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“França vive islamização do radicalismo”

Sociólogo Dietmar Loch afirma que uso da violência como forma de protesto contra exclusão e discriminação existe há tempos nos subúrbios franceses

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Por Greta Hamann

Em entrevista à DW, o sociólogo Dietmar Loch, da Universidade de Lille, afirma que a discriminação sofrida pela população dos bairros marginalizados da França está na raiz de atentados como o de Nice.

Especialista em questões de integração, imigração e exclusão urbana, Loch diz ser necessário atender às necessidades das populações menos favorecidas das áreas periféricas, para que o combate ao radicalismo possa ter sucesso.

“As pessoas que agem agora de forma violenta, através de ataques terroristas, muitas vezes não são tão fortemente religiosas. É menos uma radicalização do islã e mais uma islamização do radicalismo”, avalia.

Deutsche Welle: Pouco se sabe até agora sobre o terrorista de Nice. Apenas que o tunisiano, de 31 anos, viva na França há dez anos e que teria se radicalizado nas últimas semanas. Qual a probabilidade de que um homem decida realizar uma ação como aquela dentro de tão curto espaço de tempo?

DL: A brevidade desse tempo de radicalização não pode ser excluída. No entanto, na maioria dos casos, o processo ocorre durante um período mais longo. Geralmente, ocorre como com os autores dos atentados de Paris em 2015. Eles foram criados na França, são crianças da sociedade francesa, que, em seguida, em um determinado momento, entram em contato com islamistas – frequentemente quando estão dentro de cadeias. Nesse ponto, o caso em Nice é relativamente novo.

DW: O senhor tem lidado principalmente com os problemas nos subúrbios franceses, onde também cresceram parte dos autores dos recentes ataques terroristas em Paris e Bruxelas. O autor do atentado de Nice chegou há apenas 10 anos na França. É possível fazer algo contra este tipo de criminosos?

DL: Claro que é um problema altamente complexo, e também as pessoas e as personalidades diferem consideravelmente, existem diferentes padrões.

Mas acho que é um problema de longo prazo não só da França. É preciso, no entanto, continuar dando atenção aos lugares dos quais sai a maioria desses autores, os subúrbios socialmente desfavorecidos. Isso não significa que o jihadismo militante estaria limitado apenas às pessoas marginalizadas em bairros marginalizados. Mas o ponto crucial do problema tem relação com esses subúrbios.

Os problemas nos subúrbios franceses são conhecidos há mais de 30 anos. No entanto, existem hipóteses pelas quais mudou o protesto que vimos durante os tumultos violentos dos jovens nos subúrbios franceses em 2005. As pessoas que agem agora de forma violenta, através de ataques terroristas, muitas vezes não são tão fortemente religiosas. É menos uma radicalização do islã e mais uma islamização do radicalismo. Radicalismo em termos de protesto violento existe há tempos nos subúrbios, como forma de protesto contra a exclusão, contra o desemprego, contra a discriminação sócio-espacial, contra a discriminação racial.

DW: De onde vem esta violência?

DL: O jihadismo militante é, quantitativamente falando, um problema marginal. Naturalmente não em sua singularidade patológica e brutalidade bárbara. As pessoas que se radicalizam são muitas vezes gente que não tem nada a perder, porque tem sido marginalizada há anos. O que, claro, não serve de desculpa para os terroristas. Todos têm que assumir a responsabilidade pelos terríveis atos que realizam. Mas temos também que entender o problema.

Não são apenas as pessoas que vêm de estratos absolutamente marginalizados da sociedade, mas também pessoas de origem imigrante que tiveram uma formação profissionalizante, que têm, relativamente, alta qualificação e que são discriminadas, por exemplo, em seus esforços para obter um emprego. Então, muitas dessas pessoas reagem de forma mais sensível.

DW: Qual a influência da estrutura urbana, também especificamente considerando Nice, onde vivia o autor do ataque de 14 de julho?

DL: A discriminação e a conseguinte radicalização são um problema que anda de mãos dadas com a segregação urbana, com bairros socialmente desfavorecidos. Estes existem em todas as grandes cidades na Europa, também na Alemanha, embora em quantidade menor do que na França. Mas a divisão social do espaço, a diferença entre bairros ricos e pobres, existe em toda parte.

Em Nice também há bairros pobres, em parte com condições de vida insuportáveis. Também porque o espaço geográfico é ali particularmente limitado. Em Nice, os problemas sociais se refletem na estrutura da cidade da mesma forma que em Marselha, Lyon ou Paris.

DW: O que tem que acontecer na França para que esse ressentimento das pessoas excluídas não seja mais transformado em radicalismo?

DL: A classe política na França também tem que ser mais honesta em relação a si mesma. Eles conhecem os problemas, desenvolveram a política urbana nos últimos 30 anos, mas a coisa ainda não parece funcionar muito bem.

É necessário pensar a longo prazo. Isso significa que é necessário visitar esses bairros, as prisões e as mesquitas. Isto também inclui o desenvolvimento de uma política social e de emprego adequada às necessidades das pessoas, que as traga de volta às condições de trabalho adequadas às suas qualificações.

Além disso, devem ser feitas ofertas políticas que sejam passíveis de crédito. A taxa de abstenção de eleitores na França é maior nos subúrbios. Precisamos de modelos democráticos e não medidas de segurança autoritárias, que levam a ainda mais radicalização. É nisso que temos que investir, é coisa de que sabemos há tempos, e nisso certamente também ocorreu um fracasso do meio político.

E por último, mas não menos importante, é necessário agir no plano ideológico. É preciso responder aos islamistas através do esclarecimento, mostrar aos jovens aonde esse jihadismo militante leva no final. Já existem interessantes exemplos de tais programas de contra radicalização. No Reino Unido, por exemplo, há pessoas que ficaram de 10 a 20 anos na cena islamista. Hoje, elas estão envolvidas no trabalho de prevenção e tentam dissuadir os jovens sob risco de se converterem ao jihadismo, através de discussões intensas, através de um trabalho social em uma rede regional, baseados em seu conhecimento religioso.

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