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Quem não tem armas químicas na Síria?

Ainda não há provas, mas os indícios são de que tanto o regime quanto os rebeldes mais radicais têm, e já usaram, agentes químicos na guerra civil

O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, e o chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, durante entrevista em Moscou. As duas potências vão tentar comandar uma nova tentativa de diálogo entre Assad e seus opositores
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No fim da noite de domingo 5, em entrevista à Radiotelevisione svizzera, a investigadora da ONU Carla del Ponte afirmou que os rebeldes sírios teriam usado gás sarin no combate às forças de Bashar al-Assad. Segundo ela, havia “suspeitas concretas” sobre este fato. Menos de 24 horas depois, o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a ONU já haviam negado a fala de Del Ponte, uma mulher conhecida na comunidade internacional por fazer alarde de boatos durante crises humanitárias, como contou a revista Foreign Policy.

Apesar do desmentido, não é improvável que, com o passar do tempo e o agravamento do conflito, a guerra civil síria se torne cada vez mais “química”.

Assad tem um enorme arsenal com este tipo de armamento. O regime prometeu não usá-lo contra sua própria população, mas segundo mais de um especialista, um ou mais dos quatro ataques químicos de pequena monta realizados até aqui na Síria podem ter sido apenas um ensaio, para fazer a comunidade internacional “se acostumar” com este tipo de atrocidade. “Primeiro foi a artilharia, depois os bombardeios, depois os [mísseis] Scud. Um ano atrás, ele não estava matando 100 pessoas por dia. Ele está introduzindo as armas químicas gradualmente, para nos acostumarmos”, disse à revista The New Yorker o ex-integrante da Inteligência do Exército dos EUA Joseph Holliday.

Segundo fontes da mesma revista, o regime Assad teria até treinado as milícias shabiha (que não andam uniformizadas e realizam uma série de massacres) para manipular essas armas. Seria uma forma de colocar o arsenal em uso sem transparecer de imediato a responsabilidade sobre ele.

Quanto aos rebeldes, a certeza sobre seu arsenal, ainda mais químico, é frágil. Há, entretanto, indícios. O Exército Livre da Síria, grupo secular que congrega as diversas milícias da oposição, nega ter armas químicas. O Jabhat al-Nusra, braço da Al-Qaeda que atua nas fileiras rebeldes de forma proeminente, no entanto, pode ter algum tipo de arma química e estar pronto para usá-la.

Em março, após o ataque na cidade de Khan al-Assal, uma fonte do Exército sírio (e, portanto, interessada) afirmou ao Channel 4 do Reino Unido que os rebeldes teriam utilizado bombas improvisadas com cloro. Talvez não por coincidência, a Al-Qaeda no Iraque, laço do Al-Nusra com a Al-Qaeda, fez diversos testes com armas químicas à base de cloro. A transferência deste tipo de conhecimento bélico, assim, não seria uma surpresa.

De acordo com o jornal The Telegraph, analistas norte-americanos e independentes acham que algumas vítimas foram “expostas a agentes cáusticos como o cloro” e que pode ter havido “uso criativo” de agentes químicos. Ainda segundo a publicação britânica, este tipo de armamento improvisado não é considerado “arma química” por tratados internacionais. Assim, ao dizer que os rebeldes não têm armamentos químicos, a ONU e os EUA podem estar andando sobre uma linha meramente semântica.

A dificuldade da comunidade internacional para confirmar o uso de armas químicas pode estimular o uso deste tipo de armamento. Para que as Nações Unidas digam de forma clara que houve uso de arma química, há um protocolo que envolve diversos testes em amostras de material genético de vítimas, humanas e animais, e do solo. Sem acesso direto à Síria, investigadores de França e Reino Unido, engajados na busca por respostas, estão tendo dificuldades em confirmar se houve uso de armas químicas, qual agente foi usado e de qual lado partiu o ataque. Sem as informações, não há como condenar um dos dois lados. Sem condenação internacional, a utilização de armas químicas pode se tornar uma trágica regra.

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