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Julian Assange: o misterioso nômade digital

Aos 41 anos, fundador do Wikileaks virou alvo de poderosos com divulgação de dados secretos e agora busca asilo político no Equador

O fundador do Wikileaks, Julian Assange. Foto: Geoff Caddick/AFP
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Julian Assange é uma figura dúbia, às vezes sombria. Para muitos, os vazamentos de documentos oficiais de países e empresas por meio do Wikileaks, organização criada por ele em 2006, o fazem um ícone moderno da liberdade de informação, uma espécie de Robin Hood digital. Outros veem em sua atuação apenas uma peça midiática. E é neste grupo que se encontram as figuras mais proeminentes (e poderosas) atingidas por Assange. Para elas, a disponibilização de dados é perigosa. Um exemplo sempre usado é a liberação de documentos sobre a Guerra do Iraque, que poderia colocar as vidas de milhares de soldados em risco. Ciente desta correlação de forças a apoiá-lo ou a tentar derrubá-lo, o australiano de Townsville, Queensland, adota uma estratégia de proteção de seu legado aprendida na infância nômade com os pais, donos de um teatro itinerário de marionetes. O Wikileaks está sempre de mudança, seja física ou em sua estrutura online.

E é ali, na plataforma digital, que o australiano, de 41 anos, reina. Tudo no Wikileaks é discutido e debatido entre os integrantes da equipe, mas no aspecto tecnológico quem manda é Julian. Definido por seus companheiros como um homem extremamente inteligente e antenado. Quase sempre surgem elogios sobre suas fantásticas habilidades de hacker, com as quais foi capaz de construir, com a ajuda de parceiros, um sistema online de envio e recebimento de arquivos impenetrável. A drop box, como é chamada essa caixa de mensagens, é um caminho não rastreável, que permite ao remetente enviar documentos, imagens e vídeos sem que o Wikileaks (ou qualquer pessoa no mundo) saiba a origem dos dados e da fonte. “Ele é um dos melhores hackers do mundo e sua capacidade de desenvolver e entender o fluxo de informações na internet faz dele um gênio”, afirma Natalia Viana, jornalista e diretora da Pública, organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos que tem parcerias com o Wikileaks. No entanto, desde 2010 a ferramenta chave da organização está fechada, após ter sido sabotada por um ex-funcionário do Wikileaks. Normal, no grupo reina uma relação de amor e ódio.

O revés, entretanto, não diminui a representatividade de Julian no mundo hacker. O australiano integra um grupo revolucionário que nos anos 80, enquanto o mundo assistia ao lançamento de computadores pessoais da IBM, já surfava na internet em fase pós-embrionária em busca de dados. Aos 18 anos de idade, no início da rede mundial de computadores Assange viu a chance de revolucionar o fluxo de informações e quebrar o monopólio da mídia, governos e empresas. Em Melbourne, na Austrália, queria acima de tudo ser respeitado por seus ideais. Após anos de mudanças, que tinha em comum com seus ancestrais vindos da Escócia e da Irlanda, naquela cidade alcançaria estabilidade. Parte de sua infância transcorreu na pequena Magnetic Island, a oito quilômetros de Townsville. Sua mãe, Christine, se mudou para o local em 1971. À época, a ilha era o point dos hippies. Solteira, ela queria uma vida mais calma para o filho. Mas a agitação voltou à família dois anos depois, quando conheceu Brett Assange, diretor de teatro. Ele seria padrasto de Julian até os nove anos e lhe daria seu nome. O artista e Christine viviam uma vida boemia e, em meio a viagens, o pequeno Julian teve uma infância livre. Ocupada com teatro, a mãe de Assange o estimulou a ser independente. Ele, por outro lado, via em Christine uma figura política e ativista das causas que defendia. Mas os relacionamentos instáveis de Christine influenciavam toda a família. Após o fim do casamento com Brett, ela entrou em um relacionamento com um músico amador integrante de uma seita australiana anônima. Do vínculo com o violento homem nasceu um filho e surgiu o medo da vida a dois. Para não enfrentar uma disputa pela guarda da criança, Christine fugiu e passou a ter uma vida itinerante. As fugas do ex-marido e dos problemas com a seguridade social levaram a família a pular de cidade em cidade e até a mudar de nomes. Aos 14 anos, Assange já havia estudado em 37 escolas. Devorava livros e parecia gostar de novos ares. Com a mãe, aprendeu a não respeitar cegamente as figuras de autoridade e colocou essa filosofia em prática em Melbourne. Lá, aos 14 anos conheceu o mundo da computação, ao qual despejou horas de seu tempo até dominar os códigos de programação e passou a desafiar a “lei” do monopólio da informação.

