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“Erdogan vai fortalecer sua posição de poder”

Segundo especialista, após golpe fracassado, presidente turco pode utilizar a ocasião para acerto de contas com opositores e críticos

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Em entrevista à Deutsche Welle, o editor e estudioso do Islã Michael Lüders, presidente da Sociedade Árabe-Alemã, afirma que é muito simplista imaginar que o Movimento Gülen esteja por trás do levante e que esse fosse capaz de realizar sozinho o golpe de Estado que se sucedeu na noite de sexta-feira 15 Turquia.

O especialista em assuntos islâmicos disse ainda que o presidente turco deverá sair fortalecido da tentativa fracassada de golpe de Estado e que “irá, obviamente, agir com o maior rigor contra todos os seus adversários, não apenas dentro das Forças Armadas.”

DW: Como você avalia a situação atual na Turquia?

Michael Lüders: Aparentemente, os golpistas não alcançaram o objetivo de derrubar o governo. As forças fiéis ao governo, dentro e fora do Exército, foram capazes de tomar o controle da situação. Assim, o golpe pode ser visto como fracassado.

Aparentemente, a totalidade das Forças Armadas não participou do levante. Já se sabe quem está por trás dessa tentativa de golpe?

Até agora, não temos nenhuma informação sobre os antecedentes e os responsáveis pelo golpe. É certo que somente parte dos militares se rebelou. Mas, no presente momento, ainda não se conhecem detalhes.

DW: Você acha que é possível que Fethullah Gülen esteja por trás da tentativa de golpe, como afirma o presidente Recep Tayyip Erdogan?

O governo Erdogan reage de forma um pouco reflexiva ao fazer tal acusação. É certamente muito simplista imaginar que o Movimento Gülen – ou seja, uma organização transnacional, que está bastante enraizada na Turquia e defende uma visão de um mundo islâmico conservador – esteja por trás do levante.

Anteriormente, esse movimento esteve intimamente ligado ao AKP, partido de Erdogan. Então, os dois brigaram, em parte devido a diferentes pontos de vista sobre a distribuição de poder e recursos. A extensa reivindicação de poder por parte de Erdogan também desagradou ao movimento iniciado pelo imã Fethullah Gülen.

Pode-se descrever tal movimento como uma rede que reúne pessoas com a mesma visão de mundo, tentando fazer com que elas assumam postos importantes no governo e na sociedade. Parece-me um pouco absurdo pensar que os seguidores do imã Gülen sejam capazes agora de realizar, sozinhos, esse golpe.

DW: O que poderia ter motivado os golpistas?

O provável motivo pode ser a insatisfação de partes do Exército e da população com a política do governo Erdogan. No centro das críticas devem estar a reivindicação de poder absoluto por parte do presidente e a questão de como lidar com a crescente violência na Turquia – ou seja, com os atentados terroristas, com o conflito no sudeste do país, como também na Síria.

Possivelmente, houve opiniões divergentes quanto a esses pontos – mas também contas que os golpistas queriam acertar com Erdogan devido a algumas de suas decisões. Mas tudo isso são suposições, até agora não temos nenhuma certeza.

DW: Houve alguma indicação de que os militares ou elementos das Forças Armadas poderiam se posicionar contra Erdogan e o governo AKP?

Não, não houve. Nos últimos tempos, as relações entre Erdogan e os militares turcos estavam, na verdade, boas. Nos anos anteriores, o Exército via no presidente um adversário, porque ele havia enfraquecido os militares. Antes da subida ao poder pelo governo de Recep Tayyip Erdogan, em 2002, os militares eram a instância que dominava a política no país – até mesmo a execução de um golpe.

Erdogan reduziu maciçamente essa influência. Em contrapartida, ele concedeu privilégios aos membros das Forças Armadas. Por esse motivo, as relações entre o chefe de Estado e os militares eram tão boas. Assim, esse golpe foi uma surpresa. E ele não foi muito bem preparado, pois os golpistas não conseguiram nem mesmo assumir o controle completo dos meios de comunicação. Esse é um dos pré-requisitos para que um golpe seja bem-sucedido. Eles também não foram capazes de atrair para seu lado partes indecisas do Exército.

DW: Ainda na noite da tentativa de golpe, Erdogan retornou de suas férias para Ancara. Isso não é sem risco. Ele já estava certo de que o golpe iria fracassar?

Logo após sua chegada à Ancara, ele deu uma coletiva de imprensa, para sinalizar que a situação era estável. Quando um golpe de Estado acontece, certamente faz sentido que o presidente se mostre à população. Que ele sinalize aos seus apoiadores: Eu estou aqui, vocês podem continuar a contar comigo. Mas, é claro, que isso pode ser arriscado. Não se podem descartar ataques quando Erdogan sobrevoa a Turquia com seu helicóptero.

Os partidários de Erdogan se posicionaram contra o golpe. Isso poderia contribuir para que o presidente veja a sua posição reforçada e que ele dê continuidade à sua política, sobretudo a de enfraquecimento da democracia?

Depois da tentativa fracassada de golpe, Erdogan irá, obviamente, agir com o maior rigor contra todos os seus adversários, não apenas dentro das Forças Armadas. Qualquer pessoa que, no passado ou no presente, tenha falado de forma crítica contra ele ou seu governo, estará agora sob suspeita generalizada de traição. Certamente, o país será varrido agora por uma chamada onda de expurgo. Os opositores de Erdogan serão afastados de seus postos. Em última análise, o golpe vai ajudar Erdogan a fortalecer ainda mais a sua posição absoluta de poder.

DW: Que implicações essa tentativa de golpe terá para a Europa, Otan e para a luta contra o “Estado Islâmico” na Síria e no Iraque?

Acredito que nada vai mudar. Erdogan teve muita solidariedade, do presidente Barack Obama até a chanceler federal alemã, Angela Merkel. Ambos se posicionaram contra essa tentativa de golpe. Isso fortalece, indiretamente, o apoio ao presidente turco. Então é de se esperar que os políticos turcos deem continuidade ao seu curso anterior, com todas as suas vantagens e desvantagens.

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