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Viktor Orban impõe projeto educacional polêmico na Hungria

Os estudantes são ensinados que meninos e meninas não possuem as mesmas capacidades físicas e aptidões intelectuais

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O novo programa educacional do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, alcançou um novo patamar, reiterando a decisão de excluir os estudos de gênero da lista de diplomas oficiais do país. No Brasil, onde a disciplina chegou a ser chamada de “ideologia de gênero”, o debate sobre o assunto provocou controvérsia.

Orban pode ser descrito como um personagem controverso. Recentemente, seu país foi alvo de um procedimento inédito da União Europeia, quando o Parlamento Europeu votou, em 12 de setembro, o artigo 7.º do Tratado do bloco, que poderá punir Budapeste por supostos ataques ao Estado de Direito. Neste momento, segundo o jornal Le Monde , “a Hungria de Orban escolheu um novo inimigo e dá início a uma cruzada contra os estudos de gênero”.

O jornal francês lembra que, em 14 de agosto, o executivo húngaro anunciou a decisão de remover “estudos de gênero” da lista de diplomas com credenciamento oficial, lançando “a pedra fundamental para o projeto cultural e intelectual da ‘nova era’, anunciado por Orban após sua reeleição, em 8 de abril”. A remoção dos estudos de gênero da grade escolar e acadêmica húngara será efetivada neste mês de setembro, segundo o vespertino.

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“Os estudos de gênero, que formam um campo interdisciplinar de pesquisa sobre relações sociais entre os sexos, foram institucionalizados inicialmente nos campi norte-americanos”, pontua Le Monde. O vespertino sublinha que, apenas na Hungria, essa área do conhecimento foi ensinada por mais de 20 anos na Central European University, instituição fundada pelo bilionário norte-americano de origem húngara, George Soros, “uma personalidade cujo apoio financeiro para teses progressistas desagrada Orban”.

Em entrevista ao jornal francês, a reitora do CEU, Eva Fodor, afirma que “ao colocar a questão da legitimidade acadêmica desses estudos, considerados polêmicos pelos círculos conservadores e religiosos”, este país da Europa Central estaria “na vanguarda dos ataques realizados em todo o continente contra o feminismo e valores que apoiam a emancipação”. “Essas autoridades com certeza pensam que falamos de sexo o dia inteiro”, ironiza Fodor a Le Monde. “A mensagem enviada é de uma submissão das liberdades acadêmicas a critérios políticos”, denuncia a reitora ao jornal francês.

Em abril deste ano, o site da revista francesa L’Obs publicou com destaque uma reportagem sobre o novo programa educacional “conservador e nacionalista” do premiê húngaro, que “introduz o sexismo nas escolas” e que “incita as mulheres a ficarem em casa e fazerem filhos”, segundo a reportagem.  

O periódico francês destaca em sua matéria que os colegiais húngaros aprendem, a partir de 2018, que “meninos e meninas não possuem as mesmas capacidades físicas e aptidões intelectuais” e que os novos livros obrigatórios de Moral e Cívica ensinam agora que “ter relações sexuais fora do casamento é um pecado”. Segundo Julia Spronz, ativista dos Direitos Humanos na Hungria, da ONG PATENT, entrevistada por L’Obs, “é cada vez mais evidente que, para este governo, as mulheres são inferiores aos homens”.

No Brasil, a repulsa aos estudos de gênero, classificados como “ideologia de gênero”, movimentou alguns setores da sociedade. Em outubro de 2016, um protesto de pais de estudantes do tradicional Colégio Pedro II, contra o que consideravam “ideologia de gênero nas escolas” e por uma “escola sem partido”, terminou com um estudante agredido na praia de Copacabana. A polêmica surgiu após a instituição de ensino abolir, em julho do mesmo ano, a distinção de uniforme entre alunos e alunas.

Em nota, o Pedro II afirmou que “o colégio não está obrigando ou induzindo os estudantes a usarem determinada vestimenta. Ne verdade, o colégio está possibilitando que os estudantes usem o tipo de uniforme de acordo com suas identidades de gênero”. A resposta dos estudantes foi imediata: muitos meninos começaram a frequentar as aulas vestidos com saias, em apoio à decisão da diretoria.

Em novembro de 2017, a filósofa norte-americana Judith Butler, referência mundial em estudos de gênero, que estava no Brasil a convite do Sesc Pompeia, em São Paulo, para um ciclo de conferências, foi perseguida por manifestantes “contra a ideologia de gênero” durante o lançamento do livro Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo, mesmo estando acompanhada de dois agentes da Polícia Federal. Com cartazes com dizeres como “Menos bruxas e mais príncipes e princesas”, os manifestantes se dirigiam aos “comunistas, feministas e fascistas” afirmando que “a revolução familiar começou”. Na época, personalidades como o ex-jogador Romário e o ex-ator Alexandre Frota também se posicionaram contra a “ideologia de gênero”.

A passagem de Judith Butler pelo Brasil terminou com um incidente no check-in do Aeroporto de Congonhas, quando a filósofa, à espera de embarcar para o Rio de Janeiro, foi perseguida por uma mulher que segurava um cartaz com uma foto sua desfigurada e gritava xingamentos.

Butler respondeu à agressão: “Quando violência e ódio se tornam instrumentos da política e da moral religiosa, então a democracia é ameaçada por aqueles que pretendem rasgar o tecido social, punir as diferenças e sabotar os vínculos sociais necessários para sustentar nossa convivência aqui na Terra”.

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