Havia também tempo para o convívio social. Aos 18 anos conheceu uma jovem um pouco mais nova com quem foi morar a poucos quilômetros da casa de sua mãe. À época, a internet se expandia rapidamente e as noites acordadas buscando dados na rede viraram rotina. A experiência de surfar no ambiente virtual era tão intensa que nem mesmo o nascimento do filho Daniel o removeu desta “bolha”. Sua esposa sente-se sozinha e o casal não resiste à obsessão de Julian. Pouco depois, em 1991, ele acaba preso e acusado de 30 delitos cibernéticos. Depois disso, não volta a ficar no radar da polícia. “Os princípios dos hackers daquela época e também a posição bem forte sobre a liberdade de informação não eram tão distantes de uma forma radical de jornalismo”, conta Kristinn Hrafnsson, porta-voz do Wikileaks, a CartaCapital. “Aprendi a ver a perspectiva e os ideais destas pessoas de uma forma muito mais positiva do que a conotação negativa geralmente associada aos hackers”, completa o jornalista islandês da “velha escola” e “sem muita afinidade com computadores”. Segundo ele, Assange o ensinou a maneira “correta” de usar as informações: “Transparência para os poderosos e discrição aos civis.”

O princípio tem origem nos ensinamentos da mãe e a luta contra o “sistema” ganha força na batalha pela guarda do filho. Mesmo dominado a língua da programação, Assange se inscreve em um curso básico de programação em uma universidade australiana em 1994, quando começa o processo para reaver o filho. O criador do Wikileaks chegou a cursar, décadas mais tarde, entre 2003 e 2006, Matemática e Física na Universidade de Melbourne, mas não concluiu nenhum dos cursos. Conseguiu, no entanto, reconhecimento como jornalista com o Wikileaks, embora também não tenha diploma na área. À época, Assange acreditava que Daniel corria risco com a ex-mulher e seu novo companheiro. A agência de proteção à criança de Melbourne discordou e recusou o seu processo. O jovem australiano começa então a plantar a raiz do site de vazamento de dados oficiais mais famoso da história. Alegando negligência com seu caso, ele cria com a ajuda da mãe uma instituição contra as autoridades locais de proteção à criança. A organização incentiva os funcionários do “sistema” a informarem de forma anônima falhas graves. Apenas em 1998, após dezenas de apelos e intenso estresse, consegue um acordo com a ex-mulher. Dizem que é nesta época que seus cabelos deixam de ser marrons e tornaram-se brancos.

Essa filosofia anti-establishment também rendeu frutos ao Wikileaks. Após quatro anos de existência com pouco barulho, em abril de 2010, a organização “explodiu” e se tornou conhecida mundialmente. O motivo da fama foi a divulgação de uma filmagem na qual soldados americanos no Iraque atiram 18 civis de um helicóptero e os matam. Começavam ali os problemas da organização e de seu fundador, que ainda liberaram centenas de milhares de telegramas secretos de embaixadas dos EUA. Em dezembro daquele mesmo ano, Assange seria detido no Reino Unido após a Suécia emitir um mandado de prisão internacional por suposto assédio sexual. Para seus colegas trata-se de uma armação. Mas as autoridades suecas o acusam de estuprar uma mulher e molestar sexualmente e coagir outra em agosto de 2011, durante uma visita a Estocolmo para uma palestra. Segundo Assange, os dois encontros foram inteiramente consensuais e as denúncias têm motivação política.

Ao mesmo tempo em que a atuação do Wikileaks despertou a ira de chefes de Estado, também rendeu a Assange um bom punhado de amigos ricos e influentes. Colegas que conseguiram tirá-lo da prisão em apenas 18 horas, pagando uma fiança de cerca de 605 mil reais em valores atuais. Pelo acordo, o australiano ficaria em prisão domiciliar na mansão de campo de Vaughan Smith, dono do Frontline Club – uma organização de jornalismo investigativo em Londres. De lá, seguiu trabalhando sem restrições com seu grupo de apoiadores, enquanto o pedido de extradição para a Suécia se arrasta por mais de um ano na Suprema Corte britânica. O país escandinavo solicita a presença do criador do Wikileaks para esclarecimentos sobre as agressões sexuais. Detalhe: não há acusações formais.

Mesmo assim, o tempo de Assange em terras britânicas pode estar terminando. Há cerca de um mês, o órgão máximo da justiça britânica aprovou sua extradição. Na última semana, a corte também negou uma nova apelação do australiano alegando não haver méritos ao pedido. Como opção, resta apenas recorrer à Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo até 28 de junho. “Há uma boa chance de ele ser deportado, esta é quase a última tentativa”, disse Natalia Viana a CartaCapital, no dia em que a Suprema Corte decidiu pela extradição. Uma decisão que desperta temor tanto em Assange quanto em seus colaboradores. A organização acredita que todo o processo sueco está sendo impulsionado pelos EUA, governo mais afetado pelos vazamentos do Wikileaks e que já tentou forçar a organização a devolver os documentos secretos do país em seu poder. “[Os EUA] querem julgá-lo pela lei de espionagem”, suspeita Viana. Segundo ela, um dos últimos vazamentos da organização indicava a existência de um pedido formal secreto de uma acusação do governo norte-americano contra Assange. Hrafnsson diz não haver provas, mas o e-mail de um CEO da Stratfor – agência privada de espionagem a trabalhar para os EUA – mencionava o pedido, nunca negado pelo governo norte-americano.

