Segurança Pública seria a eliminação de Lula das eleições de 2018, o principal oponente nas urnas de Bolsonaro. De quebra, também eliminaria Moro, expoente do lavajatismo e dado como pré-candidato à Presidência da República em 2022.

A indicação, dada por alguns como certa, sofreu reveses em 2020, com a saída de Moro do Ministério de Justiça, em um roteiro digno de novelas. Mais uma vez, a possível troca de favores foi colocada em tela: segundo Bolsonaro, Moro teria pedido a vaga no STF para aceitar a troca de Valeixo no comando da Polícia Federal, enquanto Moro revelou, em trocas de mensagens com a deputada Zambelli, que foi ele quem recusou a oferta.

Alguns nomes sempre aparecem como os novos favoritos: Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, André Mendonça, ministro da Justiça, Wagner Rosário, da CGU, e Augusto Aras, da PGR.

As possíveis indicações de Benedito Gonçalves, do STJ, que afastou provisoriamente Witzel — este que é, ao mesmo tempo, expoente e vítima do judiciarismo — e de João Otávio de Noronha, do STJ, que concedeu a prisão domiciliar a Queiroz, também chegaram a circular nos bastidores.

Agora, segundo declaração de Bolsonaro, os critérios para ser indicado para a cadeira na alta corte do Judiciário é o botequim. O futuro ministro deve ser alguém de “inteira confiança” dos bolsonaristas. Segundo Bolsonaro, o novo pré-requisito é ser alguém que… tome cerveja com ele nos finais de semana.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, ao lado de Jair Bolsonaro após eleição de 2018. Foto: Gustavo Lima/STJ

Patrimonialismo judiciarista

Bolsonaro fala que defende a “Constituição”. Na sua boca, Constituição se esvazia de sentido e pode significar exatamente o que ele quiser. No caso, é sinônimo de sua própria vontade. Sendo assim, Bolsonaro fala, repetidamente, em “defesa da Constituição”, só se esquecendo de complementar que a Constituição a que ele se refere é aquela que se dá com joelhos nos seus pés, que se curva ao seu serviço e que se presta aos seus desejos.

A lógica da indicação passar por alguém que compartilhe um copo de cerveja no botequim é a mesma daquela quando Bolsonaro decidiu intervir no Supremo, cogitando mandar tropas para dobrar os ministros. É mesma lógica de quando Bolsonaro fala que vai defender a Constituição (é a Constituição dele!), dizendo que não pode “assistir calado enquanto direitos são violados e ideias são perseguidas”, justificando todos seus rompantes e arbitrariedades no argumento perigoso de que sua luta é para defender “a Constituição e a liberdade dos brasileiros”.

É a mesma lógica de se dizer em defesa do “povo” — povo, para Bolsonaro, é o povo dele, é a base que o apoia. É o mesmo método de quando Bolsonaro usa a máquina pública para perseguir opositores, como quando Moro pediu a abertura de inquérito contra punks do evento Facada Fest, ou quando André Mendonça fez advocacia privada, ingressando com habeas corpus para amigos da Presidência, especificamente Weintraub, pedindo o fim de inquérito de fake news.

Só que dessa vez Bolsonaro descobriu uma intervenção muito mais simplória que aquela, com tropas de choque. Ela passa pela ocupação simbólicas das nuances mais finas do poder, ela circula livremente nas nuances amargas da cevadas. Ela se sujeita ao aparelhamento privado de uma justiça servil, arcaica, patrimonialista, da Casa Grande, do palácio presidencial, enquanto, lá fora, o Brasil continua ardendo em chamas, destruindo as nossas possibilidades de futuro.

A cervejada Suprema custará o esfacelamento contínuo daquilo que, simploriamente e insistentemente, ousamos chamar de “comum”.

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