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No segundo turno, Equador escolhe novo presidente

Lenín Moreno, ex-vice de Rafael Correa, enfrenta Guilherme Lasso, que denuncia o “socialismo do século XXI”

Lenín Moreno e Lasso: o socialista enfrenta o banqueiro
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Da esquerda à direita, partidos e lideranças demonstraram-se satisfeitos com o resultado que determinou a realização do segundo turno na eleição presidencial do Equador, programado para 2 de abril.

O apoio popular que quase rendeu a vitória antecipada ao situacionista Lenín Moreno, ex-vice-presidente de Rafael Correa e candidato da Aliança País, e a garantia de maioria na Assembleia Nacional (com a conquista de 75 das 138 vagas) confirmaram a adesão de parte substancial dos equatorianos ao projeto liderado até então por Rafael Correa.

A oposição, por sua vez, capitalizou a sobrevida eleitoral do banqueiro Guillermo Lasso como a chance que precisava para voltar ao poder e não amargar a quarta derrota consecutiva.

A ameaça não abateu a conhecida verve de Correa, que após duas eleições vencidas no primeiro turno prepara-se para deixar o cargo, após dez anos. “A direita está tão acostumada a perder que está comemorando a chegada ao segundo turno como uma conquista. É essa direita que não tem cara, tem interesses e que será mais uma vez derrotada. Obrigado Equador por essa mais essa vitória contundente da Revolução Cidadã”, provocou.

A afirmação foi feita em uma das sabatinas semanais que o líder promove em diferentes regiões do país para estar em contato permanente com a população e combater a versão apresentada pelos meios de comunicação dominantes.

A organização de uma estrutura para apresentações culturais e discursos políticos é uma das práticas que os conservadores prometem encerrar por considerarem elevado o custo de dez mil dólares investidos para a realização dos encontros. A diretriz da direita equatoriana prevê corte de gastos públicos e redução de tributos como fórmula para o desenvolvimento e a erradicação do desemprego, estipulado em 6% pelo Instituto Nacional de Estatística e Censo.

Não à toa, a frase mais repetida durante toda a campanha está na boca de Lasso, sócio por muitos anos de um dos mais poderosos bancos privados do país e candidato da coalizão “Criando Oportunidades”. Criar um milhão de empregos é o mote de Lasso, que promete, para isso, a extinção de treze impostos.

As críticas ao “socialismo do século XXI” também têm destaque na campanha. “Os ganhadores são vocês equatorianos. Mais de 65% se pronunciaram pelo não continuísmo, pela mudança do modelo econômico e político, pela democracia, pelos que menos possuem. Vamos defender essa vitória”, discursou.

Para Ana Mercedez Galarza, ex-miss Equador eleita com 74 mil votos pela província de Tungurahua e apoiadora de Lasso, a eleição do banqueiro seria “o símbolo do triunfo da democracia sobre a ditadura”. “Moreno representa o socialismo do século XXI, que acarretou muitos danos a diferentes países da região. Moreno é o Maduro equatoriano”, afirma.

Galarza nega que a resposta de Lasso ao socialismo seja o neoliberalismo. “Nosso modelo não é privatizante, tampouco neoliberal. Defendemos alianças público privadas sem o desperdício dos recursos para sermos estáveis economicamente e mais atrativos ao investimento estrangeiro”, diz.

A palavra socialista não incomoda os apoiadores de Lenín Moreno. O candidato defende a atuação do Estado como promotor do desenvolvimento social. Para isso, apresenta propostas para diferentes segmentos em um extenso programa que prevê a ampliação do acesso à universidade, a construção de 40 escolas técnicas e a erradicação da desnutrição infantil. A construção de 300 mil casas para os mais pobres, o crédito de até 15 mil dólares para jovens empreendedores e o fortalecimento de conselhos consultivos com empresários complementam algumas das principais propostas da frente de esquerda.

“Nossas propostas não se reduzem a um punhado de slogans, mas respondem a uma análise responsável do que fizemos e do que devemos ampliar e melhorar”, diz Gabriela Rivadeneria, presidente da Assembleia Nacional reeleita como a mulher mais votada do país pela segunda vez consecutiva. “Temos um candidato que já foi vice-presidente, que liderou um programa mundialmente reconhecido em matéria de direitos para as pessoas com necessidades especiais. Ademais, representa uma gestão comprometida com os setores populares, expoente de um processo que recuperou o Estado para as grandes maiorias sociais”, afirma.

Contraste na correlação de forças

No principal debate realizado no primeiro turno das eleições, Lenín Moreno esteve exposto às críticas de sete concorrentes que apontavam o que consideravam as fragilidades do atual governo. A desvantagem na arena política foi revertida nas urnas com superioridade de mais de um milhão de votos da chapa situacionista.

