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Moro não é terceira via, é o bolsonarismo sem Bolsonaro

O ex-juiz é uma fração do mesmo bloco de poder, a expressar tudo o que a elite aporofóbica deste país é: racista, classista e preconceituosa

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Foto: Eduardo Matysiak/AFP
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Em recentes declarações à revista Veja, Sergio Moro teceu comentários a advogados que criticaram a atuação dele enquanto juiz. Moro atacou especialmente o Grupo Prerrogativas, dizendo, entre outros absurdos, que os profissionais que o integram trabalham pela impunidade de corruptos. O discurso, por sua agressividade e total descompasso com a realidade, não pode ficar sem resposta, e é por isso que ocupo este espaço para refutá-lo.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que a fala do ex-juiz revela uma grave deficiência cognitiva em uma área do conhecimento que ele deveria dominar. A crítica feita por ele demonstra desconhecimento do que sejam a advocacia, os direitos e o Direito. Qualquer estudante de primeiro ano de Direito sabe que advogado nenhum defende corrupto ou bandido, defende os direitos da pessoa – veja, nem a conduta nem a pessoa, mas os direitos dela. Direitos que qualquer um, mesmo tendo cometido crime, possui, pelo simples fato de ser humano. Relacionar a advocacia à defesa de crimes revela uma interpretação anti-humanista do Direito, que Moro reproduziu enquanto juiz, atuando contra os direitos dos acusados que julgou.

A hostilidade do ex-juiz com a advocacia não é novidade. Durante audiências da Lava Jato, ele entrou em conflito com advogados dos réus, confundindo o exercício ético da advocacia com obstaculização de investigações, e escancarando sua total ausência de imparcialidade. Ao atacar os advogados e não compreender que as pessoas são detentoras de direitos, Moro descortina também um déficit moral democrático, pois os direitos são os mais relevantes valores morais de uma democracia, aquilo que lhe confere civilidade. Uma sociedade civilizada é justamente uma sociedade que respeita os direitos – o que não se viabiliza sem advogados.

Moro disse ainda que os advogados aos quais critica se arvoram uma superioridade moral em relação ao Ministério Público e aos juízes da Lava Jato. Mas o que ocorreu foi justamente o contrário. Eles é que reivindicaram para si a figura do que Hans Kelsen chama de líder populista, que se apresenta como superior à moralidade da sociedade e que tem força para trazer a ordem. O populista de direita crê numa ordem e numa homogeneidade social em que todos pensam da mesma forma e em que aqueles que se opõem devem ser tratados como inimigos.

O agora candidato à Presidência da República perseguiu ferrenhamente Lula não por um desejo genuíno de combater a corrupção, pois sempre soube que o ex-presidente era inocente. Perseguiu Lula por preconceito. Assim como boa parte da elite sulista eurocêntrica, ele não aceita que um homem sem educação formal, originário das classes mais pobres e nordestino, tenha feito um dos melhores governos da nossa história.

Moro executou um processo fraudulento contra Lula para impedi-lo de ser candidato novamente. Aliás, é bom que se diga, não há processo no plano filosófico-político mais corrupto do que um juiz criar um processo falso, enganoso, para interferir na democracia. Como juiz, Moro apropriou-se do sentido dos direitos da nossa Constituição, interpretando-os conforme seus interesses. O resultado disso, como vimos, foi a eleição de Bolsonaro, que o recompensou com o Ministério da Justiça.

A hostilidade do ex-juiz contra os advogados, especialmente contra os do Grupo Prerrogativas, certamente está calcada no fato de que foram eles que demonstraram ao STF a total parcialidade de Moro. Evidenciaram que ele agiu politicamente, o que, para quem ainda tinha alguma dúvida, se comprova agora com sua candidatura e a de seus pares. Os advogados aos quais Moro critica conhecem os processos e sabem que ele agiu com dolo, manipulando o processo para gerar uma condenação injusta.

Se Moro fosse um juiz isento, jamais teria aceito o cargo de ministro de Bolsonaro e, agora, empreendido essa candidatura, contrariando, inclusive, o que afirmou quando ainda estava na magistratura. Mas o fato é que Moro nunca foi um juiz, no sentido material da expressão. Foi um militante político que se valeu da jurisdição para alcançar notoriedade e chegar ao poder.

Ao atacar os advogados, Moro ataca os direitos, algo que remonta ao século XV e vem sendo construído com luta e sacrifício, com sangue nas calçadas, por lideranças políticas e pessoas comuns interessadas no desenvolvimento da civilização. Por fim, é bom frisar que Moro não é terceira via coisa alguma. É o bolsonarismo sem Bolsonaro, uma fração do mesmo bloco de poder que compartilha uma visão de mundo profundamente autoritária e extremista de direita. O bloco que representa e expressa tudo que a elite aporofóbica deste país é: racista, classista e preconceituosa. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1192 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Bolsonarismo sem Bolsonaro”

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