A extradição de Assange da Suécia aos EUA é mais simples, acredita o jornalista islandês. “Quando se lida com um país superpoderoso (Reino Unido) e um pequeno como a Suécia é óbvio que há um balanço do poder. É mais fácil conseguir a extradição da Suécia que no Reino Unido.” Além disso, emenda Hrafnsson, há um mecanismo legal no país escandinavo que permitiria a transferência do australiano aos EUA mesmo se não houver um resultado legal definitivo das acusações que sofre na Suécia. “É claro o sentimento negativo do governo norte-americano contra Julian e isso pode levar a uma longa detenção, semelhante a do ex-soldado do Exército norte-americano Bradley Manning, uma forma igual à tortura.” Uma intenção evidenciada, prossegue Hrafnsson, pelo uso cada vez mais frequente na administração de Barack Obama do ato de espionagem – lei da Primeira Guerra Mundial sobre traição -, contra pessoas que vazam informações. Antes de Obama, o ato havia sido usado há vários anos contra um jornalista que vazou papeis do Pentágono. “Hoje, há o caso de Manning (suspeito de enviar documentos secretos sobre a Guerra no Iraque ao Wikileaks), que pode ser condenado à morte por ajudar o inimigo.” Esse tipo de tratamento é o maior medo dos colegas de Assange. “A procuradoria sueca disse querer ele isolado até a acusação. Isso cortaria sua comunicação com o mundo.”

Em um universo no qual as teorias da conspiração podem ser reais, Assange tomou uma postura inesperada para muitos no início desta semana. O australiano violou os termos de sua prisão domiciliar e pediu asilo político à embaixada do Equador em Londres, alegando que sua prisão era baseada na perseguição de seus ideais de liberdade. Caso deixe o prédio, voltará à prisão de onde, provavelmente, sairá apenas para ser enviado à Suécia. Mas a ação de Assange tem um fundamento recente. Em novembro de 2010, ele recebeu um convite do ex-ministro de Relações Exteriores do Equador para viver no país onde poderia realizar seu trabalho sem problemas. À época o presidente do país, Rafael Correa, desautorizou o ex-ministro e criticou o Wikileaks. O cenário mudou, no entanto, em abril de 2011. Após um vazamento da organização, Correa expulsou a embaixadora norte-americana no país. Em telegramas oficiais, a diplomata sugeria o conhecimento de Correa sobre acusações de corrupção feitas contra um chefe de policia promovido a comandante de uma força nacional. Após isso, os laços de Assange com o presidente equatoriano aumentaram. Correa foi inclusive entrevistado no programa de Assange, exibido no canal de tevê Russia Today. Na conversa, o chefe de Estado elogiou o Wikileaks, defendeu a liberdade de expressão e disse: “Bem-vindo ao clube dos perseguidos”. O Equador avalia o pedido, enquanto Assange fica sob a proteção do país na embaixada em Londres. Na conferência Rio+20 Correa disse que vai analisar se há “perigo de morte” e consultará os países envolvidos no embaraço diplomático. “Pelos delitos dele, é possível que seja condenado à morte nos EUA. E defendemos a vida”, disse o presidente. Aceitar o australiano, no final, pode ser passo interessante para Correa, acusado de cercear a liberdade de imprensa em seu próprio país.

Mesmo cercado de polêmicas e problemas judiciais, Julian é um homem bem conectado e excelente estrategista. “Nunca o vi por mais de 20 minutos distante de um computador”, diz Natalia Viana. A jornalista brasileira foi convidada a se juntar ao Wikileaks em novembro de 2010 para o lançamento dos 250 mil telegramas das embaixadas norte-americanas, porque Assange queria alguém confiável no Brasil. “O Brasil é um grande país, independente, assim como a Austrália. Não pode ser visto como América Latina mesmo porque tem sua própria língua”, afirmou Assange quando Viana lhe perguntou o motivo pelo qual havia sido escolhida. No dia seguinte à conversa, ele “blindou” pessoalmente todos os computadores dos parceiros naquele trabalho. “É uma pessoa muito zelosa por lidar com informações muito sensíveis.” A preocupação faz com que as pessoas a trabalhar com ele assinem um termo de confidencialidade sobre os dados aos quais terão acesso, grande parte deles pertencentes a governos e organizações que gostariam de mantê-los em segredo. “Julian tem legítimas preocupações em relação a sua segurança, especialmente pelas ameaças que sofre de pessoas proeminentes. Esse tipo de discurso pode instigar pessoas instáveis”, relata Hrafnsson. Exemplos de pessoas que estiveram com Assange por alguns minutos e tentaram repercutir a qualquer custo o encontro são inúmeros, diz. “Há pessoas que distorceram suas conversas com ele, mesmo jornalistas.” Alguns deles são ex-colaboradores, como James Ball, um jornalista formado em Oxford, que sempre batia de frente com Julian ao defender a imprensa britânica, segundo Viana. Meses depois de participar do vazamento dos telegramas dos EUA, juntou-se ao time investigativo do diário britânico The Guardian e deu horas de depoimentos que renderam um livro sobre Assange. Ball reclamou do estilo “errático” da organização e de Julian. Para o jornalista britânico, os ativistas são profissionalmente despreparados. Casos como o livro crítico do ex-colega Ball e a sabotagem da drop box moldam a estrutura mutável da organização. Segundo Viana, a tecnologia entre cada vazamento também é alterada.