A confrontação de modelos intensificou-se a partir da campanha do segundo turno. Parte das diferenças pode ser verificada nos apoios buscados por cada candidato para aumentar seu cacife eleitoral.

Lasso aposta na transferência de votos dos demais políticos tradicionais derrotados. Cynthia Viteri, que chegou a rivalizar pelo segundo posto e disparava críticas acerca das demissões que o banqueiro realizou quando esteve à frente do Banco Guayaquil, dos mais importantes do país, rapidamente engrossou a aliança formatada pelo campo conservador.

“O país ganhou ao decidir mudar o regime totalitário através das urnas com a certeza do segundo turno. Agora votaremos pela candidatura do senhor Lasso, mas digo que o Partido Social Cristão não fará parte de nenhum governo”, anunciou publicamente, respaldada pela conquista de um milhão e quinhentos votos.

A posição da única mulher até então na disputa foi seguida pelo ex-prefeito de Quito, Paco Moncayo (Esquerda Democrática), que obteve 634 mil votos e por Abdalá Bucaram (Partido Fuerza), detentor de pouco mais de 450 mil votos, complementando o grupo que reprova a chamada Revolução Cidadã.

“A situação é bastante confusa, há muita desinformação. Os eleitores de Lasso alegam que querem sair do continuísmo, que Correa roubou dinheiro. Sempre que se pergunta algo falam de Correa e não de Lenín, que tem se dedicado a inaugurações públicas, ao passo que a campanha milionária da oposição está em todos os lugares”, critica a estudante Yessenia Enriquez, residente em Quito.

Para aplacar a onda neoliberal, Lenín Moreno obteve o engajamento do Centro Democrático Nacional, movimento social com frentes feministas e da juventude, de Iván Espinel, concorrente mais jovem à presidência que amealhou 200 mil votos, além de mais de 140 prefeitos que assinaram um manifesto a favor do bloco.

O coletivo atua para combater as afirmações de que a administração central é a mais corrupta da história ao estar envolvida no desvio de dinheiro de obras públicas realizadas pela empreiteira brasileira Odebrecht e das acusações de vender o país aos chineses por conta do aumento da presença do gigante asiático no setor energético e nas Ilhas Galápagos, mai conhecido destino turístico do país.

“Temos uma campanha negativa. Os candidatos apontam motivos para não votar no adversário. Ocorre um fenômeno que a direita mira o voto popular, trata-se de uma máquina eleitoral que vai dizer o que precisar para ganhar votos” comentou recentemente a cientista política Isabel Ramos, em entrevista à Telesur.

Em contrapartida, a fortaleza de Correa, que tocou em interesses sensíveis a determinados segmentos, foi realizar políticas universais para a população, mas faltou politização para que o povo entendesse que os direitos conquistados precisam ser garantidos politicamente. Lenín, por sua vez, tem um selo de gestor social e fala em negociação”, afirma.

A eleição vencida e a Restauração Conservadora

Junto à escolha de quem vai governar o Equador, os eleitores votaram para que os funcionários e autoridades públicas sejam proibidos de manter contas bancárias em paraísos fiscais. Os 54% favoráveis à proposta agradaram à base governista, defensora da medida como a verdadeira luta contra a corrupção, mas foram interpretados de outra maneira pela parcela privilegiada da sociedade.

“Criou-se um Estado enorme e impossível de se sustentar. Reduziu-se o espaço da sociedade civil, a estabilidade transformou-se em autoritarismo e a redução da pobreza foi acompanhada de corrupção e falta de transparência. Lasso está mais perto de ter soluções para esse momento histórico” afirma Gonzallo Orellana, economista equatoriano que vive em Londres.

Ainda na esfera das finanças outro tema que ganha relevo é a dolarização. Acostumados com o manejo dos dólares, parte dos cidadãos rechaça qualquer sinalização de que o Equador possa voltar a ter divisas próprias, como chegou a aventar Lenín. A possibilidade de que o Estado passe a controlar a cotação de uma eventual moeda incomoda o empresariado.

“A revanche das elites em toda sua virulência coloca em postos chave do Estado representantes de grandes grupos econômicos, mas o campo progressista impulsiona a resistência. A tendência de uma restauração conservadora tem sido vitoriosa na região, impondo-se, em alguns casos pela via eleitoral e em outros por mecanismos de duvidosa ou nenhuma legitimidade e por isso as eleições do Equador têm uma significativa transcendência regional “, observa Rivadeneira, a presidente da Assembleia Nacional.

Apesar do cenário internacional vantajoso aos conservadores e do quadro polarizado internamente, pesquisas indicam vantagem de aproximadamente 15% para Aliança País. “Ganhamos com mais de um milhão no primeiro turno e agora vamos derrotar a direita por dois milhões de votos. O que está em jogo no Equador é a educação pública, a gratuidade no acesso à saúde de qualidade, o futuro do nosso país”, diz Moreno.

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