Após os vazamentos de 2010, Assange se tornou um rosto conhecido. Essa exposição tornou mais difícil fazer novas amizades e confiar nas pessoas. “Qualquer um que passe cinco minutos com ele poderia ficar famoso. A curiosidade a respeito da figura dele gera dinheiro. Há muitas pessoas a escrever livros e fazer documentários sobre o Julian”, conta Viana. E isso criou o temor de que pessoas sejam implantadas próximas a ele para colher informações. “Ele desagradou países como a China, os EUA, a Suíça e países da União Europeia. É claro que há muita gente que tenta implantar indivíduos no Wikileaks, por isso eles (o que inclui Julian) têm muita dificuldade em confiar nas pessoas.”

De fato, é difícil localizar integrantes da organização para falar sobre Assange. Ligar para um número remoto na Islândia não faz parte da rotina de um jornalista brasileiro, mas é assim que contato Hrafnsson. Tive de telefonar várias vezes para o porta-voz do Wikileaks e sempre deixei recados nos quais dizia ter conseguido o número dele de Viana. Também enviei uma série de e-mails. Após um primeiro contato, houve meia dúzia de ligações para encontrar um horário para a entrevista. Hrafnsson trabalhou na grande mídia por 20 anos, antes de manter relações com o Wikileaks. Ele sabe, portanto, lidar com a curiosidade de jornalistas sobre Assange, a quem conheceu há cerca de três anos.

O jornalista islandês ofereceu respostas diretas. Destacou, por exemplo, que Assange é uma pessoa inteligente, pensativa e empática. “Julian pensa fora da caixa, se concentra em soluções inovadoras para problemas cotidianos.” O australiano gosta também de mentes analíticas. Um de seus passatempos favoritos é dissecar e ponderar sobre complicados. Para Viana, Assange é menos sisudo do que aparenta. O peso de seu trabalho é que reflete em uma imagem pesada, misteriosa. “Ele vem desafiando o status quo, e isso é uma coisa bastante séria e sensível politicamente”, explica a brasileira. Há, porém, um lado trivial no criador do Wikileaks ,embora ele não dê espaço para conversa fiada. “Uma vez puxei um assunto para saber dos signos das pessoas da equipe. Ele ficou irritado. E disse: ’Estamos aqui com 250 mil documentos, o maior vazamento da humanidade e você vem me perguntar sobre signos?’”, Viana conta aos risos.

Na mídia pipocam notícias sobre como as pessoas se afastam de Julian Assange. Dizem que tem um gênio forte. Mas há espaço para brincadeiras, como nos trabalhos para a divulgação dos telegramas norte-americanos. Uma das colaboradoras do grupo pediu um casaco a Natalia Viana, uma espalhafatosa peça de lã azul marinho salpicada de bolinhas verdes. “Julian surgiu pouco depois de óculos, lenço estampado de cetim sobre a cabeça e vestia um casaco com enchimento nos peitos e nas costas, simulando uma bizarra corcova. Fizemos uma breve sessão de fotos, até ser interrompidos por ele: ‘Vamos, vamos!’” Naquela época, houve o cerco financeiro ao Wikileaks. Em dezembro de 2010, os fundos recebidos pela organização via doações pelos cartões de crédito Visa e Mastercard, além do Pay Pal foram bloqueados. Uma redução de 95% das receitas, que ainda afeta o grupo. “Consumimos quase todos os nossos recursos e economias. Isso limitou severamente a nossa habilidade de expandir e nos concentrar em novos projetos, mas é uma ponte que vamos ter que cruzar quando chegarmos lá, o que pode ser em breve”, conta Hrafnsson.

Mesmo assim, Assange não perde as esperanças de que conseguirá continuar a trabalhar, dizem seus colaboradores. De um papo recente com o australiano e sua equipe, Viana destaca a ideia real, e talvez ingênua, da crença ferrenha em poder mudar o mundo com o trabalho do Wikileaks. “Assange conseguiu reconhecimento mundial com uma mentalidade que entende a mudança da comunicação e da informação.” Com Hrafnsson, os diálogos não são menos específicos. Conversam sobre o papel fundamental dos universos virtuais e de ferramentas digitais para derrubar governos tiranos no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, os dois conversaram sobre como essas mesmas ferramentas geram a opressão. “Na Líbia e no Egito, softwares feitos no Ocidente estavam ligados a arquivos espiões para encontrar uma forma de ajudar os regimes de Mubarak e Kaddafi a rastrear e torturar as pessoas”, afirma o jornalista. “Outro dia, falamos muito sobre a situação complexa da mídia em muitos países da América Latina. Ele entrevistou o Rafael Correa sobre esse problema no país dele e falaram sobre o cerco contra Hugo Chávez, quando a mídia participou da incitação para tirá-lo do poder.” O relato das conversas do porta-voz do Wikileaks com Assange mostram um alinhamento à visão de Correa. Tudo isso em uma entrevista realizada muito antes do pedido de asilo ao Equador. Sinal de que Assange já tinha em mente o país sul-americano no caso de uma eventual emergência.

Julian Assange é uma figura dúbia, às vezes sombria. Para muitos, os vazamentos de documentos oficiais de países e empresas por meio do Wikileaks, organização criada por ele em 2006, o fazem um ícone moderno da liberdade de informação, uma espécie de Robin Hood digital. Outros veem em sua atuação apenas uma peça midiática. E é neste grupo que se encontram as figuras mais proeminentes (e poderosas) atingidas por Assange. Para elas, a disponibilização de dados é perigosa. Um exemplo sempre usado é a liberação de documentos sobre a Guerra do Iraque, que poderia colocar as vidas de milhares de soldados em risco. Ciente desta correlação de forças a apoiá-lo ou a tentar derrubá-lo, o australiano de Townsville, Queensland, adota uma estratégia de proteção de seu legado aprendida na infância nômade com os pais, donos de um teatro itinerário de marionetes. O Wikileaks está sempre de mudança, seja física ou em sua estrutura online.

E é ali, na plataforma digital, que o australiano, de 41 anos, reina. Tudo no Wikileaks é discutido e debatido entre os integrantes da equipe, mas no aspecto tecnológico quem manda é Julian. Definido por seus companheiros como um homem extremamente inteligente e antenado. Quase sempre surgem elogios sobre suas fantásticas habilidades de hacker, com as quais foi capaz de construir, com a ajuda de parceiros, um sistema online de envio e recebimento de arquivos impenetrável. A drop box, como é chamada essa caixa de mensagens, é um caminho não rastreável, que permite ao remetente enviar documentos, imagens e vídeos sem que o Wikileaks (ou qualquer pessoa no mundo) saiba a origem dos dados e da fonte. “Ele é um dos melhores hackers do mundo e sua capacidade de desenvolver e entender o fluxo de informações na internet faz dele um gênio”, afirma Natalia Viana, jornalista e diretora da Pública, organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos que tem parcerias com o Wikileaks. No entanto, desde 2010 a ferramenta chave da organização está fechada, após ter sido sabotada por um ex-funcionário do Wikileaks. Normal, no grupo reina uma relação de amor e ódio.

O revés, entretanto, não diminui a representatividade de Julian no mundo hacker. O australiano integra um grupo revolucionário que nos anos 80, enquanto o mundo assistia ao lançamento de computadores pessoais da IBM, já surfava na internet em fase pós-embrionária em busca de dados. Aos 18 anos de idade, no início da rede mundial de computadores Assange viu a chance de revolucionar o fluxo de informações e quebrar o monopólio da mídia, governos e empresas. Em Melbourne, na Austrália, queria acima de tudo ser respeitado por seus ideais. Após anos de mudanças, que tinha em comum com seus ancestrais vindos da Escócia e da Irlanda, naquela cidade alcançaria estabilidade. Parte de sua infância transcorreu na pequena Magnetic Island, a oito quilômetros de Townsville. Sua mãe, Christine, se mudou para o local em 1971. À época, a ilha era o point dos hippies. Solteira, ela queria uma vida mais calma para o filho. Mas a agitação voltou à família dois anos depois, quando conheceu Brett Assange, diretor de teatro. Ele seria padrasto de Julian até os nove anos e lhe daria seu nome. O artista e Christine viviam uma vida boemia e, em meio a viagens, o pequeno Julian teve uma infância livre. Ocupada com teatro, a mãe de Assange o estimulou a ser independente. Ele, por outro lado, via em Christine uma figura política e ativista das causas que defendia. Mas os relacionamentos instáveis de Christine influenciavam toda a família. Após o fim do casamento com Brett, ela entrou em um relacionamento com um músico amador integrante de uma seita australiana anônima. Do vínculo com o violento homem nasceu um filho e surgiu o medo da vida a dois. Para não enfrentar uma disputa pela guarda da criança, Christine fugiu e passou a ter uma vida itinerante. As fugas do ex-marido e dos problemas com a seguridade social levaram a família a pular de cidade em cidade e até a mudar de nomes. Aos 14 anos, Assange já havia estudado em 37 escolas. Devorava livros e parecia gostar de novos ares. Com a mãe, aprendeu a não respeitar cegamente as figuras de autoridade e colocou essa filosofia em prática em Melbourne. Lá, aos 14 anos conheceu o mundo da computação, ao qual despejou horas de seu tempo até dominar os códigos de programação e passou a desafiar a “lei” do monopólio da informação.

Havia também tempo para o convívio social. Aos 18 anos conheceu uma jovem um pouco mais nova com quem foi morar a poucos quilômetros da casa de sua mãe. À época, a internet se expandia rapidamente e as noites acordadas buscando dados na rede viraram rotina. A experiência de surfar no ambiente virtual era tão intensa que nem mesmo o nascimento do filho Daniel o removeu desta “bolha”. Sua esposa sente-se sozinha e o casal não resiste à obsessão de Julian. Pouco depois, em 1991, ele acaba preso e acusado de 30 delitos cibernéticos. Depois disso, não volta a ficar no radar da polícia. “Os princípios dos hackers daquela época e também a posição bem forte sobre a liberdade de informação não eram tão distantes de uma forma radical de jornalismo”, conta Kristinn Hrafnsson, porta-voz do Wikileaks, a CartaCapital. “Aprendi a ver a perspectiva e os ideais destas pessoas de uma forma muito mais positiva do que a conotação negativa geralmente associada aos hackers”, completa o jornalista islandês da “velha escola” e “sem muita afinidade com computadores”. Segundo ele, Assange o ensinou a maneira “correta” de usar as informações: “Transparência para os poderosos e discrição aos civis.”

O princípio tem origem nos ensinamentos da mãe e a luta contra o “sistema” ganha força na batalha pela guarda do filho. Mesmo dominado a língua da programação, Assange se inscreve em um curso básico de programação em uma universidade australiana em 1994, quando começa o processo para reaver o filho. O criador do Wikileaks chegou a cursar, décadas mais tarde, entre 2003 e 2006, Matemática e Física na Universidade de Melbourne, mas não concluiu nenhum dos cursos. Conseguiu, no entanto, reconhecimento como jornalista com o Wikileaks, embora também não tenha diploma na área. À época, Assange acreditava que Daniel corria risco com a ex-mulher e seu novo companheiro. A agência de proteção à criança de Melbourne discordou e recusou o seu processo. O jovem australiano começa então a plantar a raiz do site de vazamento de dados oficiais mais famoso da história. Alegando negligência com seu caso, ele cria com a ajuda da mãe uma instituição contra as autoridades locais de proteção à criança. A organização incentiva os funcionários do “sistema” a informarem de forma anônima falhas graves. Apenas em 1998, após dezenas de apelos e intenso estresse, consegue um acordo com a ex-mulher. Dizem que é nesta época que seus cabelos deixam de ser marrons e tornaram-se brancos.

Essa filosofia anti-establishment também rendeu frutos ao Wikileaks. Após quatro anos de existência com pouco barulho, em abril de 2010, a organização “explodiu” e se tornou conhecida mundialmente. O motivo da fama foi a divulgação de uma filmagem na qual soldados americanos no Iraque atiram 18 civis de um helicóptero e os matam. Começavam ali os problemas da organização e de seu fundador, que ainda liberaram centenas de milhares de telegramas secretos de embaixadas dos EUA. Em dezembro daquele mesmo ano, Assange seria detido no Reino Unido após a Suécia emitir um mandado de prisão internacional por suposto assédio sexual. Para seus colegas trata-se de uma armação. Mas as autoridades suecas o acusam de estuprar uma mulher e molestar sexualmente e coagir outra em agosto de 2011, durante uma visita a Estocolmo para uma palestra. Segundo Assange, os dois encontros foram inteiramente consensuais e as denúncias têm motivação política.

Ao mesmo tempo em que a atuação do Wikileaks despertou a ira de chefes de Estado, também rendeu a Assange um bom punhado de amigos ricos e influentes. Colegas que conseguiram tirá-lo da prisão em apenas 18 horas, pagando uma fiança de cerca de 605 mil reais em valores atuais. Pelo acordo, o australiano ficaria em prisão domiciliar na mansão de campo de Vaughan Smith, dono do Frontline Club – uma organização de jornalismo investigativo em Londres. De lá, seguiu trabalhando sem restrições com seu grupo de apoiadores, enquanto o pedido de extradição para a Suécia se arrasta por mais de um ano na Suprema Corte britânica. O país escandinavo solicita a presença do criador do Wikileaks para esclarecimentos sobre as agressões sexuais. Detalhe: não há acusações formais.

Mesmo assim, o tempo de Assange em terras britânicas pode estar terminando. Há cerca de um mês, o órgão máximo da justiça britânica aprovou sua extradição. Na última semana, a corte também negou uma nova apelação do australiano alegando não haver méritos ao pedido. Como opção, resta apenas recorrer à Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo até 28 de junho. “Há uma boa chance de ele ser deportado, esta é quase a última tentativa”, disse Natalia Viana a CartaCapital, no dia em que a Suprema Corte decidiu pela extradição. Uma decisão que desperta temor tanto em Assange quanto em seus colaboradores. A organização acredita que todo o processo sueco está sendo impulsionado pelos EUA, governo mais afetado pelos vazamentos do Wikileaks e que já tentou forçar a organização a devolver os documentos secretos do país em seu poder. “[Os EUA] querem julgá-lo pela lei de espionagem”, suspeita Viana. Segundo ela, um dos últimos vazamentos da organização indicava a existência de um pedido formal secreto de uma acusação do governo norte-americano contra Assange. Hrafnsson diz não haver provas, mas o e-mail de um CEO da Stratfor – agência privada de espionagem a trabalhar para os EUA – mencionava o pedido, nunca negado pelo governo norte-americano.

A extradição de Assange da Suécia aos EUA é mais simples, acredita o jornalista islandês. “Quando se lida com um país superpoderoso (Reino Unido) e um pequeno como a Suécia é óbvio que há um balanço do poder. É mais fácil conseguir a extradição da Suécia que no Reino Unido.” Além disso, emenda Hrafnsson, há um mecanismo legal no país escandinavo que permitiria a transferência do australiano aos EUA mesmo se não houver um resultado legal definitivo das acusações que sofre na Suécia. “É claro o sentimento negativo do governo norte-americano contra Julian e isso pode levar a uma longa detenção, semelhante a do ex-soldado do Exército norte-americano Bradley Manning, uma forma igual à tortura.” Uma intenção evidenciada, prossegue Hrafnsson, pelo uso cada vez mais frequente na administração de Barack Obama do ato de espionagem – lei da Primeira Guerra Mundial sobre traição -, contra pessoas que vazam informações. Antes de Obama, o ato havia sido usado há vários anos contra um jornalista que vazou papeis do Pentágono. “Hoje, há o caso de Manning (suspeito de enviar documentos secretos sobre a Guerra no Iraque ao Wikileaks), que pode ser condenado à morte por ajudar o inimigo.” Esse tipo de tratamento é o maior medo dos colegas de Assange. “A procuradoria sueca disse querer ele isolado até a acusação. Isso cortaria sua comunicação com o mundo.”

Em um universo no qual as teorias da conspiração podem ser reais, Assange tomou uma postura inesperada para muitos no início desta semana. O australiano violou os termos de sua prisão domiciliar e pediu asilo político à embaixada do Equador em Londres, alegando que sua prisão era baseada na perseguição de seus ideais de liberdade. Caso deixe o prédio, voltará à prisão de onde, provavelmente, sairá apenas para ser enviado à Suécia. Mas a ação de Assange tem um fundamento recente. Em novembro de 2010, ele recebeu um convite do ex-ministro de Relações Exteriores do Equador para viver no país onde poderia realizar seu trabalho sem problemas. À época o presidente do país, Rafael Correa, desautorizou o ex-ministro e criticou o Wikileaks. O cenário mudou, no entanto, em abril de 2011. Após um vazamento da organização, Correa expulsou a embaixadora norte-americana no país. Em telegramas oficiais, a diplomata sugeria o conhecimento de Correa sobre acusações de corrupção feitas contra um chefe de policia promovido a comandante de uma força nacional. Após isso, os laços de Assange com o presidente equatoriano aumentaram. Correa foi inclusive entrevistado no programa de Assange, exibido no canal de tevê Russia Today. Na conversa, o chefe de Estado elogiou o Wikileaks, defendeu a liberdade de expressão e disse: “Bem-vindo ao clube dos perseguidos”. O Equador avalia o pedido, enquanto Assange fica sob a proteção do país na embaixada em Londres. Na conferência Rio+20 Correa disse que vai analisar se há “perigo de morte” e consultará os países envolvidos no embaraço diplomático. “Pelos delitos dele, é possível que seja condenado à morte nos EUA. E defendemos a vida”, disse o presidente. Aceitar o australiano, no final, pode ser passo interessante para Correa, acusado de cercear a liberdade de imprensa em seu próprio país.

Mesmo cercado de polêmicas e problemas judiciais, Julian é um homem bem conectado e excelente estrategista. “Nunca o vi por mais de 20 minutos distante de um computador”, diz Natalia Viana. A jornalista brasileira foi convidada a se juntar ao Wikileaks em novembro de 2010 para o lançamento dos 250 mil telegramas das embaixadas norte-americanas, porque Assange queria alguém confiável no Brasil. “O Brasil é um grande país, independente, assim como a Austrália. Não pode ser visto como América Latina mesmo porque tem sua própria língua”, afirmou Assange quando Viana lhe perguntou o motivo pelo qual havia sido escolhida. No dia seguinte à conversa, ele “blindou” pessoalmente todos os computadores dos parceiros naquele trabalho. “É uma pessoa muito zelosa por lidar com informações muito sensíveis.” A preocupação faz com que as pessoas a trabalhar com ele assinem um termo de confidencialidade sobre os dados aos quais terão acesso, grande parte deles pertencentes a governos e organizações que gostariam de mantê-los em segredo. “Julian tem legítimas preocupações em relação a sua segurança, especialmente pelas ameaças que sofre de pessoas proeminentes. Esse tipo de discurso pode instigar pessoas instáveis”, relata Hrafnsson. Exemplos de pessoas que estiveram com Assange por alguns minutos e tentaram repercutir a qualquer custo o encontro são inúmeros, diz. “Há pessoas que distorceram suas conversas com ele, mesmo jornalistas.” Alguns deles são ex-colaboradores, como James Ball, um jornalista formado em Oxford, que sempre batia de frente com Julian ao defender a imprensa britânica, segundo Viana. Meses depois de participar do vazamento dos telegramas dos EUA, juntou-se ao time investigativo do diário britânico The Guardian e deu horas de depoimentos que renderam um livro sobre Assange. Ball reclamou do estilo “errático” da organização e de Julian. Para o jornalista britânico, os ativistas são profissionalmente despreparados. Casos como o livro crítico do ex-colega Ball e a sabotagem da drop box moldam a estrutura mutável da organização. Segundo Viana, a tecnologia entre cada vazamento também é alterada.

Após os vazamentos de 2010, Assange se tornou um rosto conhecido. Essa exposição tornou mais difícil fazer novas amizades e confiar nas pessoas. “Qualquer um que passe cinco minutos com ele poderia ficar famoso. A curiosidade a respeito da figura dele gera dinheiro. Há muitas pessoas a escrever livros e fazer documentários sobre o Julian”, conta Viana. E isso criou o temor de que pessoas sejam implantadas próximas a ele para colher informações. “Ele desagradou países como a China, os EUA, a Suíça e países da União Europeia. É claro que há muita gente que tenta implantar indivíduos no Wikileaks, por isso eles (o que inclui Julian) têm muita dificuldade em confiar nas pessoas.”

De fato, é difícil localizar integrantes da organização para falar sobre Assange. Ligar para um número remoto na Islândia não faz parte da rotina de um jornalista brasileiro, mas é assim que contato Hrafnsson. Tive de telefonar várias vezes para o porta-voz do Wikileaks e sempre deixei recados nos quais dizia ter conseguido o número dele de Viana. Também enviei uma série de e-mails. Após um primeiro contato, houve meia dúzia de ligações para encontrar um horário para a entrevista. Hrafnsson trabalhou na grande mídia por 20 anos, antes de manter relações com o Wikileaks. Ele sabe, portanto, lidar com a curiosidade de jornalistas sobre Assange, a quem conheceu há cerca de três anos.

O jornalista islandês ofereceu respostas diretas. Destacou, por exemplo, que Assange é uma pessoa inteligente, pensativa e empática. “Julian pensa fora da caixa, se concentra em soluções inovadoras para problemas cotidianos.” O australiano gosta também de mentes analíticas. Um de seus passatempos favoritos é dissecar e ponderar sobre complicados. Para Viana, Assange é menos sisudo do que aparenta. O peso de seu trabalho é que reflete em uma imagem pesada, misteriosa. “Ele vem desafiando o status quo, e isso é uma coisa bastante séria e sensível politicamente”, explica a brasileira. Há, porém, um lado trivial no criador do Wikileaks ,embora ele não dê espaço para conversa fiada. “Uma vez puxei um assunto para saber dos signos das pessoas da equipe. Ele ficou irritado. E disse: ’Estamos aqui com 250 mil documentos, o maior vazamento da humanidade e você vem me perguntar sobre signos?’”, Viana conta aos risos.

Na mídia pipocam notícias sobre como as pessoas se afastam de Julian Assange. Dizem que tem um gênio forte. Mas há espaço para brincadeiras, como nos trabalhos para a divulgação dos telegramas norte-americanos. Uma das colaboradoras do grupo pediu um casaco a Natalia Viana, uma espalhafatosa peça de lã azul marinho salpicada de bolinhas verdes. “Julian surgiu pouco depois de óculos, lenço estampado de cetim sobre a cabeça e vestia um casaco com enchimento nos peitos e nas costas, simulando uma bizarra corcova. Fizemos uma breve sessão de fotos, até ser interrompidos por ele: ‘Vamos, vamos!’” Naquela época, houve o cerco financeiro ao Wikileaks. Em dezembro de 2010, os fundos recebidos pela organização via doações pelos cartões de crédito Visa e Mastercard, além do Pay Pal foram bloqueados. Uma redução de 95% das receitas, que ainda afeta o grupo. “Consumimos quase todos os nossos recursos e economias. Isso limitou severamente a nossa habilidade de expandir e nos concentrar em novos projetos, mas é uma ponte que vamos ter que cruzar quando chegarmos lá, o que pode ser em breve”, conta Hrafnsson.

Mesmo assim, Assange não perde as esperanças de que conseguirá continuar a trabalhar, dizem seus colaboradores. De um papo recente com o australiano e sua equipe, Viana destaca a ideia real, e talvez ingênua, da crença ferrenha em poder mudar o mundo com o trabalho do Wikileaks. “Assange conseguiu reconhecimento mundial com uma mentalidade que entende a mudança da comunicação e da informação.” Com Hrafnsson, os diálogos não são menos específicos. Conversam sobre o papel fundamental dos universos virtuais e de ferramentas digitais para derrubar governos tiranos no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, os dois conversaram sobre como essas mesmas ferramentas geram a opressão. “Na Líbia e no Egito, softwares feitos no Ocidente estavam ligados a arquivos espiões para encontrar uma forma de ajudar os regimes de Mubarak e Kaddafi a rastrear e torturar as pessoas”, afirma o jornalista. “Outro dia, falamos muito sobre a situação complexa da mídia em muitos países da América Latina. Ele entrevistou o Rafael Correa sobre esse problema no país dele e falaram sobre o cerco contra Hugo Chávez, quando a mídia participou da incitação para tirá-lo do poder.” O relato das conversas do porta-voz do Wikileaks com Assange mostram um alinhamento à visão de Correa. Tudo isso em uma entrevista realizada muito antes do pedido de asilo ao Equador. Sinal de que Assange já tinha em mente o país sul-americano no caso de uma eventual emergência.

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